Suicídio após o diagnóstico de câncer

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Estudo avalia risco de suicídio após diagnóstico de câncer na Inglaterra

O diagnóstico de câncer pode provocar um sofrimento psicológico significativo nas pessoas. Os pacientes têm medo da morte, da dor, dos eventos adversos do tratamento como desfiguração ou perda de função, além de alteração no funcionamento familiar ou função dentro da comunidade. Este sofrimento pode ter um papel no desenvolvimento da ideação suicida. Revisões sistemáticas têm mostrado um aumento no risco de suicídio entre pacientes com câncer.

No Reino Unido a prevalência de pacientes com diagnóstico de câncer está crescendo em função do aumento dos programas de detecção de câncer. Apesar da prioridade política e financeira no diagnóstico e terapêutica para os serviços de oncologia, facilitando o diagnóstico precoce, existe uma histórica restrição de recursos para serviços de saúde mental. Além disto, no geral existe uma desconexão entre hospital gerais e serviços de saúde mental.

Apesar de o risco absoluto de suicídio entre pacientes com câncer ser baixo em comparação com as outras causas de morte, estas mortes podem ser prevenidas. Em 2015, a força-tarefa de câncer relatou que um melhor manejo da depressão pode melhorar os desfechos dos pacientes, como a melhora da qualidade de vida e a adesão ao tratamento, além de aumentar a sobrevida. É necessário entender a variação do risco de suicídio por sexo, idade e tipo de câncer.

Este foi o primeiro estudo que usou o banco de dados nacional da Inglaterra. São dados longitudinais do registro nacional e serviço de análise. O risco de suicídio em pacientes com diagnóstico de câncer foi avaliado em comparação com a população em geral e em relação aos tipos de câncer, estágio da doença, tempo desde o diagnóstico e fatores sociodemográficos. Foram incluídos 4.722.099 pacientes entre 18 e 99 anos de idade, no período de 1º de janeiro de 1995 a 31 de agosto de 2017.

Dentre os participantes, 50,3% eram homens e 49,7% mulheres; e 79,3% tinham acima de 60 anos. Destes, 2.491 (1.719 homens e 772 mulheres) cometeram suicídio, representando 0,08% da amostra. A taxa de mortalidade padronizada foi de 1,20 (intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,16 a 1,25). O risco mais elevado foi identificado entre os pacientes com mesotelioma (4,51; IC 95% de 2,91 a 7,00), seguido de câncer de pâncreas (3,89; IC 95% de 2,77 a 5,48), câncer no esofágico (2,65; IC 95% de 2,04 a 3,43), câncer de pulmão (2,57; IC 95% de 2,23 a 2,97) e câncer de estômago (2,20; IC 95% de 1,71 a 2,84).

Para lembrar:

Apesar dos baixos números absolutos, devemos sempre lembrar que, olhando mais atentamente, a incidência de casos de suicídio é 20% maior entre pacientes com câncer do que na população em geral. E, quando falamos de tipos de câncer específicos, como o mesotelioma ou o câncer de pâncreas, o estudo demonstrou que os pacientes apresentam risco ainda maior de cometer suicídio. Pacientes com câncer, principalmente os diagnosticados com transtornos do humor, apresentam risco de suicídio bastante elevado.

Metanálise atualizada de estudos epidemiológicos sobre transtorno afetivo bipolar na infância

Existe um grande debate sobre a validade do diagnóstico de transtorno afetivo bipolar na infância (TABI) e sobre as diferenças na prática internacional. Durante o século XX pouco se escreveu sobre o TABI, com uma média de 99 publicações científicas por ano. Desde 2001 o interesse aumentou, e as publicações chegaram a cerca de 300 por ano. Com isso, algumas perguntas foram respondidas, mas outras ainda estão em aberto, principalmente sobre sintomas maníacos subclínicos.

Um ponto importante do debate sobre o TABI são os dados conflituosos sobre a prevalência da doença. Uma das questões é que este diagnóstico seria um problema apenas nos Estados Unidos. Um estudo mostrou um aumento de 40 vezes no diagnóstico em pacientes ambulatoriais, e estes dados mostram preocupações e ao mesmo tempo questionamentos.

Em resposta ao questionamento sobre o aumento da prevalência e a diferença da prevalência do diagnóstico de TABI em diferentes países, uma metanálise de estudos epidemiológicos feita anteriormente revelou que a prevalência de casos de espectro bipolar chegou a 1,8%, sem diferença entre países. No entanto, as taxas entre os trabalhos foram altamente heterogêneas, e a pequena quantidade de estudos impediu a exploração dos moderadores relacionados com região e cultura.

Alguns estudos demonstram, por exemplo, que a dieta está relacionada com o aumento do risco de transtorno do humor, o que pode explicar a prevalência maior em adultos de países ocidentais. O açúcar está associado ao risco de depressão, provavelmente por sua contribuição para a obesidade. A dieta também pode ser protetora; o consumo de ômega 3, por exemplo, está associado a menor incidência de mania em adultos de países asiáticos.

Desde quando a metanálise original foi publicada, houve um aumento de 50% no número de estudos e o número de jovens representados triplicou. Além disso, como o diagnóstico tem sido mais aceito, mais profissionais têm aplicado os critérios, e o diagnóstico tem se tornado mais homogêneo.

O objetivo desta metanálise foi atualizar a literatura sobre as taxas de TABI em estudos epidemiológicos. Existe a hipótese de as taxas de prevalência dos estudos mais recentes serem mais homogêneas quando comparadas com os estudos anteriores, refletindo um consenso no meio e um refinamento da metodologia.

Espera-se que não existam grandes diferenças entre as taxas nos EUA e nos outros países, e que as taxas sejam estáveis ao longo do tempo, sem serem influenciadas pelos relatos dos participantes (pais, crianças ou ambos).

A prevalência do espectro bipolar foi de 3,9% (IC 95% de 2,6% a 5,8%). Heterogenicidade foi observada. A taxa combinada foi de 0,6% (IC 95% de 0,3% a 1,2%), onde a heterogenicidade também foi observada. A metanálise observou que a taxa não está aumentando com o passar do tempo.

Para lembrar:

Mesmo que a prevalência do diagnóstico de transtorno afetivo bipolar na infância (TABI) não esteja aumentando com o tempo ou pelo o fato de os critérios estarem mais estabelecidos, devemos observar que existe uma grande discussão no meio médico sobre a validade destes critérios. Um exemplo é a validade do diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e/ou hiperatividade (TDAH), onde devem estar uma grande parcela de crianças com provável diagnóstico de TABI.

Lítio versus outros estabilizadores do humor

Uma enorme quantidade de estudos respalda o lítio como um tratamento efetivo na manutenção do transtorno afetivo bipolar (TAB) em adultos. Metanálises de estudos randomizados que avaliaram o uso do lítio em adultos com diagnóstico de TAB em comparação com placebo mostraram que o lítio previne episódios maníacos e depressivos. Grandes estudos observacionais concluíram que o lítio foi superior a outros estabilizadores do humor na prevenção de episódios de humor em adultos. O lítio também foi associado a menores taxas de reinternação hospitalar quando comparado com outros medicamentos.

O lítio é um dos poucos medicamentos que previne o suicídio. Uma metanálise de estudos randomizados com adultos uni e bipolares concluiu que, em comparação com placebo, o lítio está associado a uma redução significativa do número de suicídios.

No entanto, ao comparar as evidências do uso deste medicamento em adultos e crianças, os benefícios para o segundo grupo são pequenos. Apesar de uma recente revisão sistemática concluir que o lítio seria seguro e eficaz para adolescentes, o estudo tinha uma amostra pequena e pouco tempo de acompanhamento.

Uma revisão de estudos randomizados com crianças e adolescentes com diagnóstico de mania encontrou apenas quatro estudos relevantes. O maior estudo que avaliou o efeito anti-maníaco comparando lítio, divalproato e risperidona em jovens entre 6 a 15 anos concluiu que o lítio e o divalproato foram menos efetivos que a risperidona para o tratamento da mania, mas os efeitos variaram bastante entre os locais da pesquisa.

Um recente estudo sobre o uso de lítio em jovens entre 7 e 17 anos com quadro de mania constatou que o lítio pode ser efetivo para episódios de mania e mistos. Existem ainda algumas evidências de que o lítio pode ajudar a controlar a agressividade em crianças e adolescentes.

Usando o banco de dados longitudinal do estudo curso e desfecho em jovens bipolares (COBY), foi feita uma análise post-hoc para avaliar se o uso de lítio está associado a diferenças na ideação suicida, sintomas do humor, hospitalização e agressão.

COBY é um estudo longitudinal realizado com 413 jovens entre 7 e 17 anos com diagnóstico de TAB. A cada visita, a medicação, os sintomas psiquiátricos e a função psicossocial foram avaliados utilizando a evolução do acompanhamento longitudinal de adolescentes. Destes, 340 participantes contribuíram com 2.638 períodos de acompanhamento (886 lítio e 1.752 outros), por um acompanhamento de, em média, 10 anos. Após o ajuste para covariantes, os pacientes com lítio apresentaram 50% menos tentativas de suicídio, menos sintomas depressivos, menos prejuízo psicossocial e menos agressividade.

Para lembrar:

Os achados deste estudo são de grande importância para o tratamento dos pacientes jovens com TAB. Mostrando eficácia não apenas no tratamento da doença do humor, mas na prevenção do suicídio, e desmistificando o uso do lítio nesta população.

Artigo publicado no Medscape em 11 de setembro de 2019