Associação entre Temperamento Afetivo e Obesidade Mórbida: Estudo de Caso-Controle

Sivan Mauer Associação entre Temperamento Afetivo e Obesidade Mórbida: Estudo de Caso-Controle APA

Dr. Sivan Mauer e Dr. Alexandre Karam J. Mousfi, representando a Faculdade Evangélica Mackenzie, apresentaram recentemente um estudo inovador na American Psychiatric Association (APA), explorando a associação entre temperamento afetivo e obesidade mórbida. Este estudo é um passo importante na compreensão das complexas interações entre fatores psicológicos e emocionais e a obesidade mórbida.

Compreendendo os Temperamentos Afetivos

Os temperamentos afetivos, componentes do espectro dos transtornos de humor, incluem hipertimia, distimia e ciclotimia. Hipertimia caracteriza-se por um estado maníaco leve e crônico, distimia por sintomas depressivos leves e persistentes, e ciclotimia por alternâncias constantes entre sintomas maníacos e depressivos. Estudos anteriores já demonstraram uma forte correlação entre obesidade e transtornos de humor, mas a investigação sobre como esses temperamentos específicos podem influenciar a obesidade mórbida ainda é limitada.

Objetivo do Estudo

O objetivo deste estudo foi avaliar a frequência dos três principais tipos de temperamentos afetivos em pacientes com obesidade mórbida e em controles sem diagnóstico de obesidade. Além disso, buscou-se estabelecer uma possível associação entre temperamentos afetivos e obesidade mórbida em pacientes candidatos à cirurgia bariátrica.

Metodologia

O estudo adotou um desenho transversal caso-controle.

Participantes: 106 casos (pacientes com obesidade mórbida) e 100 controles (não obesos).

Critérios de Inclusão

Controles: IMC < 30 kg/m², maiores de 18 anos, colaborativos e que assinaram o consentimento informado.

Casos: IMC ≥ 40 kg/m² ou ≥ 35 kg/m² com comorbidades, em acompanhamento pré-operatório de cirurgia bariátrica, maiores de 18 anos, colaborativos e que assinaram o consentimento informado.

Critérios de Exclusão: Recusa em colaborar, comprometimento funcional ou sensorial, gravidez e cirurgia bariátrica prévia.

Avaliação de Temperamento: Aplicação da escala TEMPS-Rio de Janeiro.

Avaliação de Sintomas: Sintomas depressivos, de ansiedade e maníacos foram avaliados pelas escalas de Hamilton e Young.

Análise Estatística: Modelos de Regressão Logística foram utilizados para análise univariada e multivariada, com odds ratio e intervalos de confiança de 95%.

Resultados

Os resultados revelaram que 74,5% dos indivíduos com obesidade mórbida apresentavam pelo menos um tipo de temperamento afetivo, em comparação com 63% do grupo controle. A análise detalhada mostrou que, entre os participantes com 50 anos ou mais, aqueles com temperamento hipertímico tinham 2,56 vezes mais chances de serem obesos mórbidos.

Outros achados incluem:

Prevalência de Diagnósticos Psiquiátricos:
33% dos pacientes com obesidade mórbida relataram algum diagnóstico psiquiátrico, comparado a 19% no grupo controle.

Comorbidades Clínicas:
79,2% dos indivíduos obesos mórbidos apresentavam comorbidades como hipertensão (45,2%), diabetes mellitus (31,3%) e dislipidemia (22,6%).

Tratamentos Psiquiátricos:
Maior número de indivíduos em tratamento psiquiátrico e psicoterapia no grupo de obesos mórbidos.

Discussão

A descoberta de que a hipertimia, entre os três temperamentos afetivos avaliados, é um fator de risco para obesidade mórbida, especialmente em indivíduos com 50 anos ou mais, é significativa. Esses temperamentos com sintomas maníacos, como hipertimia e ciclotimia, podem contribuir para comportamentos alimentares disfuncionais e, consequentemente, obesidade mórbida.

A prevalência de transtornos de humor e ansiedade em pacientes com obesidade mórbida reforça a necessidade de uma abordagem holística que considere fatores psicológicos e emocionais no tratamento da obesidade.

Conclusões

Este estudo evidencia que, na faixa etária de 50 anos ou mais, indivíduos com temperamento hipertímico têm uma chance significativamente maior de desenvolver obesidade mórbida. Essas descobertas sublinham a importância de integrar avaliações de temperamento e saúde mental no manejo da obesidade mórbida.

Para mais detalhes e acesso completo aos dados do estudo, o pôster apresentado por Dr. Sivan Mauer e Dr. Alexandre Karam J. Mousfi está disponível para download.


'Um filho': filme que retrata a realidade de muitas famílias

Este texto contém spoilers do filme “Um Filho”.

O excelente longa-metragem “Um filho”, de Florian Zeller — mesmo diretor de “Meu pai”, que retrata um paciente com demência — pode passar despercebido por muitos, o que seria uma pena. O filme vai além da beleza artística e nos traz a oportunidade de discutir um assunto importante e sensível para muitas famílias: a doença psiquiátrica nos adolescentes, tema que ultrapassa a relação entre pais e filhos.

Muitas vezes a doença psiquiátrica nessa faixa etária é tratada como algo passageiro, como uma “fase”, fazendo com que muitas vezes os pacientes cheguem nos consultórios ou nos serviços de emergência com uma sintomatologia muito mais agravada.

A história do filme se inicia com a conversa de um casal divorciado sobre as dificuldades acadêmicas de seu filho adolescente, Nicholas, que não ia à escola fazia um mês. A mãe notara mudanças no comportamento do rapaz, e por isso o pai, Peter, tem uma conversa com o jovem. Nessa conversa, Nicholas pede para se mudar para a casa do pai, que está no segundo casamento e tem um bebê recém-nascido. Peter nota marcas no antebraço de Nicholas, mas não entende o que levaria o seu filho a se automutilar, afinal de contas o rapaz tem momentos nos quais “até sorri”.

Automutilação é algo bastante comum entre adolescentes e adultos jovens.[1] Normalmente, começa entre 13 e 14 anos de idade, e muitas vezes tem a função de aliviar emoções negativas, acalmar ou trazer alívio ao indivíduo. Alguns estudos associam a automutilação a sintomas de mania na adolescência.[2] Outro dado importante é que ao menos 60% dos pacientes com transtorno bipolar se automutilarão ao menos uma vez na vida.[3] A automutilação e os comportamentos suicidas são muitas vezes entendidos como um contínuo.[1] Nos últimos anos, novos dados têm apontado a automutilação como um fator de risco de comportamento suicida. Estudos mostram que a automutilação não tem o objetivo de “chamar atenção”, como muitos acreditam.[1] Um estudo de 2020 com adolescentes entre 12 e 17 anos mostrou uma prevalência de ideação suicida de 14%.[4]

Nicholas, o adolescente do filme, continua faltando às aulas mesmo após ir morar com o pai e trocar de escola. Em uma nova conversa entre os dois, o jovem explica que, para ele, a vida é um fardo grande para se carregar.

Muitos adolescentes com sintomas de ansiedade encaram a escola e o convívio social em geral como um grande desafio. Um estudo de 2020 registrou 9% de prevalência de ansiedade em adolescentes entre 12 e 17 anos nos 12 meses anteriores à coleta dos dados.[5] O absenteísmo escolar é um sinal de alerta muito importante para pais, profissionais da saúde e educadores. Segundo o mesmo estudo, a prevalência de absenteísmo escolar em um mês foi de 30,2% em uma população de 268.142 adolescentes de 69 países de baixa e média renda.[5] O trabalho conclui que a taxa de absenteísmo é maior entre meninos e meninas com ansiedade. Uma revisão sistemática de 2019 também sugere associação entre ansiedade e absenteísmo escolar.[6] Estudos têm colocado sintomas de ansiedade na infância e adolescência como fator de risco/pródromo de transtorno bipolar na idade adulta.[7-9]

Nicholas tenta o suicídio. Ele é então internado na ala psiquiátrica de um hospital geral e seus pais são chamados para uma conversa com o psiquiatra assistente, que recomenda que o jovem permaneça internado por mais tempo. Nicholas se enfurece com a aquiescência dos pais em mantê-lo internado. No caminho de volta para casa, o casal muda de ideia e retorna ao hospital para assinar a alta, contra a orientação do psiquiatra. Nicholas volta para casa feliz, faz um café para os seus pais, e eles combinam de ir ao cinema. Quando Nicholas vai para o quarto se arrumar, um estampido de um tiro é ouvido pelos pais. Nicholas se suicidou.

Devemos aqui nos questionar quanto ao quadro clínico do adolescente. Nicholas estaria deprimido? O que é difícil de enxergar nesse caso é que muitos adolescentes que apresentam ansiedade, irritabilidade, automutilação, impulsividade e tentativas de suicídio não estão deprimidos, mas sim em um estado misto, ou depressão mista. Desde os anos 1980, quando a doença maníaco-depressiva foi dividida em transtorno bipolar e depressão maior, o meio psiquiátrico deixou de enxergar os estados mistos. Isto ocorre porque deixa-se de lado o conceito kraepeliniano, que valoriza o curso recorrente dos episódios, sejam eles de mania, melancolia ou mistos, e volta-se para o conceito leonhardiano, que prioriza os polos e faz com que os quadros depressivos mistos sejam abarcados pelo conceito de transtorno depressivo maior.[7] Possivelmente, os estados mistos são a apresentação mais comum do transtorno bipolar em adolescentes.[8] Outro dado importante é que episódios “depressivos” antes dos 25 anos estão mais ligados ao diagnóstico de transtorno bipolar.[9] Esses dados são de extrema relevância, pois existe uma grande influência do quadro no tratamento escolhido e no risco de suicídio. A incidência de transtorno bipolar entre adolescentes é baixa quando comparada à de transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade.[10, 11]

Os quadros mistos são um fator de risco bastante relevante para o suicídio, pois os sintomas juntam a ideação suicida com o impulso para colocá-la em prática. Em um estudo realizado com 1.560 adultos jovens entre 18 e 24 anos, concluiu-se que existe um risco de suicídio mais de 13 vezes maior em pacientes que apresentam quadros mistos, quando comparados aos controles.[12] Um outro estudo mostra que 81,3% dos pacientes que tentaram o suicídio tiveram êxito em até um ano após uma tentativa anterior,[13] exatamente o que é ilustrado no filme com o suicídio de Nicholas.

Outra questão relevante é o grande aumento do uso de antidepressivos e sua relação com a elevação do risco de suicídio. Uma revisão sistemática identificou um risco mais de cinco vezes maior em adolescentes usuários de antidepressivos em relação aos que não faziam uso desses fármacos.[14] Para se ter ideia, entre 1998 e 2018 o uso de antidepressivos triplicou no Reino Unido.[15] No Brasil o uso só do antidepressivo vortioxetina aumentou 336,2% entre 2014 e 2019.[16, 17] Quadros mistos não devem ser tratados com antidepressivos e, sim, com estabilizadores do humor e antipsicóticos de segunda geração.[18, 19] O uso de lítio é recomendado em casos como os de Nicholas, principalmente na prevenção do suicídio.[20] Outro dado importante entre adolescentes vem de um estudo sueco que demostrou que, quanto mais diagnósticos de transtorno bipolar — e consequentemente a adoção do tratamento correto —, menor a taxa de suicídio.[21]

O filme “Um Filho” evidencia as dificuldades enfrentadas pelos pais quando são confrontados com a realidade das doenças psiquiátricas em seus filhos adolescentes. A adolescência é uma fase de transformação, mas a ideia de que todas as alterações comportamentais são reflexos deste momento é perigosa. É importante que o pediatra, o clínico geral e o psiquiatra fiquem atentos a alguns sinais de alerta, como história familiar de suicídio e transtorno bipolar, automutilação, agitação psicomotora, ansiedade, abuso de substâncias e isolamento. Muitos desses sinais de alerta foram dados por Nicholas.

Referências

1. Klonsky, E. D., Victor, S. E. & Saffer, B. Y. Nonsuicidal self-injury: What we know, and what we need to know. Can. J. Psychiatry 59, 565–568 (2014).2. Fang, D. et al. Association between hypomania and self-harm behaviors in Chinese children and adolescents with depressive symptoms. Front. Psychiatry 13, (2022).

3. Esaki, Y. et al. Higher prevalence of intentional self-harm in bipolar disorder with evening chronotype: A finding from the APPLE cohort study. J. Affect. Disord. 277, 727–732 (2020).

4. Biswas, T. et al. Global variation in the prevalence of suicidal ideation, anxiety and their correlates among adolescents: A population based study of 82 countries. (2020). doi:10.1016/j.eclinm.2020.100395

5. Dalforno, R. W., Wengert, H. I., Kim, L. P. & Jacobsen, K. H. Anxiety and school absenteeism without permission among adolescents in 69 low- and middle-income countries. Dialogues Heal. 1, 100046 (2022).

6. Finning, K. et al. Review: The association between anxiety and poor attendance at school – a systematic review. Child Adolesc. Ment. Health 24, 205–216 (2019).

7. Ghaemi, S. N. Bipolar spectrum: a review of the concept and a vision for the future. Psychiatry Investig. 10, 218–224 (2013).

8. Dilsaver, S. C., Benazzi, F. & Akiskal, H. S. Mixed states: the most common outpatient presentation of bipolar depressed adolescents? Psychopathology 38, 268–272 (2005).

9. Ghaemi, S. N., Ko, J. Y. & Goodwin, F. K. ‘Cade’s disease’ and beyond: misdiagnosis, antidepressant use, and a proposed definition for bipolar spectrum disorder. Can J Psychiatry 47, 125–134 (2002).

10. Jensen, C. M. & Steinhausen, H. C. Time Trends in Lifetime Incidence Rates of First-Time Diagnosed Bipolar and Depressive Disorders Across 16 Years in Danish Psychiatric Hospitals: A Nationwide Study. J. Clin. Psychiatry 77, 21012 (2016).

11. Chung, W. et al. Trends in the Prevalence and Incidence of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder Among Adults and Children of Different Racial and Ethnic Groups. JAMA Netw. open 2, e1914344–e1914344 (2019).

12. Sverdlichenko, I. et al. Mixed episodes and suicide risk: A community sample of young adults. J. Affect. Disord. 266, 252–257 (2020).

13. Bostwick, J. M., Pabbati, C., Geske, J. R. & McKean, A. J. Suicide attempt as a risk factor for completed suicide: Even more lethal than we knew. Am. J. Psychiatry 173, 1094–1100 (2016).

14. Barbui, C., Esposito, E. & Cipriani, A. Selective serotonin reuptake inhibitors and risk of suicide: a systematic review of observational studies. CMAJ 180, 291–7 (2009).

15. Bogowicz, P. et al. Trends and variation in antidepressant prescribing in English primary care: a retrospective longitudinal study. BJGP open 5, (2021).

16. Hoefler, R., Galvão, T. F., Ribeiro-Vaz, I. & Silva, M. T. Trends in Brazilian market of antidepressants: A five-year dataset analysis. Front. Pharmacol. 13, 1–9 (2022).

17. Hoefler, R., Tiguman, G. M. B., Galvão, T. F., Ribeiro-Vaz, I. & Silva, M. T. Trends in sales of antidepressants in Brazil from 2014 to 2020: A time trend analysis with joinpoint regression. J. Affect. Disord. 323, 213–218 (2023).

18. Hobbs, E., Reed, R., Lorberg, B., Robb, A. S. & Dorfman, J. Psychopharmacological Treatment Algorithms of Manic/Mixed and Depressed Episodes in Pediatric Bipolar Disorder. J. Child Adolesc. Psychopharmacol. 32, 507–521 (2022).

19. Swann, A. C. et al. Bipolar mixed states: An international society for bipolar disorders task force report of symptom structure, course of illness, and diagnosis. Am. J. Psychiatry 170, 31–42 (2013).

20. Mauer, S., Vergne, D. & Ghaemi, N. Standard and trace-dose lithium: A systematic review of dementia prevention and other behavioral benefits. Aust. New Zeal. J. Psychiatry 48, 809–818 (2014).

21. Andersson, P., Jokinen, J., Jarbin, H., Lundberg, J. & Boström, A. E. D. Association of Bipolar Disorder Diagnosis With Suicide Mortality Rates in Adolescents in Sweden. JAMA Psychiatry (2023). doi:10.1001/JAMAPSYCHIATRY.2023.1390

Artigo publicado no Medscape em 12 de junho de 2023


Lítio e rim: o que você precisa saber sobre esta relação

Na história da medicina o lítio já foi empregado como medicamento para gota, como hipnótico e como anticonvulsivante. Mas foram os resultados no controle da doença maníaco-depressiva que transformaram o medicamento no padrão-ouro para o tratamento do quadro – um status que dura até os dias atuais.

Neste episódio do Conversa de Médico o Dr. Sivan Mauer, psiquiatra e advisor do Medscape em português, e o Dr. Cristian Riella, nefrologista e pesquisador médico da Harvard University (EUA), esclarecem sobre as possíveis alterações renais observadas com o uso de lítio e afirmam: o risco é, na maioria das vezes, superestimado. É preciso saber prescrever e monitorar corretamente, alertam os dois especialistas, e a creatinina nem sempre é o melhor marcador para identificar lesão renal em pacientes em uso de lítio. Ouça o podcast e conheça algumas estratégias importantes para aumentar a proteção dos rins na vigência do lítio

Assista o vídeo.


Psiquiatria: Discussão de Caso Clínico II – Sistema DSM

Sistema DSM – Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria

No sábado, dia 10 de julho de 2021, às 11 horas, haverá uma nova discussão de caso clínico conduzida pelo Dr. Sivan Mauer e pelo Dr. Alexandre Karam. Um dos pontos centrais discutidos será a questão crítica ao sistema DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria). Além da discussão do caso iremos explicar o funcionamento do curso de atualização em psiquiatria, que terá início no próximo semestre. Tanto a discussão de caso como o curso são destinados a clínicos gerais, psiquiatras, residentes em psiquiatria, acadêmicos de medicina e psicólogos. O evento ocorrerá via Zoom e você pode acessar através do link abaixo.

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Um panorama sobre fobias

Dr. Reinaldo Hamamoto | Dr. Sivan Mauer

As fobias raras são um tema que desperta o interesse das pessoas, vemos artigos na imprensa sobre o assunto e mesmo filmes abordando o tema. A fobia, no entanto, não é algo que aparece todos os dias no consultório de um psiquiatra clínico, muito menos no de outros especialistas. O que vemos são pessoas que não se sentem bem em lugares abertos ou têm medo de voar de avião, de aranhas ou de cachorros. Em primeiro lugar, é importante entender que a fobia é uma ansiedade. A ansiedade é uma resposta importante, um sintoma clínico de um processo de adoecimento, como descrito por Kraepelin. Na grande maioria das vezes, as fobias são respostas a um perigo sobre o qual você não tem controle direto. Podemos explicar que o risco de morte por acidente de carro é maior do que por queda de avião, mas isso não resolve o problema, pois pode-se parar o carro e acabar com o problema, diferentemente do avião. Uma fobia muito comum é a social, caracterizada pela dificuldade de interação social ou de se apresentar em público. O importante é entendermos as fobias, comuns ou raras, como um sintoma, possivelmente a ponta do iceberg de um diagnóstico maior quando pensamos a psiquiatria como a clínica.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), entendido como uma lista telefônica em que cada sintoma equivale a uma doença, deve ser deixado de lado, e o diagnóstico pode ser alcançado por meio de uma avaliação muito mais criteriosa. Na psiquiatria, devemos enxergar o diagnóstico de forma hierárquica, como uma pirâmide, com as doenças do humor no topo, precedidas pelas psicóticas, esquizofrenia e outras, até chegar na base. E essas duas doenças altamente hereditárias estão associadas a sintomas ansiosos.

Com maior frequência os pacientes se queixam de ansiedade, o DSM-III, a partir de 1980, criou algumas categorias, e uma delas foi o transtorno de ansiedade generalizada, que não tem muito fundamento. Isso ocorreu quando foi deixado de lado o que se chamava de temperamentos, muito importantes na psiquiatria Kraepeliniana, que considera importante o curso da doença, se é crônica e a possibilidade de recorrência. Já o DSM valoriza mais os polos da doença e tenta separar os episódios de mania, criando um grupo enorme de sintomas de onde se origina o transtorno de ansiedade generalizada (major depressive disorder). Essa classificação inclui muita coisa e tudo se trata com antidepressivo.

Quais são as principais doenças subjacentes ao sintoma de fobia? E como o médico generalista pode fazer o diagnóstico?

O bom diagnóstico psiquiátrico deve passar por alguns validadores da clínica médica, que foram reforçados pela escola de Washington, os neokraepelinianos, da década de 70: avaliação dos sintomas e do curso da doença (crônica/recorrente). Há um trabalho clássico sobre a diferença de prevalência de esquizofrenia na Inglaterra e nos Estados Unidos, indicando que, nos EUA, ao apresentar sintomas psicóticos, o paciente é considerado esquizofrênico, independentemente do curso da doença. Ainda é assim lá.

Tenho uma paciente que mora nos Estados Unidos, que trato por doença bipolar, mas o médico que a acompanha lá tenta convencê-la de que ela tem transtorno de estresse pós-traumático, isso sem história de trauma. Lá existem esses momentos. O diagnóstico deve passar pela presença ou ausência de sintomas, depois pelo curso da doença em termos de cronicidade e recorrência, e pela resposta ao tratamento. A resposta ao tratamento é um dos validadores menos importantes, mas existe. O quinto validador são os marcadores biológicos, que são poucos, posso citar como exemplo os microinfartos na depressão vascular.

Em uma consulta, o colega pode determinar se a fobia é o sintoma principal, mas isso não significa que seja o diagnóstico; por exemplo, um quadro de tosse em geral está relacionado ao sistema respiratório, mas sabemos que pode ser refluxo ou algum evento adverso à medicação, da mesma forma, a fobia pode ser a questão principal para o paciente, mas nem sempre é a mais importante. O médico tem que avaliar o curso da doença, a presença de agitação psicomotora – insônia, irritação ou ideação suicida. Esse é o tipo de avaliação que devemos realizar.

Se ansiedade for a doença, então utiliza-se antidepressivos, mas na maioria das vezes, quando a queixa é ansiedade, o diagnóstico é outro, porque nas recorrências, os episódios mistos são os mais frequentes – apesar de serem amplamente negados desde os anos 80. Se utilizarmos os critérios do DSM-IV, eles são impossíveis de serem diagnosticados, mas podem ser diagnosticados na clínica, quando observamos agitação psicomotora, que pode se resumir ao pensamento acelerado, isso causa insônia, tensão muscular e ansiedade, e muitos pacientes acabam apresentando alguns tipos de fobias. Por exemplo, pacientes que tratei durante um episódio misto, que não conseguiam viajar de avião ou se apresentar em público, quando fora do episódio melhoravam destas queixas de fobia também.

Penso que se todos formos seguir o DSM, a nossa chance de erro é enorme, porque não estamos seguindo a ciência. Isso enfraquece a psiquiatria como especialidade médica. Meu orientador de mestrado e fellowship nos Estados Unidos, Dr. Nassir Ghaemi, explicava a abordagem diferente que utilizávamos para os pacientes da seguinte forma: ou você não existe ou o livro está errado, qual das duas é possível? É uma infelicidade para a especialidade a forma como o DSM foi feito.

O tratamento pode ser coordenado pelo médico generalista ou o paciente deve ser encaminhado para o psiquiatra?

Acho que temos vários contextos. Se não houver psiquiatras na região, o médico generalista deve acompanhar o paciente, desde que compreenda que a psiquiatria não é "preto no branco". O antidepressivo não necessariamente resolverá o problema, e pode até piorar a situação, algo que resultou da sistematização do DSM. O meu trabalho do dia a dia é fazer o diagnóstico correto e a retirada de antidepressivos receitados de forma inadequada, algo que não é fácil, por causa da síndrome de retirada.

Tive uma paciente que fazia uso de antidepressivos há muitos anos e tinha medo de viajar de avião. Ela estava sendo tratada para depressão e a fobia fazia parte da síndrome. Eles dirigiram 2 mil quilômetros para fazer a consulta e depois eu os convenci a fazer teleconsulta. Eu tirei o antidepressivo e prescrevi o que se chama de antipsicótico em dose baixa, por se tratar de um episódio misto grave, junto com um estabilizador do humor. Ela finalmente conseguiu viajar de avião.

Cabe lembrar que os nomes dos medicamentos estão errados, "antidepressivos" e "antipsicóticos" são usados para tratar outras doenças e "estabilizadores do humor" não estabilizam nada.

Quais os cuidados necessários no acompanhamento de curto e longo prazo?

O principal é conseguir fechar o diagnóstico e então prescrever o tratamento adequado. Nem sempre um bom diagnóstico quer dizer abrir o DSM. E, segundo o ditado clássico, "o diagnóstico é o prognóstico", por exemplo, o diagnóstico de uma pessoa com esquizofrenia tem um prognóstico mais reservado do que o de uma com doença maníaco-depressiva. É uma doença crônica para a qual não dispomos de medicamentos modificadores da doença. O lítio é uma vantagem muito grande no tratamento da doença maníaco-depressiva e do transtorno bipolar, não existe medicação hoje que modifique o curso crônico da esquizofrenia. [8] No caso da ansiedade, o indicador clínico a ser utilizado é a agitação psicomotora, quanto menos agitação, melhor a reposta. Marcadores biológicos ainda não existem.

Poderia destacar algum estudo recente desta área que todos os médicos deveriam conhecer?

A psiquiatria deveria ser a especialidade mais clínica, mas é vista de outra forma. Os outros médicos acham que só prescrevemos antidepressivos. A classe de medicamentos que deveria ser a menos prescrita, hoje é a mais prescrita. Se utilizarmos os validadores, vamos entender que os antidepressivos deveriam ser os menos prescritos, porém, com a criação do major depressive disorder e a negação dos sintomas maníacos em favor dos depressivos, os antidepressivos passaram a ser indicados para tudo. Não deveríamos perguntar se a pessoa está triste, o nome "doença do humor" é incorreto, deveria se chamar doença da psicomotricidade. Isso é conhecido há muitos anos e é o melhor marcador clínico. Deveríamos avaliar qual a velocidade do pensamento do paciente. O DSM afeta as pesquisas, é como utilizar um mapa errado e achar que você chegará onde deseja. O National Institute of Mental Health (NIMH) dos EUA disse que não aceitaria mais os critérios do DSM para grants, mas os periódicos científicos aceitam. Por isso, não posso citar pesquisas relevantes sobre fobias e ansiedade.

Artigo publicado no Medscape em 21 de junho de 2021


Psiquiatria: Discussão de Caso Clínico – Sistema DSM

Sistema DSM – Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria

No sábado, dia 26 de junho de 2021, às 11 horas, haverá uma discussão de caso clínico conduzida pelo Dr. Sivan Mauer e pelo Dr. Alexandre Karam. Um dos pontos centrais discutidos será a questão crítica ao sistema DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria). Além da discussão do caso iremos explicar o funcionamento do curso de atualização em psiquiatria, que terá início no próximo semestre. Tanto a discussão de caso como o curso são destinados a clínicos gerais, psiquiatras, residentes em psiquiatria, acadêmicos de medicina e psicólogos. O evento ocorrerá via Zoom e você pode acessar através do link abaixo.

 


Consequências da escetamina e depressão na pandemia

1. Preocupações em relação à segurança da escetamina após a liberação de venda: análise de desproporcionalidade de relatos espontâneos sobre efeitos colaterais notificados à FDA

Em março de 2019, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos aprovou o uso da escetamina em spray intranasal no tratamento adjuvante de adultos com depressão refratária. Alguns meses depois, a formulação também foi aprovada pela European Medicines Agency (EMA). Depois de aprovada, a FDA determinou uma estratégia de avaliação e mitigação do risco dirigida ao potencial de abuso, sedação e mau uso.

Com a venda liberada nos EUA e na Europa, iniciou-se um debate sobre a falta de evidências convincentes da segurança e eficácia da escetamina, inclusive em relação ao risco de abuso e de suicídio. Uma análise de dados agrupados sobre o perfil de segurança da escetamina concluiu que o medicamento era menos aceitável do que placebo – de acordo com essa análise, o risco de dissociação entre os pacientes que utilizaram o produto foi sete vezes maior do que nos grupos que receberam placebo.

Sistemas de relatos espontâneos reúnem efeitos adversos e representam uma fonte de dados pronta para identificação precoce de problemas relacionados com a farmacoterapia no mundo real. A análise dos dados provenientes de relatos espontâneos posteriores à liberação da venda do produto é particularmente adequada para detectar a ocorrência de efeitos colaterais raros, que acabam não sendo detectados ou reportados nos estudos controlados randomizados devido ao pouco tempo de acompanhamento e à diferença das doses e das populações incluídas em comparação com o mundo real.

O objetivo deste estudo foi analisar os dados de segurança da escetamina em spray nasal informados espontaneamente pela população dos Estado Unidos após a liberação da venda do produto ao maior banco de dados de farmacovigilância disponível no país, o FDA Adverse Event Reporting System (FAERS).

O estudo utilizou a metodologia consolidada de caso/não caso para estimar a razão de chances (OR, sigla do inglês Odds Ratio), com intervalo de confiança (IC) de 95%, para os efeitos adversos relacionados à escetamina com mais de quatro relatos. Foram registrados 962 casos de efeitos adversos associados ao uso de escetamina registrados no FAERS, dentre eles:

  • Dissociação (OR de 1,61; IC 95% de 1,35 a 1,92);
  • Sedação (OR de 238,46; IC 95% de 202,98 a 280,15);
  • Ideação suicida (OR de 24,03; IC 95% de 18,72 a 30,84);
  • Suicídio (OR de 5,75; IC 95% de 3,18 a 10,41); e
  • Humor eufórico (OR de 46,03; IC 95% de 28,02 a 75,59).

Para lembrar:

É muito importante ressaltar que a escetamina foi aprovada para o tratamento da depressão refratária. Na grande maioria das vezes o problema da depressão refratária é o diagnóstico e não o tratamento em si. O erro diagnóstico mais comum é não detectar a ocorrência de estados mistos, algo que não deve ser tratado com antidepressivos. Por isto, não surpreende o resultado deste importante estudo. Isto se confirma com a grande chance de se apresentar humor eufórico. Ideação suicida e suicídio estão muito relacionados aos estados mistos. Vale ressaltar também a importância da metodologia utilizada pelos autores, que pode ser desconhecida para alguns; o principal uso da análise de desproporcionalidade é confirmar ou não a potencial associação dos efeitos adversos ao medicamento em questão com base na hipótese farmacológica.

2. Tendência suicida nos primeiros meses da pandemia de covid-19: uma série de análises temporais de dados preliminares de 21 países

Existe a preocupação de que a pandemia de covid-19 leve a um aumento das taxas de suicídio. No entanto, poucos estudos examinaram os efeitos de outros surtos de doenças na incidência de casos de suicídio.

Duas revisões sistemáticas identificaram 10 estudos que focaram em epidemias ou pandemias de Influenza, síndrome respiratória aguda grave (SARS, sigla do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome) e Ebola. Estas revisões sugerem que, em alguns momentos, as taxas de suicídio aumentaram após emergências de saúde pública. Esse aumento não necessariamente ocorre de imediato, visto que muitas vezes o risco é menor no início.

Os autores utilizaram o International Covid-19 Suicide Prevention Research Collaboration (ICSPRC) para monitorar o efeito global da pandemia na incidência de suicídio e monitorar também os estudos especificamente relacionados com a pandemia de covid-19 e os casos de suicídio. Por meio de uma revisão sistemática viva (living systematic review) concluiu-se que a maioria dos estudos tiveram limitações metodológicas. Alguns trabalhos utilizaram dados sem confirmação das fontes ou com fontes secundárias. Estes relatos apresentaram um aumento nas taxas de suicídio após o início da pandemia de covid-19. Outros estudos usaram dados estatísticos oficiais sobre suicídio para os meses desde que a pandemia começou e fizeram comparações com períodos equivalentes sem levar em conta tendências subjacentes. Estudos com esta metodologia na Noruega, Suécia, Coreia do Sul, Áustria, Alemanha e EUA mostraram uma diminuição nas taxas de suicídio e na Grécia mostrou que não houve alteração.

As evidências até o momento são insuficientes para indicar os efeitos da covid-19 na incidência de suicídio. É provável que os efeitos apresentem diferenças entre e dentro dos países, de acordo com fatores como a extensão da pandemia, medidas de combate à crise sanitária, consequências econômicas e medidas de amparo social às famílias mais atingidas.

Este estudo teve como objetivo avaliar o efeito inicial da pandemia de covid-19 nas taxas de suicídio ao redor do mundo. Para isto, os autores realizaram pesquisas entre 1º de setembro e 1º de novembro de 2020 nos sites oficiais dos ministérios da Saúde, das agências de políticas e das agências de estatísticas dos 21 países incluídos na análise, usando os termos "suicídio" e "causa da morte".

A pesquisa on-line ficou restrita, por motivos pragmáticos, a países com mais de três milhões de habitantes, mas este critério foi flexibilizado para países identificados através de literatura ou da rede de pesquisa dos autores. Áreas dentro de países também puderam ser incluídas com menos de três milhões. Foi usada uma análise seriada temporal para modelar a tendência de casos de suicídio por mês antes da pandemia de covid-19 (de 1º de janeiro de 2019 até 1º de março de 2020), comparando com a estimativa do número de suicídios derivada de modelos com números observados nos meses iniciais da pandemia (1º de abril a 21 de julho de 2020).

Foram analisados dados de 21 países (16 países de alta renda e cinco de alta média renda) incluindo dados de 10 outros países e dados de várias áreas de 11 países. A razão de taxas e o intervalo de confiança (IC) de 95% foram calculados com base nos dados observados e na estimativa de suicídios. Não foram observadas evidências de aumento significativo no risco de suicídio desde o início da pandemia em nenhum dos países ou áreas.

Para lembrar:

O suicídio é um desfecho multicausal, sendo que as doenças psiquiátricas são responsáveis por uma grande parte do risco. Dentre os fatores sociais, sabe-se que grandes crises financeiras podem cursar com o aumento da taxa de suicido. Seria de extrema importância que um estudo como este focasse em países de média e baixa renda, além de tentar entender e quantificar a incidência de casos de suicídio em países que ofereceram suporte financeiro para as pessoas que perderam seus empregos ou suas fontes de renda.

3. Prevalência de doenças mentais, ideação suicida e suicídio na população geral antes e durante a pandemia de covid-19 na Noruega: Uma análise transversal populacional de repetidas análises

O governo da Noruega determinou medidas de distanciamento social a partir de 12 de março de 2020 para conter a pandemia de covid-19. A situação foi considerada como estando sob controle no final de abril de 2020, com gradual relaxamento das restrições durante o verão. No entanto, pequenos surtos da doença levaram à reintrodução das medidas restritivas no início de setembro de 2020.

A grande preocupação de que a pandemia causaria uma crise de saúde mental levou a uma rápida propagação de pesquisas explorando questões sobre a saúde mental na pandemia, mas a maioria desses trabalhos tem grandes limitações. A maioria consiste em pesquisas on-line, com importantes vieses amostrais, e muitas são pesquisas transversais, com apenas uma coleta no início da pandemia. Há apenas alguns estudos de qualidade baseados em populações probabilísticas que compararam sofrimento mental na população geral durante a pandemia com níveis pré-pandêmicos.

Pesquisas no Reino Unido, nos Estados Unidos e na República Checa concluíram que o início da pandemia trouxe um aumento dramático no número de diagnósticos de sofrimento mental, em comparação com 2017-2019. Em contraste, um estudo holandês não observou aumento na prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em março de 2020 versus março de 2019.

Parecem existir alguns fatores de risco de sofrimento mental durante a pandemia como: ser mulher, ser adulto(a) jovem, estar desempregado(a), ser estudante, estar solteiro(a), morar com crianças pequenas ou ter comorbidades (físicas ou mentais).

Os estudos publicados foram conduzidos nos primeiros meses da pandemia e contaram quase exclusivamente com questionários ou ferramentas de rastreio com período curto de referência. Verificações como essas funcionam para descrever uma onda aguda de sofrimento mental que pode recuar assim que as pessoas se adaptarem à nova situação. Por outro lado, estressores crônicos, como recessão econômica, podem causar uma deterioração prolongada na saúde mental. No entanto, sofrimento mental não é sinônimo de doença mental. Estudos sobre doença mental são necessários no sentido de prevenção, suporte e cuidado.

Este estudo tem com pontos fortes o fato de os autores terem recorrido a uma fonte de dados confiável e realizado um acompanhamento mais extenso do que outros estudos que avaliaram os efeitos da covid-19 na saúde pública. Para isto, foram usados dados de um estudo que estava em andamento antes do início da pandemia e dados do registro de óbito norueguês. O objetivo foi comparar a prevalência de doenças mentais, ideação suicida e suicídio nos seis primeiros meses da pandemia de covid-19, na população geral e entre grupos com suspeita de risco aumentado de problemas em relação a saúde mental durante a pandemia.

Foram incluídos 2.154 indivíduos. As avaliações sobre doenças mentais e ideação suicida foram feitas de modo transversal e em análises repetidas. Dados sobre suicídio foram obtidos por meio do registro de óbito norueguês e comparados entre os meses de março a maio de 2014 a 2018 e 2020.

A prevalência de doenças mentais diminuiu do período pré-pandemia (15,3% de janeiro a março de 2020) em comparação até o início da pandemia (8,7% entre março e maio de 2020). A prevalência de doenças mentais pré-pandemia foi muito parecida quando comparada com o período de junho/julho de 2020 (14,2%) e também entre agosto/setembro de 2020 (11,9%). Em relação à ideação suicida e ao suicídio, não houve diferenças observadas no período.

Para lembrar:

Este estudo reforça a hipótese de que as taxas de suicídio e de ideação suicida não apresentaram aumento até o momento. É importante ressaltar que não houve uma diferença significativa no diagnóstico de doenças mentais, porém, devemos lembrar que o estudo foi realizado na Noruega, um país de alta renda e com um sistema de saúde universal, que oferece amparo social para pessoas que perderam seus empregos ou foram afastadas por doença. Estes aspectos comprometem a capacidade de generalização do estudo. Assim, são necessários estudos como este em outros países, principalmente nos de baixa renda.