Cannabis e prescrição de medicamentos psiquiátricos
O uso de Cannabis no início da idade adulta e a associação prospectiva com a prescrição de antipsicóticos, estabilizadores do humor e antidepressivos
Apesar das evidências científicas sugerirem que a Cannabis pode aumentar o risco de doença mental, as taxas de uso, o uso pesado e a dependência da substância aumentaram, em comparação com a década passada.
Vários estudos descreveram uma associação entre o uso de Cannabis e a esquizofrenia, alguns inclusive sugeriram que o uso da substância estaria associado ao início precoce da doença.
Alguns países onde se usa Cannabis de alta potência, a incidência da esquizofrenia é mais elevada.
O transtorno bipolar tem início mais precoce em usuários de Cannabis em comparação com não usuários. Em amostras clínicas a Cannabis foi associada a aumento dos sintomas, ciclagem rápida, baixa taxa de remissão e risco três vezes maior de apresentar o primeiro episódio de mania.
As evidências relacionando Cannabis com depressão e ansiedade apresentam tamanho de efeito bem menores quando comparadas com esquizofrenia. Uma metanálise calculou o risco de depressão entre usuários da substância e concluiu que houve um aumento de 62% para usuários pesados e 17% para qualquer uso em comparação com não usuários. Em relação à ansiedade, uma metanálise identificou um aumento de 28% após o consumo de Cannabis. Outros estudos não encontraram resultados significativos.
O estudo em pauta utilizou psicotrópicos como medida indireta de doenças. O objetivo era investigar a associação entre a exposição a Cannabis e a subsequente prescrição de antipsicóticos, estabilizadores do humor, antidepressivos e ansiolíticos. Os dados foram obtidos de 2.602 participantes do estudo longitudinal Young, na Noruega. Os dados foram completados com informações sobre prescrições de psicotrópicos do banco de dados norueguês de prescrições entre o período de 2007 e 2015.
O uso de Cannabis no ano anterior à prescrição dos medicamentos causou um aumento da razão de chances (OR, sigla do inglês, odds ratio) de 5,56 (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,64 a 18,87) de prescrição de antipsicóticos e de 5,36 (IC 95% de 1,99 a 14,44) de prescrição de estabilizadores do humor. Já com relação à prescrição de antidepressivos, o aumento da OR foi de 2,10 (IC 95% de 1,36 a 3,25).
Todos os resultados foram ajustados para possíveis confundidores.
Para lembrar:
É sempre importante lembrar que a Cannabis está fortemente associada a sintomas psicóticos, como alucinação, pensamento delirante ou quadro de mania, portanto, o seu uso deve ser evitado por adolescentes e adultos jovens, principalmente por aqueles que tiverem história familiar de transtorno do humor e/ou esquizofrenia.
Exposição ao lítio durante a gestação e após o parto: Uma revisão sistemática e metanálise de segurança e eficácia
O tratamento de pacientes com transtorno bipolar durante o período pré-natal e após o parto é motivo de preocupação para os obstetras e psiquiatras em função dos riscos inerentes ao transtorno bipolar e à conduta farmacológica.
Ponderar os riscos e benefícios da intervenção farmacológica durante a gestação nessas pacientes é crucial. A suspensão abrupta do tratamento, principalmente do lítio, em qualquer momento – desde antes da concepção, durante a gestação, até durante o aleitamento – pode representar um risco de recaída e recorrência.
De acordo com uma recente metanálise, que avaliou desfechos maternos e infantis relacionados com o uso de lítio durante a gestação para controle do transtorno bipolar em seis coortes internacionais, a exposição ao medicamento durante o primeiro trimestre de gestação foi associada a um aumento de 171% da probabilidade de malformação e de 162% de readmissão neonatal dentro de quatro semanas, a partir do nascimento, quando comparado ao grupo não exposto.
No entanto, a chance de malformação por exposição ao lítio relacionada com defeitos de tubo neural e anomalia de Ebstein não foi diferente entre os bebês nascidos de mães que não tomaram o medicamento.
Além da teratogenicidade, a toxicidade neonatal pode ocorrer em bebês expostos ao lítio, causando quadros como hipotonia, hipotireoidismo neonatal e diabetes insipidus. Entende-se que o lítio é o tratamento mais efetivo para vários quadros psiquiátricos, mesmo durante o período perinatal, e até o momento é o medicamento com o perfil mais favorável em relação a efeitos colaterais neste período. Além disto, é claro o efeito teratogênico do ácido valproico.
O objetivo desta revisão sistemática foi realizar uma avaliação crítica das evidências da eficácia e segurança do uso do lítio durante o período periparto, focando em mulheres com transtorno bipolar e seus filhos. Os autores conduziram uma revisão sistemática e metanálise avaliando estudos caso-controle, coorte e estudos intervencionistas que relataram resultados de eficácia ou segurança do tratamento com lítio durante a gestação e o período pós-parto de episódios de humor.
As escalas Newcastle-Ottawa e Cochrane foram utilizadas para avaliar a qualidade dos estudos incluídos na revisão sistemática e metanálise.
Vinte e nove estudos foram incluídos na análise, dentre eles, 20 foram considerados como sendo de boa qualidade, seis apresentaram risco não claro de viés e dois tiveram alto risco de viés. Ao todo, 13 estudos puderam ser incluídos na análise quantitativa. O lítio prescrito durante a gestação foi associado a altas taxas de anomalia congênita (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,81; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,35 a 2,41) e anomalia cardíaca (OR = 1,86; IC 95% de 1,16 a 2,96).
O lítio administrado durante o primeiro trimestre de gestação foi associado a altas taxas de aborto espontâneo (OR = 3,77; IC 95%, de 1,15 a 12,39). O medicamento foi mais eficiente na prevenção de episódios no pós-parto (OR = 0,16; IC 95%, de 0,03 a 0,89).
Os bebês nascidos de mães em uso de lítio com dosagem sérica < 0,64 mEq/L e < 600 mg/dia tiveram menos hipotonia e não apresentaram aumento do risco de malformação.
Para lembrar:
O risco associado ao uso de lítio durante a gestação é baixo. O maior risco ocorre no primeiro trimestre ou quando a paciente é exposta a uma dose > 600 mg/dia. O ideal é que a gestação seja planejada em um período de remissão do transtorno bipolar e o lítio utilizado na menor dose possível durante todo o período gestacional, particularmente no primeiro trimestre e primeiros dias após o parto.
Efeitos de longo prazo em jovens desempregados relacionados a morbidade do álcool
Nas últimas décadas o desemprego entre jovens tem se mantido alto em vários países, inclusive na Suécia. Um momento difícil para esta população é a saída da escola e a entrada no mercado de trabalho. Evidências sugerem que o desemprego pode independentemente afetar a saúde física e mental, tornando-o um problema de saúde pública.
O desemprego é um evento crítico que pode acarretar a perda de renda, status social e identidade pessoal. Eventualmente as pessoas optam por maneiras não muito saudáveis de lidar com esta difícil situação, como aumento do consumo de bebidas alcoólicas.
Atualmente, o diagnóstico de abuso e dependência de substância é feito com base nos critérios da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition), mas críticas têm sido feitas quanto ao uso destes critérios para jovens.
Os jovens têm uma tendência a apresentar uma prevalência maior de problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas, quando comparados com grupos com idade mais avançada. Uma das maneiras de se tentar resolver este problema é examinando o efeito do desemprego em jovens com problemas com álcool.
A maioria dos estudos relacionando a morbidade associada ao uso de álcool estuda uma população de idade mais avançada. E os resultados destes trabalhos têm sugerido um aumento da mortalidade e da morbidade relacionado com o consumo de bebidas alcoólicas. Um estudo sueco demostrou que o desemprego está associado ao aumento do risco de hospitalização por vários tipos de diagnósticos psiquiátricos.
O objetivo do estudo em pauta foi analisar se o desemprego na população jovem estaria associado ao aumento do risco de morte relacionada com o álcool. Para isto foi utilizado um registro populacional e acompanhada uma coorte. Como controle foram utilizados pacientes de 15 a 24 anos. Foram incluídos 16.490 indivíduos nascidos entre 1967 e 1978 que participaram de uma pesquisa sobre o mercado de trabalho quando tinham entre 16 a 24 anos (de 1990 a 1995).
As informações sobre os desfechos relacionados com o consumo de álcool foram obtidas do registro nacional de alta hospitalar. O tempo médio de acompanhamento foi de 22 anos. Foi utilizada a regressão Cox.
Comparados com os estudantes em tempo integral, os indivíduos que ficaram desempregados durante um período curto ou longo tiveram mais risco de apresentar problemas com álcool. Entre os que ficaram menos de três meses desempregados, houve um aumento do risco de mais de duas vezes (razão de risco ou hazard ratio, HR, de 2,04; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,35 a 3,09). Entre três e seis meses de desemprego HR = 2,20 (IC 95%, de 1,29 a 3,75) e mais de seis meses de desemprego HR = 1,99 (IC 95%, de 1,06 a 3,71).
Para lembrar:
O desemprego e um fator de risco de abuso de bebidas alcoólicas entre jovens. Normalmente esta é a parcela da população que tem mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho, principalmente em períodos de crise como o que estamos enfrentando no Brasil. É importante monitorar estes indivíduos e rastreá-los em relação a morbidades relacionadas com o consumo de álcool.
Artigo publicado no Medscape em 25 de março de 2020