O impacto da pandemia na saúde mental: três estudos
1. Respostas de saúde mental à pandemia de covid-19
Logo após o início da pandemia da covid-19 diversos países começaram a observar um declínio na saúde mental de suas populações, tendo sido relatados sintomas como ansiedade, depressão, estresse e sofrimento psíquico. Desde maio de 2020 alguns estudos demonstraram melhora destes sintomas, no entanto, esses estudos apresentam alguns problemas metodológicos relacionados às amostras, aos ajustes para covariantes e às avaliações da saúde mental.
A maioria desses estudos usou amostras não probabilísticas, o que significa que não se pode ajustar para viés de amostragem. Muitos estudos apresentam um viés de atrito considerável, sendo que pacientes com algum comprometimento mental são mais suscetíveis a abandonar os estudos, resultando em uma tendência de avaliação mais otimista da saúde mental da população estudada.
Muitos estudos também não têm dados comparativos obtidos antes pandemia, o que seria importante para entender se houve um aumento agudo no sofrimento psíquico da população do estudo, bem como um retorno aos níveis anteriores.
Os fatores de risco de deterioração da saúde mental na fase inicial da pandemia mais relatados foram: ser do sexo feminino, ter menos de 40 anos, ter história de doença crônica mental ou física, estar desempregado e muito contato com mídias sociais ou notícias sobre a covid-19. A maioria destes fatores de risco já eram associados a uma saúde mental pior antes da pandemia.
No início da pandemia, jovens, mulheres e pais/mães de crianças pequenas (em fase pré-escolar) apresentaram uma deterioração da saúde mental quando comparados a estudos pré-pandemia.
O UK Household Longetudinal Study usou uma amostra longitudinal e probabilística grande representativa da população adulta do Reino Unido. O principal objetivo dos pesquisadores foi descrever a tendência populacional de saúde mental durante os seis primeiros meses da pandemia, estratificada por idade e gênero. Além disso, eles buscaram identificar trajetórias distintas em relação a saúde mental durante este período, características dos indivíduos em cada uma destas possíveis trajetórias e ainda identificar adversidades que predizem a piora da saúde mental durante a pandemia. Foi utilizada a análise de classes latentes para identificar trajetórias discretas e regressão de efeitos fixos para detectar preditores de mudança na saúde mental.
Para o trabalho, 19.763 indivíduos com mais de 16 anos de idade tiveram a sua saúde mental avaliada, dos quais, 58,1% eram do sexo feminino. A análise de classe latente identificou cinco trajetórias distintas em relação a saúde mental. A maioria dos indivíduos (37,5%) apresentaram uma boa ou muito boa saúde mental durante os seis primeiros meses de pandemia; 12,0% apresentaram uma piora durante este período, mas em outubro de 2020 voltaram aos níveis anteriores à pandemia; 4,1% tiveram uma piora no início da pandemia e assim se mantiveram; 7,0% apresentaram leve deterioração inicial e mantiveram uma constante piora. Os dois últimos grupos contaram com mais afrodescendentes, pessoas com história de doença crônica física ou mental e moradores de regiões mais pobres. Dificuldade financeira foi um preditor de deterioração da saúde mental.
Para lembrar:
O estudo em questão apresenta dados importantes sobre os preditores de saúde mental. Além deste, diversos outros estudos já demonstraram que crises financeiras são importantes preditores de deterioração da saúde mental. Outro dado importante é que apenas por volta de um em cada nove indivíduos apresentou uma deterioração consistente da saúde mental ¬– todos com história de doença mental. É de extrema importância que estudos como este também sejam realizados em países de renda média e baixa.
2. Prevalência e fatores de risco para delirium em pacientes com covid-19 grave
Estima-se que, desde o início da pandemia, cerca de 1,5 milhão de pessoas já foram admitidas em unidades de terapia intensiva (UTI) no mundo todo. Destas, 50% precisaram de ventilação mecânica para tratamento de pneumonia viral e síndrome respiratória aguda grave.
As possíveis alterações cerebrais sofridas por esses pacientes ainda não foram avaliadas em estudos com populações representativas de pacientes internados em UTI. Coma e delirium são manifestações graves de disfunções cerebrais agudas, que normalmente estão acompanhadas de doenças sistêmicas críticas. O delirium tem sido associado a desfechos desfavoráveis em pacientes críticos sem covid-19. Estudos prévios relatam que a prevalência de delirium chega a 70% nos pacientes que necessitam de ventilação mecânica, mas um estudo multicêntrico de 2018 chegou a uma prevalência de 50%. Um estudo mostra uma prevalência de 12% entre a população de pacientes hospitalizados com covid-19. Alguns estudos com pacientes com covid-19 em ventilação mecânica têm sugerido que os protocolos para delirium não têm sido seguidos e altas doses de sedativos e analgésicos têm sido prescritas, em comparação com pacientes sem covid-19.
O objetivo do estudo em tela foi elucidar práticas de sedação, prevalência de coma e de delirium, e seus fatores de risco em pacientes com covid-19 internados em UTI. Para isso, foram incluídas 69 unidades de terapia intensiva de 14 países, bem como todos os pacientes acima de 18 anos com diagnóstico de covid-19 internados nessas unidades.
Pacientes com história de doença mental, doença neurodegenerativa, coma hepático, overdose de drogas ou tentativa de suicídio, assim como pacientes cegos ou surdos foram excluídos do estudo.
Os autores buscaram identificar preditores do número de dias que os pacientes com covid-19 internados na UTI permaneceram sem delirium ou coma. Para isso, eles usaram modelos de regressão multivariáveis.
No total, o estudo contou com 2.088 pacientes com média de idade de 64 anos, sendo que 67,0% estavam em ventilação mecânica no momento da admissão na UTI e 87,5% precisaram de ventilação mecânica em algum momento da hospitalização. Foram administrados sedativos em 64% dos pacientes. Benzodiazepínicos foram utilizados por ao menos sete dias em média. Destes, 55% apresentaram delirium por ao menos três dias.
Visita familiar, mesmo que virtual, foi associada a menos risco de delirium. Durante os 21 dias do estudo, os pacientes permaneceram ao menos cinco dias após a internação na UTI sem apresentar delirium ou entrar em coma.
As variáveis independentes, associadas a menos dias de internação sem coma ou delirium foram: idade avançada, ser do sexo masculino, ser fumante ou alcoólatra, ter feito uso de vasopressina no primeiro dia da internação ou ter precisado de ventilação mecânica no primeiro dia da internação.
Quase 30% dos pacientes morreram dentro de 28 dias após a admissão hospitalar – a maioria na UTI.
Para lembrar:
Como podemos constatar, a prevalência de delirium em pacientes com covid-19 é alta. Este quadro é mais comum em ambientes de terapia intensiva, mas não podemos esquecer que pacientes com quadros de covid-19 internados na enfermaria também tem um risco aumentado.
A avaliação da flutuação de consciência, agitação psicomotora e confusão mental no paciente com covid-19 é de extrema importância, seja pelo clínico, intensivista ou psiquiatra. O ideal é que seja realizada o mais precocemente possível. Também é importante lembrar que este é um quadro agudo e deve-se evitar o uso de benzodiazepínicos no tratamento. As melhores evidências farmacológicas ainda mostram que doses baixas de haloperidol e risperidona são as melhores alternativas.
3. Sintomas de depressão e ansiedade materna antes e durante a pandemia de covid-19 no Canadá
Tem sido proposto que algumas pessoas podem ser mais suscetíveis a transtornos mentais durante a pandemia de covid-19 do que outras. Um grupo que tem sido particularmente afetado pelas consequências sociais e econômicas da pandemia de covid-19 são os pais, especialmente as mães.
Além dos compromissos profissionais e da vida adulta, com a necessidade de isolamento social trazida pela pandemia, muitos pais e mães passaram a tomar conta dos próprios filhos durante 24 horas por dia, além de atuar como seus tutores na educação domiciliar. Alguns estudos transversais sobre a saúde mental das mães durante a pandemia da covid-19 indicaram que aproximadamente 30% relataram sintomas de depressão e ansiedade. Esses estudos mostram que as alterações mentais na pandemia não são uniformes, sendo o maior aumento observado em mulheres com crianças pequenas em casa. O foco em mães de crianças pequenas é importante, considerando as implicações do comprometimento da saúde mental materna no desenvolvimento e bem-estar das crianças.
O estudo em tela usou dados de uma coorte longitudinal de mães, incluída no estudo All our Families, para avaliar mudanças de prevalência de sintomas de depressão e ansiedade materna durante a pandemia da covid-19, associado a fatores sociodemográficos.
Os resultados obtidos na avaliação dos sintomas de depressão e ansiedade por meio de escalas foram comparados aos obtidos em avaliações anteriores realizadas há três, cinco e oito anos (entre abril de 2012 e outubro de 2019). Foram incluídas 3.387 mulheres no estudo All our Families, das quais 2.445 atenderam os critérios de elegibilidade e foram convidadas a participar do estudo em tela, sobre o impacto da covid-19 na saúde mental. Destas, 1.333 concordaram em participar e 1.301 foram incluídas na análise longitudinal.
No início da pandemia, 35,21% das mães apresentaram sintomas de depressão, sendo que na primeira avaliação está prevalência foi de 14,04%. Já 31,39% apresentaram sintomas de ansiedade, sendo que na primeira avaliação essa prevalência foi de 12,01%. Foi observado um aumento ainda maior destes sintomas nas mães que tiveram perdas financeiras e dificuldade de equilibrar a educação domiciliare as responsabilidades do trabalho.
Para lembrar:
Os dados deste estudo mostram que as medidas de saúde pública relacionadas com a pandemia da covid-19 devem ir além do distanciamento físico, uso de máscara, higienização das mãos e vacinação em massa. Também devem ser oferecidos canais de atendimento para a avaliação e o atendimento psiquiátrico, sejam on-line ou presenciais. Seria importante também oferecer suporte pedagógico para os pais, para que eles possam oferecer o apoio escolar necessário aos seus filhos. Sempre lembrando que o apoio financeiro do Estados a famílias em situação de vulnerabilidade é também de extrema importância e deve ser visto como uma medida protetiva de saúde pública.
Liderança em tempos de crise: um olhar psiquiátrico
"A medicina é uma ciência social e a política nada mais é que a medicina em maior escala."
– Rudolf Virchow
Muitos se perguntam o que faz de uma pessoa um líder. A liderança é uma qualidade que se aprende ou é um conjunto de características natas? Centenas de obras já foram escritas tentando decifrar personalidades políticas como Winston Churchill, Adolf Hitler, Joseph Stalin, Franklin D. Roosevelt ou ainda líderes do mundo corporativo como Steve Jobs, Elon Musk, entre tantos outros. A liderança é altamente contextual e o que é apropriado ou possível em uma situação ou época pode ser inapropriado ou inatingível em outra. Os estilos de liderança podem se diferenciar em tempos de guerras e em crises, quando comparados a tempos de paz e calmaria. O que é convencionalmente aclamado como liderança forte, pode não ser sinônimo de uma boa liderança. [1]
O filosofo iluminista e historiador britânico David Hume (1711-1776), afirmou que, "se o líder possuir tanta equidade quanto prudência e valor, ele se torna, mesmo em tempos de paz, o árbitro de todas as diferenças e pode, por meio de uma mistura de força e consentimento, gradualmente consolidar a sua autoridade".
Quando falamos de liderança, a presença de doença mental pode trazer aspectos positivos e negativos ao líder e, consequentemente, à sua liderança. A doença maníaco-depressiva, por exemplo, pode tanto exacerbar características como empatia, realismo e insight (autocrítica) quanto atenuar essas características. Vale lembrar aqui que o conceito de doença maníaco-depressiva foi abandonado a partir da terceira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da American Psychiatric Association (APA), em 1980, sendo substituído pelos conceitos de transtorno bipolar e transtorno depressivo maior. Aqui, o conceito de polaridade se torna central e deixa de lado a questão do curso recorrente, que é fundamental para Emil Kraepelin. Assim, entende-se que o DSM não é Krapeliniano, e sim Leonhardiano.
Outro conceito importante que foi abandonado junto com o de doença maníaco-depressiva é o de temperamento. Em relação aos líderes e às respectivas lideranças, o conceito de temperamento se faz relevante, pois tratam-se de sintomas subclínicos e crônicos, e não episódicos, como na maioria das vezes são definidas as doenças do humor. O conceito de temperamento afetivo é antigo, descrito na Grécia Antiga e posteriormente sistematizado por dois importantes psiquiatras alemães, Kraepelin e Ernst Kretschmer.
Primeiramente, Kraepelin introduziu conceitos como os de temperamentos maníacos e depressivos, o que levou Kretschmer a desenvolver os conceitos de hipertimia e distimia, respectivamente. Posto isso, os temperamentos podem ser definidos como versões leves dos estados de humor, incluindo alterações no nível de energia, nos padrões de sono e de comportamento (p. ex.: sexuais ou em interações sociais/de trabalho).
De acordo com Kraepelin e Kretschmer, existem três temperamentos básicos:
- Hipertimia – envolve sintomas leves de mania, por exemplo: muita energia, pouca necessidade de sono, alta libido, bem como sociabilidade, extroversão e senso de humor. Esses indivíduos muitas vezes são conhecidos como "workaholics" e são mais inclinados a correr riscos.
- Distimia – envolve sintomas depressivos leves, por exemplo: pouca energia, muita necessidade de sono, baixa libido, bem como ansiedade em interações sociais, introversão e pouca produtividade no trabalho. Essas pessoas tendem a evitar comportamentos de risco e são mais ligadas às suas rotinas.
- Ciclotimia – envolve constante alternância entre sintomas leves de mania e de depressão, por exemplo: oscilações de humor e dos níveis de atividade. Normalmente são pessoas extrovertidas e sociáveis. Podem ter comportamentos de risco e são vistas como "imprevisíveis".
Muitos se perguntarão sobre a questão do diagnóstico de personalidade. O conceito de temperamento foi perdido no século XX, com a ascensão da psicanálise. Desde então, os termos personalidade e temperamento têm sido usados quase como sinônimos, porém, personalidade era visto como um conceito psicológico e não biológico e era relacionado ao desenvolvimento emocional. Com a "redescoberta" dos temperamentos afetivos, diagnósticos de transtornos de personalidade como narcisista, antissocial e borderline podem ter uma nova abordagem. Na grande maioria das vezes esses diagnósticos são vistos apenas sob o aspecto sintomatológico, ou seja, deixa-se de lado outros validadores dos diagnósticos, como curso, genética, resposta ao tratamento e marcadores biológicos.
Muitos líderes são taxados de "psicopatas" e descritos como tendo transtorno de personalidade antissocial. Robert Hare define psicopatas no âmbito interpessoal como sendo pessoas grandiosas, arrogantes, manipuladoras, irritadiças e sem empatia, remorso ou culpa. Na maioria das vezes essas características interpessoais e afetivas levam a comportamentos socialmente desviantes. Além disso, esses indivíduos podem ser impulsivos e ter tendência a ignorar ou violar as convenções sociais.
Esse é mais um exemplo do mau uso do conceito de comorbidade em psiquiatria, pois, se houver uma observação cuidadosa da descrição de Hare, podemos notar que ele descreve o temperamento hipertímico. Se não forem aplicados outros validadores, esses dois conceitos irão se sobrepor. Neste momento é importante o conceito de diagnóstico hierárquico, onde alguns diagnósticos devem ser priorizados em relação a outros, normalmente indo dos poli para os oligossintomáticos.
Nestes tempos de crise é interessante comentar sobre o artigo Two manic-depressives, two tyrants, two world wars (em tradução livre: Dois maníaco-depressivos, dois tiranos, duas guerras mundiais), publicado em 2008 por Julian Lieb no periódico ScienceDirect, que infelizmente teve pouca repercussão até hoje. No artigo e em seu livro o autor defende a tese de que uma das principais forças motrizes para que Hitler e Stalin chegassem ao poder tenha sido o fato de ambos terem doença maníaco-depressiva. Hitler era famoso por seus discursos intermináveis e, além disso, muitas vezes apresentava comportamento paranoico como medo de se contaminar, o que o levava a lavar as mãos obsessivamente. Ele tinha a ideia de que os judeus iriam contaminar o mundo e por isso seria necessário exterminá-los. Quando maníaco, apresentava-se arrogante, loquaz, grandioso, indiferente ao sentimento dos outros, intolerante a críticas. O historiador John Toland descreveu os episódios depressivos de Hitler como extremamente incapacitantes, afirmando que era medicado com anfetaminas e cocaína. O Dr. Theodor Morell, médico do ditador, referiu publicamente seu diagnóstico de doença maníaco-depressiva.
Com relação a liderança, é importante entender o papel da empatia, do realismo e do insight (autocrítica). O conceito de insight na psiquiatria é complexo, e não está apenas relacionado a como o paciente entende a própria doença, mas também a como ele interage com o mundo. Geralmente, o insight é preservado na depressão e prejudicado na mania. A metade dos pacientes com mania grave e a maioria dos pacientes com hipomania nega seus sintomas. O insight, melhor ou preservado na depressão, leva também a uma maior noção de realidade ao redor.
O modelo de realismo depressivo tem importantes implicações. A primeira seria que pacientes normais não deprimidos teriam lacunas de insight, apresentando alguns pontos cegos, o que para uma liderança em tempos de crise faria uma grande diferença.
Empatia, um sistema neural socialmente organizado, nos permite compartilhar os sentimentos dos outros, para imitar sem consciência, e formar a base de nossos relacionamentos e de nosso aprendizado social. Existem poucos estudos sobre empatia em pessoas com transtornos do humor. Em alguns deles a empatia parece estar aumentada durante episódios ou manifestação de sintomas depressivos.
Um estudo de 2012 comparou a empatia entre pacientes com transtorno bipolar, esquizofrenia e depressão. Os achados mais importantes foram que os pacientes esquizofrênicos apresentaram a empatia bastante prejudicada, seguido pelos pacientes bipolares, devido aos sintomas maníacos, enquanto os pacientes depressivos tiveram uma performance similar aos controles.
Bons líderes, na maioria das vezes, precisam ser as pessoas adequadas em momentos ideais. Para o momento no qual estamos passando precisamos de líderes empáticos, com bom julgamento, mas nem sempre eles serão os melhores líderes em momentos em que não exista uma crise desta importância. Possivelmente um bom líder, em momentos de crise, é aquele que consegue equilibrar sintomas leves de mania com sintomas leves de depressão.
Depressão ainda é desafio diagnóstico para o não especialista
Uma pesquisa recente da Universidade de São Paulo (USP) publicada no periódico científico PLOS One, mostrou que mulheres, jovens, pessoas com algum histórico de desordem mental e aqueles que ficaram desempregados foram os que mais relataram os sintomas de ansiedade e depressão durante o confinamento. Para o médico não psiquiatra, identificar, encaminhar ou tratar corretamente um paciente com depressão é, quase sempre, um desafio.
Neste episódio do Conversa de Médico, os Drs. Aline Serfaty e Sivan Mauer discutem o tema com um olhar voltado ao não especialista. Partindo da distinção entre um quadro de tristeza e a depressão clássica, a dupla esclarece questões fundamentais do diagnóstico, aborda os diferentes tipos de depressão, fala sobre técnicas de neuroimagem que podem ajudar a guiar o diagnóstico e o tratamento da doença, e aborda o difícil manejo da depressão resistente ao tratamento.
Relação entre Covid-19, depressão e outros estudos em psiquiatria
Associação entre sintomas agudos de covid-19 e sintomas depressivos em adultos
Após a infecção respiratória aguda grave por SARS-CoV-2 um subconjunto de indivíduos apresenta sintomas persistentes envolvendo humor, ansiedade, sono e fadiga. Estes sintomas podem ter contribuído para o aumento das taxas de transtorno depressivo maior em recentes estudos epidemiológicos.
No estudo em tela, os autores avaliaram se os sintomas agudos de covid-19 estão associados a maior probabilidade de sintomas depressivos subsequentes. Foram incluídos dados de participantes norte-americanos que participaram de uma pesquisa on-line não probabilística com múltiplos painéis de entrevistados conduzida pela empresa Qualtrics entre junho de 2020 e janeiro de 2021. Dos 82.319 participantes que completaram a escala PHQ-9, 3.904 relataram história de covid-19 e foram incluídos no estudo.
Com relação à covid-19, especificamente, a pesquisa perguntou se os pacientes receberam o diagnóstico por um médico ou por meio de exame laboratorial. Também indagou em que mês os pacientes foram diagnosticados com a doença, se apresentaram sintomas específicos e qual foi a gravidade da covid-19. Além disso, os pacientes completaram a escala PHQ-9, que rastreia sintomas de depressão. Obter 10 pontos ou mais nesta escala classifica o paciente para depressão moderada.
A média de idade dos 3.904 participantes incluídos no estudo era de 38,1 anos, sendo que 44,3% eram mulheres. O tempo médio desde o início dos sintomas da covid-19 foi de 4,2 meses. No total, 52,4% dos participantes apresentaram critérios de depressão maior.
Em um modelo ajustado, a presença de cefaleia foi associada a maior probabilidade de sintomas moderados ou graves de depressão (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,33; intervalo de confiança, IC, 95% de 1,10 a 1,62). As mulheres tiveram menos probabilidade de apresentar sintomas em comparação com os homens (OR de 0,76; IC 95% de 0,72 a 0,81) e a probabilidade de sintomas diminuiu com idade (OR por década de 0,76; IC 95% de 0,72 a 0,81).
Para lembrar:
É importante lembrar que a escala PHQ-9 não é ideal para o diagnóstico de episódios depressivos, apenas para o rastreio de sintomas. Deve-se sempre lembrar que, para que o diagnóstico de doenças do humor seja realizado, deve-se ir muito além da análise dos sintomas. A análise do curso da doença e da história familiar são de extrema importância para o diagnóstico. A associação de sintomas depressivos com o diagnóstico de covid-19 pode ser a representação da reatividade do paciente à doença.
Artigo publicado no Medscape em 30 de março de 2021
Você está preparado para atender pacientes transgênero?
Uma recente pesquisa do Medscape mostrou que 32% dos médicos entrevistados não se sentem à vontade e/ou suficientemente treinados para atender pacientes transgênero. A realidade é que a maioria das faculdades de medicina não prepara seu aluno para acolher, tratar e acompanhar transgêneros, uma população que ganha cada vez mais visibilidade, mas que ainda sofre muito com discriminação e violência.
Neste episódio do Conversa de Médico, os advisors do Medscape em português Aline Serfaty (radiologista), Bruno Valdigem (cardiologista) e Sivan Mauer (psiquiatra) conversam sobre as barreiras enfrentadas por essa população na obtenção de cuidados de saúde. Esclarecendo sobre importantes conceitos como sexo biológico e identidade de gênero, os especialistas percorrem pontos cruciais a serem cobertos no cuidado de pessoas transgênero: contexto socioeconômico, abordagem e acolhimento, fatores de risco e rastreamento adequado, e cuidados específicos no tratamento e no acompanhamento.
Cannabis e prescrição de medicamentos psiquiátricos
O uso de Cannabis no início da idade adulta e a associação prospectiva com a prescrição de antipsicóticos, estabilizadores do humor e antidepressivos
Apesar das evidências científicas sugerirem que a Cannabis pode aumentar o risco de doença mental, as taxas de uso, o uso pesado e a dependência da substância aumentaram, em comparação com a década passada.
Vários estudos descreveram uma associação entre o uso de Cannabis e a esquizofrenia, alguns inclusive sugeriram que o uso da substância estaria associado ao início precoce da doença.
Alguns países onde se usa Cannabis de alta potência, a incidência da esquizofrenia é mais elevada.
O transtorno bipolar tem início mais precoce em usuários de Cannabis em comparação com não usuários. Em amostras clínicas a Cannabis foi associada a aumento dos sintomas, ciclagem rápida, baixa taxa de remissão e risco três vezes maior de apresentar o primeiro episódio de mania.
As evidências relacionando Cannabis com depressão e ansiedade apresentam tamanho de efeito bem menores quando comparadas com esquizofrenia. Uma metanálise calculou o risco de depressão entre usuários da substância e concluiu que houve um aumento de 62% para usuários pesados e 17% para qualquer uso em comparação com não usuários. Em relação à ansiedade, uma metanálise identificou um aumento de 28% após o consumo de Cannabis. Outros estudos não encontraram resultados significativos.
O estudo em pauta utilizou psicotrópicos como medida indireta de doenças. O objetivo era investigar a associação entre a exposição a Cannabis e a subsequente prescrição de antipsicóticos, estabilizadores do humor, antidepressivos e ansiolíticos. Os dados foram obtidos de 2.602 participantes do estudo longitudinal Young, na Noruega. Os dados foram completados com informações sobre prescrições de psicotrópicos do banco de dados norueguês de prescrições entre o período de 2007 e 2015.
O uso de Cannabis no ano anterior à prescrição dos medicamentos causou um aumento da razão de chances (OR, sigla do inglês, odds ratio) de 5,56 (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,64 a 18,87) de prescrição de antipsicóticos e de 5,36 (IC 95% de 1,99 a 14,44) de prescrição de estabilizadores do humor. Já com relação à prescrição de antidepressivos, o aumento da OR foi de 2,10 (IC 95% de 1,36 a 3,25).
Todos os resultados foram ajustados para possíveis confundidores.
Para lembrar:
É sempre importante lembrar que a Cannabis está fortemente associada a sintomas psicóticos, como alucinação, pensamento delirante ou quadro de mania, portanto, o seu uso deve ser evitado por adolescentes e adultos jovens, principalmente por aqueles que tiverem história familiar de transtorno do humor e/ou esquizofrenia.
Exposição ao lítio durante a gestação e após o parto: Uma revisão sistemática e metanálise de segurança e eficácia
O tratamento de pacientes com transtorno bipolar durante o período pré-natal e após o parto é motivo de preocupação para os obstetras e psiquiatras em função dos riscos inerentes ao transtorno bipolar e à conduta farmacológica.
Ponderar os riscos e benefícios da intervenção farmacológica durante a gestação nessas pacientes é crucial. A suspensão abrupta do tratamento, principalmente do lítio, em qualquer momento – desde antes da concepção, durante a gestação, até durante o aleitamento – pode representar um risco de recaída e recorrência.
De acordo com uma recente metanálise, que avaliou desfechos maternos e infantis relacionados com o uso de lítio durante a gestação para controle do transtorno bipolar em seis coortes internacionais, a exposição ao medicamento durante o primeiro trimestre de gestação foi associada a um aumento de 171% da probabilidade de malformação e de 162% de readmissão neonatal dentro de quatro semanas, a partir do nascimento, quando comparado ao grupo não exposto.
No entanto, a chance de malformação por exposição ao lítio relacionada com defeitos de tubo neural e anomalia de Ebstein não foi diferente entre os bebês nascidos de mães que não tomaram o medicamento.
Além da teratogenicidade, a toxicidade neonatal pode ocorrer em bebês expostos ao lítio, causando quadros como hipotonia, hipotireoidismo neonatal e diabetes insipidus. Entende-se que o lítio é o tratamento mais efetivo para vários quadros psiquiátricos, mesmo durante o período perinatal, e até o momento é o medicamento com o perfil mais favorável em relação a efeitos colaterais neste período. Além disto, é claro o efeito teratogênico do ácido valproico.
O objetivo desta revisão sistemática foi realizar uma avaliação crítica das evidências da eficácia e segurança do uso do lítio durante o período periparto, focando em mulheres com transtorno bipolar e seus filhos. Os autores conduziram uma revisão sistemática e metanálise avaliando estudos caso-controle, coorte e estudos intervencionistas que relataram resultados de eficácia ou segurança do tratamento com lítio durante a gestação e o período pós-parto de episódios de humor.
As escalas Newcastle-Ottawa e Cochrane foram utilizadas para avaliar a qualidade dos estudos incluídos na revisão sistemática e metanálise.
Vinte e nove estudos foram incluídos na análise, dentre eles, 20 foram considerados como sendo de boa qualidade, seis apresentaram risco não claro de viés e dois tiveram alto risco de viés. Ao todo, 13 estudos puderam ser incluídos na análise quantitativa. O lítio prescrito durante a gestação foi associado a altas taxas de anomalia congênita (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,81; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,35 a 2,41) e anomalia cardíaca (OR = 1,86; IC 95% de 1,16 a 2,96).
O lítio administrado durante o primeiro trimestre de gestação foi associado a altas taxas de aborto espontâneo (OR = 3,77; IC 95%, de 1,15 a 12,39). O medicamento foi mais eficiente na prevenção de episódios no pós-parto (OR = 0,16; IC 95%, de 0,03 a 0,89).
Os bebês nascidos de mães em uso de lítio com dosagem sérica < 0,64 mEq/L e < 600 mg/dia tiveram menos hipotonia e não apresentaram aumento do risco de malformação.
Para lembrar:
O risco associado ao uso de lítio durante a gestação é baixo. O maior risco ocorre no primeiro trimestre ou quando a paciente é exposta a uma dose > 600 mg/dia. O ideal é que a gestação seja planejada em um período de remissão do transtorno bipolar e o lítio utilizado na menor dose possível durante todo o período gestacional, particularmente no primeiro trimestre e primeiros dias após o parto.
Efeitos de longo prazo em jovens desempregados relacionados a morbidade do álcool
Nas últimas décadas o desemprego entre jovens tem se mantido alto em vários países, inclusive na Suécia. Um momento difícil para esta população é a saída da escola e a entrada no mercado de trabalho. Evidências sugerem que o desemprego pode independentemente afetar a saúde física e mental, tornando-o um problema de saúde pública.
O desemprego é um evento crítico que pode acarretar a perda de renda, status social e identidade pessoal. Eventualmente as pessoas optam por maneiras não muito saudáveis de lidar com esta difícil situação, como aumento do consumo de bebidas alcoólicas.
Atualmente, o diagnóstico de abuso e dependência de substância é feito com base nos critérios da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition), mas críticas têm sido feitas quanto ao uso destes critérios para jovens.
Os jovens têm uma tendência a apresentar uma prevalência maior de problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas, quando comparados com grupos com idade mais avançada. Uma das maneiras de se tentar resolver este problema é examinando o efeito do desemprego em jovens com problemas com álcool.
A maioria dos estudos relacionando a morbidade associada ao uso de álcool estuda uma população de idade mais avançada. E os resultados destes trabalhos têm sugerido um aumento da mortalidade e da morbidade relacionado com o consumo de bebidas alcoólicas. Um estudo sueco demostrou que o desemprego está associado ao aumento do risco de hospitalização por vários tipos de diagnósticos psiquiátricos.
O objetivo do estudo em pauta foi analisar se o desemprego na população jovem estaria associado ao aumento do risco de morte relacionada com o álcool. Para isto foi utilizado um registro populacional e acompanhada uma coorte. Como controle foram utilizados pacientes de 15 a 24 anos. Foram incluídos 16.490 indivíduos nascidos entre 1967 e 1978 que participaram de uma pesquisa sobre o mercado de trabalho quando tinham entre 16 a 24 anos (de 1990 a 1995).
As informações sobre os desfechos relacionados com o consumo de álcool foram obtidas do registro nacional de alta hospitalar. O tempo médio de acompanhamento foi de 22 anos. Foi utilizada a regressão Cox.
Comparados com os estudantes em tempo integral, os indivíduos que ficaram desempregados durante um período curto ou longo tiveram mais risco de apresentar problemas com álcool. Entre os que ficaram menos de três meses desempregados, houve um aumento do risco de mais de duas vezes (razão de risco ou hazard ratio, HR, de 2,04; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,35 a 3,09). Entre três e seis meses de desemprego HR = 2,20 (IC 95%, de 1,29 a 3,75) e mais de seis meses de desemprego HR = 1,99 (IC 95%, de 1,06 a 3,71).
Para lembrar:
O desemprego e um fator de risco de abuso de bebidas alcoólicas entre jovens. Normalmente esta é a parcela da população que tem mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho, principalmente em períodos de crise como o que estamos enfrentando no Brasil. É importante monitorar estes indivíduos e rastreá-los em relação a morbidades relacionadas com o consumo de álcool.
Artigo publicado no Medscape em 25 de março de 2020
Atendimento psiquiátrico emergencial antes e na vigência da pandemia
Tendências epidemiológicas em ferimentos por arma de fogo nos Estados Unidos entre 2009 e 2017
Ferimentos por arma de fogo são um problema de saúde pública que desafia os Estados Unidos, porém, os dados disponíveis para avaliar este cenário e implementar intervenções têm lacunas. A maioria dos estudos sobre ferimentos por arma de fogo focam em mortes e não na incidência geral de ferimentos, pois a maioria dos indivíduos que sofre ferimentos sobrevive.
Vários fatores, como o tipo e o calibre da arma, o número de ferimentos e a localização das lesões – bem como o acesso a atendimento médico – determinam o desfecho desses casos. Os EUA não têm uma fonte de dados nacional sobre os casos de ferimento por arma de fogo. As lesões letais foram compiladas a partir dos atestados de óbito disponibilizados pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA por meio do National Violent Death Reporting System (NVDRS).
Apesar de a incidência de morte por arma de fogo ter diminuído nos anos 90 e estabilizado nos anos 2000, os casos de suicídio por arma de fogo aumentaram a partir de 2006 e os homicídios por arma de fogo começaram a aumentar em 2014.
Os CDC coletam dados sobre ferimentos não letais por arma de fogo nos EUA, mas as estimativas são baseadas em uma amostra de menos de 100 dos 5.000 serviços de emergência nos EUA – diante disso, as análises concluíram que os dados não são confiáveis.
Estudos sobre ferimentos não letais por arma de fogo têm usado frequentemente registros de trauma, mas esses registros incluem apenas pacientes tratados nestes centros de trauma, deixando de fora um a cada três ferimentos por arma de fogo.
A pesquisa nacional de vítimas de crimes fornece informações sobre agressões, mas não inclui ferimentos acidentais ou autoinfligidos. Desde 2006, o programa da agência para pesquisa em assistência médica e qualidade em assistência médica, custos e utilização lançou amostras de departamentos de emergência em todo o país (NEDS), amostra estratificada de 900 a 1.000 departamentos de emergência para prover estimativas nacionais.
O estudo em tela combinou dados dos CDC e NEDS sobre ferimentos por arma de fogo de 2009 a 2017. Os casos foram identificados pela classificação internacional das doenças e categorizados por intenção, faixa etária e localização urbana/rural.
Neste período, foi registrada uma média de 85.694 visitas ao serviço de emergência em função de ferimentos por arma de fogo não letais e 34.538 mortes por ano; 76,6% das mortes ocorreram fora do hospital.
Agressão foi o motivo mais comum (38,9%), seguido de acidente (36,9%) e ferimentos autoinfligidos (19,6%). Este último foi responsável por 61,2% das mortes, apresentando a maior taxa de letalidade (89,4%; intervalo de confiança, IC, de 95% de 88,5% a 90,4%), que foi seguida por agressão (25,9%; IC 95% de 23,7% a 28,6%) e intervenções legais (23,4%; IC 95% de 21,6% a 25,55).
Dentre as mortes causadas por ferimentos autoinfligidos, 87,8% ocorreram fora do ambiente hospitalar e, durante o período do estudo, houve aumento da incidência de casos em todas as faixas etárias, tanto nas áreas urbanas como rurais.
Para lembrar:
Este estudo sugere que tentativa de suicídio parece ser a causa mais comum de ferimento letal por arma de fogo, sendo que, nestes casos, a maioria das vítimas nem chegam a obter atendimento hospitalar. Apenas um pouco mais de 10% sobrevivem a este tipo de lesão. É de extrema preocupação, do ponto de vista de saúde pública, a posição do governo federal brasileiro em relação à flexibilização da posse de armas. Este é mais um estudo que comprova que mais acesso a armas de fogo pode aumentar o número de suicídios na população em geral.
Artigo publicado no Medscape em 02 de março de 2021
Como combater o negacionismo
O Dr. Sivan Mauer, psiquiatra e advisor do Medscape em português recebe o Dr. Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Yale School of Public Health, para uma conversa esclarecedora sobre o negacionismo que refuta conceitos já estabelecidos por meio de evidências científicas.
Partindo de exemplos bem atuais, como a vacinação e a pandemia de covid-19, a dupla se debruça sobre conceitos da psicanálise, da antropologia, da comunicação e da ciência política para analisar e tentar entender esse movimento de negação da ciência observado no Brasil e em outras tantas partes do mundo.
“Os consensos estão aí para serem derrubados, assim é a evolução natural do pensamento científico, mas isso precisa ocorrer a partir de uma coleção de evidências, e não de uma única evidência pontual que foi pouco estudada ou não foi replicada em nenhum outro lugar”, afirma o Dr. Julio Croda.
Como responder ao negacionismo? Como médico, é possível convencer alguém a deixar de lado crenças tão fortemente influenciadas por agendas políticas, religiosas ou pessoais? Os dois médicos acreditam que sim. Entender as motivações do pensamento negacionista e convidar o debate, com humildade e educação, poder ser o primeiro passo. Ouça o episódio e saiba mais sobre como fazer isso.
Os Drs. Sivan e Julio sugerem algumas referências para os profissionais de saúde que desejam se aprofundar no tema da negação à ciência:
- Wheeler, S. & Lord, L. Denial: A conceptual analysis. Arch Psychiatr Nurs 13, 311–320 (1999).
- Diethelm, P. & McKee, M. Denialism: what is it and how should scientists respond? Eur J Public Heal. 19, 2–4 (2009).
- van der Linden, S. Countering science denial. Nat Hum Behav 3, 889–890 (2019).
- Schmid, P. & Betsch, C. Effective strategies for rebutting science denialism in public discussions. Nat Hum Behav 3, 931–939 (2019).
- Wilson, S. L. & Wiysonge, C. Social media and vaccine hesitancy. BMJ Glob Heal. 5, (2020).
Impacto dos fatores de risco vascular nos desfechos clínicos de idosos com depressão recebendo eletroconvulsoterapia
Episódios depressivos são comuns; com prevalência mundial em torno de 4,4%, são considerados um dos principais fatores que contribuem para a diminuição da qualidade da saúde do paciente.
O tratamento de primeira linha, que costuma ser realizado com inibidores seletivos da recaptação da serotonina, é moderadamente efetivo – apenas 30% dos pacientes atingem a remissão com uma terapia prescrita em dose e duração apropriadas. Além disso, em 50% dos casos, os sintomas persistem após o tratamento de segunda linha.
A depressão é um dos quadros psiquiátricos mais comuns na população idosa, e está associada a morbidade e mortalidade significativas, com perda de função, dependência e alta taxa de suicídio. Vários fatores contribuem para uma resposta ruim nesta população, como interação medicamentosa e baixa tolerância ao medicamento.
O uso da eletroconvulsoterapia (ECT) é comum no idoso, mas há uma grande variabilidade na resposta nesta população (55% a 92%). Estudos de imagem sugerem que alterações vasculares, como profunda hiperintensidade na substância branca ou atrofia cerebral, podem explicar esta heterogeneidade, mas os resultados ainda são inconsistentes. Nos idosos, a síndrome apática – definida como diminuição da motivação para atividades físicas, cognitivas ou emocionais –, pode estar associada a mau prognóstico e resposta ruim ao tratamento.
Poucos estudos foram desenhados para investigar a relação entre a resposta da ECT e os fatores de risco vascular em idosos. Um deles explorou o impacto dos fatores de risco vascular na resposta ao tratamento em pacientes idosos deprimidos. Comparando tratamentos farmacológicos com a ECT, foi constatado a superior eficácia da mesma. Não houve diferença clara entre pacientes com ou sem os fatores de risco vascular. No entanto, outro estudo demonstrou uma significante diferença no tratamento farmacológico de pacientes idosos com ou sem os fatores de risco vasculares, constatando uma pior resposta nos pacientes que apresentavam estes fatores de risco.
O objetivo deste estudo é comparar a taxa de resposta ao ECT em pacientes idosos com ou sem fatores de risco vasculares. A hipótese dos autores é que a presenças dos fatores de risco se traduzirá em uma resposta pior ao ECT. Como desfecho secundário será avaliado a relação da severidade dos danos vasculares cerebrais pelo escore de Framingham e melhora clínica.
Foram incluídos 52 pacientes (idade acima de 55 anos) com depressão, os quais foram tratados com ECT e separados em dois grupos de acordo com a presença de fatores de risco vasculares (N = 20) ou não (N = 32). O desfecho primário foi o numero de bons respondedores ao ECT em cada grupo (definido como uma diminuição de ao menos 50% na escala MADRS após ECT). Pacientes com os fatores de risco vasculares apresentaram uma resposta pior quando comparados aos pacientes sem estes fatores de risco (60% a 94%). A correlação entre os escores de Framigham e MARDS após ECT foi negativa.
Para lembrar:
É importante que pacientes acima de 50 anos que apresentem os quadros de humor (sejam quadros depressivos ou maníacos), façam uma avaliação para alterações vasculares através de exame de ressonância magnética. Este exame, além da história de comorbidades clínicas são decisivos para se entender o diagnóstico e o prognóstico do paciente.
Artigo publicado no Medscape em 10 de fevereiro de 2021
Erros médicos imponderáveis ou imprevisíveis: vítimas secundárias
Para além da imperícia, imprudência ou negligência, muitas vezes eventos imponderáveis, imprevisíveis ou primeiras ocorrências entram na definição de “erro médico”. Neste contexto, os profissionais de saúde envolvidos no atendimento que causou dano ao paciente são definidos como vítimas secundárias do evento. Em um produtivo debate, os advisors de cardiologia e psiquiatria do Medscape em português, Dr. Bruno Valdigem e Dr. Sivan Mauer, abordam o tema, trazendo definições e colocando o assunto em perspectiva para os nossos leitores.