mania provocada por falta de sono e o risco de psicose puerperal em mulheres com transtorno afetivo bipolar
Mania provocada por falta de sono e o risco de psicose puerperal em mulheres com transtorno afetivo bipolar
Mulheres com transtorno afetivo bipolar (TAB) têm um risco aumentado de apresentar quadros de psicose (incluindo episódios de mania ou episódios de depressão psicótica) no período puerperal. Estes quadros normalmente são chamados de psicose puerperal (PP), sendo que a maioria dos episódios tem início agudo e é mais comum nas duas primeiras semanas de puerpério. Na população geral a psicose puerperal afeta uma a cada mil mulheres. Entretanto, no caso de mulheres diagnosticadas com TAB, de 20% a 30% delas podem apresentar episódios de PP. É importante ressaltar que algumas questões neste período especifico das mulheres podem funcionar como importantes gatilhos, como mudanças na medicação, adaptação psicossocial à maternidade, complicações obstétricas, além de grandes alterações hormonais que ocorrem após o parto. Algumas questões podem estar envolvidas na etiologia do episódio, como primiparidade, desregulação do sistema imune e fatores genéticos.
No entanto, um outro gatilho ainda pouco estudado que pode estar envolvido no desencadear da PP é a alteração ou a privação de sono. A falta de sono normalmente antecede os episódios maníacos. Existem poucos estudos relacionando a falta de sono no período perinatal e psicose puerperal. Este estudo tem como hipótese que mulheres com TAB que relataram episódios de mania desencadeados por falta de sono seriam mais predispostas a apresentar PP do que as mulheres que não apresentaram alteração de sono como gatilho para episódios maníacos.
O estudo analisou dados de 870 pacientes diagnosticadas com TAB da coorte da Bipolar Disorder Network que tenham dado à luz. Todos os diagnósticos foram realizados por meio de entrevistas estruturadas. Informações sobre a causa do episódio de humor que teve relação com alteração de sono foi retirada da entrevista estruturada. Taxas de psicose puerperal foram comparadas entre mulheres que reportaram e que não reportaram episódios de humor causados por perda de sono.
Mulheres que relacionaram a falta de sono ao episódio de mania têm um risco de mais de duas vezes em comparação as que não tiveram alteração de sono (OR = 2,09, IC de 95%, 1,47 – 2,97). Também houve relação significativa da perda de sono com episódios depressivos e psicose puerperal.
Para lembrar:
A questão da higiene do sono deve ser discutida com pacientes com diagnóstico prévio de TAB durante a gravidez. O suporte da família durante este período é de suma importância para o bem-estar da paciente e consequentemente do bebê. Algumas estratégias como a drenagem do leite materno para que outra pessoa possa amamentar o lactente durante a madrugada é uma delas.
Maus-tratos na infância e automutilação: uma revisão sistemática e meta-análise
A importância clínica da automutilação, definida como um ato direto e deliberado de destruição de tecido do corpo na ausência de intenção suicida, tem crescido desde a década passada. Baseado em dados de 2014, a prevalência deste comportamento varia de 5,5% em adultos a até 17,2% em adolescentes. Apesar da maioria dos pacientes que apresentam estes sintomas repetitivamente param em alguns anos, mas aproximadamente 20% têm um curso mais crônico, persistindo por mais de cinco anos. Alguns estudos concluíram que automutilação é um preditor mais forte para tentativas de suicídio do que tentativas passadas de suicídio. Algumas questões em relação aos maus-tratos estão ligadas a automutilação, principalmente o abuso sexual na infância.
Os objetivos desta revisão sistemática foram os seguintes: (1) prover uma meta-análise sistemática sobre maus-tratos na infância, os subtipos e a relação deles com a automutilação; (2) avaliar a força da associação entre os subtipos de maus-tratos e a automutilação; (3) quantificar a associação entre as formas de maus-tratos e a gravidade da automutilação; e (4) fazer uma revisão qualitativa dos estudos sobre os mediadores e moderadores destas associações.
Para tanto, realizou-se uma meta-análise sobre maus-tratos na infância compreendendo abuso em geral, abuso sexual, abuso físico e negligência, abuso emocional e negligência, e suas relações com automutilação. Foram identificados 71 artigos. Abuso em geral teve uma associação com automutilação três vezes maior do que quando comparado a crianças que não sofreram abuso (OR = 3,42, IC de 95%, 2,74 – 4,26). Abuso emocional teve uma OR igual a 3,03 com IC de 95%, entre 2,56 e 3,54.
Para lembrar:
A pesquisa da história de abuso, principalmente o abuso sexual, e a presença de sintomas de automutilação na anamnese é essencial para que se faça o diagnóstico diferencial correto entre transtorno afetivo bipolar e transtorno de personalidade borderline. Pesquisas mostram que abuso sexual combinado com automutilação são muito mais frequentes em pacientes com transtorno de personalidade bordeline. Sempre lembrando que não existem sintomas patognomônicos na psiquiatria.
Estados mistos e suicídio: será o efeito do estado misto no comportamento suicida mais do que a soma de suas partes?
Estados mistos são descritos como a combinação de sintomas depressivos e sintomas maníacos. Muito caracterizados por ansiedade, irritabilidade e agitação psicomotora, ocorrendo em mais de 20% dos pacientes com transtorno afetivo bipolar (TAB). A associação de suicídio e TAB é cerca de 20 vezes maior do que na população em geral, e os estados mistos são particularmente considerados um grande fator de risco para suicídio. Um estudo prospectivo com 120 sujeitos com TAB tipo I, com mais de 10 anos de curso da doença, demonstrou que 37% deles apresentaram episódios mistos e tiveram um curso mais crônico da doença. Sujeitos com episódios mistos também tiveram mais tentativas de suicídio.
A hipótese deste estudo é de que o comportamento suicida é maior nos episódios mistos do que seria esperado nos episódios maníacos ou depressivos. Para isto, foram incluídos 429 participantes com TAB do Instituto Nacional de Doença Mental para Estudo Colaborativo para Depressão (CDS). O CDS foi um estudo observacional prospectivo com 909 participantes caucasianos. Os autores definiram o critério de inclusão para episódio misto como ao menos um episódio de humor com sintomas de mania e depressão durante o acompanhamento semanal. O comportamento suicida foi definido amplamente como suicídio completo ou uma tentativa de suicídio. A história de tentativas de suicídio foi avaliada usando a escala SADS.
Pacientes com estados mistos têm um risco maior de apresentar comportamento suicida quando comparados a indivíduos sem história de sintomatologia mista. Em pacientes com TAB tipo I o risco aumenta durante episódios de mania em HR = 1,96 (IC de 95%, 1,28 – 2,99). Em pacientes em episódios depressivos o risco aumentou para HR = 5,49 )IC de 95%, 4,01 – 7,51).
Para lembrar:
Pacientes com episódios mistos, com predominância de sintomas depressivos, têm um risco aumentado em relação aos que apresentam predominância de sintomas maníacos. É importante entender que a ideação suicida normalmente vem do componente depressivo, e a impulsividade para colocá-la em prática vem do componente maníaco. Assim, faz todo o sentido que os sintomas depressivos sejam um fator de risco maior que os de mania. É importante fazer duas ressalvas em relação ao tratamento dos episódios mistos: primeiramente deve-se evitar por completo o uso de qualquer tipo de antidepressivo, além de que o uso de lítio deve ser usado para todos os pacientes com ideação suicida, mesmo em doses baixas (excluindo apenas aqueles com contraindicações absolutas).
Artigo publicado no Medscape em 06 de março de 2018