Depressão pós-parto: da prevenção ao tratamento
Depressão pós-parto é a complicação psiquiátrica não psicótica mais comum no puerpério, afetando até 75% das mulheres, se incluirmos o baby blues. Essa alta prevalência é um problema de saúde pública de difícil acesso por diversos motivos, mas principalmente porque envolve a gravidez e o parto. A gestação é vista, na grande maioria das vezes, como um momento de extrema felicidade e regozijo para a mulher e para a família.
É difícil para a maioria das pessoas entender que este é um período de alta vulnerabilidade para o desenvolvimento de episódios de transtornos afetivos como depressão e, numa prevalência menos comum, psicose ou mania (em torno de 13%). Os índices de tratamento e diagnósticos ainda são baixos, e as consequências mais graves são o infanticídio e/ou o suicídio da mãe. Nos transtornos afetivos puerperais os sintomas e o tempo de início são muito importantes para a definição e o tratamento deles.
No baby blues os sintomas são leves e caracterizados como irritabilidade, ansiedade e alterações no humor, no apetite e no sono, que iniciam de dois a três dias após o parto. Já a depressão pós-parto normalmente começa dentro dos seis primeiros meses posteriores ao parto, e a maioria dos casos necessita de tratamento médico. Em muitos casos a depressão pós-parto se apresenta como a extensão do baby blues. A depressão pós-parto tem como sintomas sentimento de culpa, alteração de apetite e sono, incapacidade de lidar com e cuidar do bebê, dificuldade de concentração, fadiga, irritabilidade e labilidade de humor. Um estudo mostrou que os episódios realmente começam com mais frequência no pós-parto (40,1%) e não antes da gravidez (26,5%).
Estas doenças não são homogêneas, podendo fazer parte de outros quadros de humor como o transtorno afetivo bipolar (TAB). Existem vários fatores de risco para a depressão pós-parto. O maior deles é história prévia de transtornos do humor e ansiedade.
A patogênese da depressão pós-parto é desconhecida. Alguns estudos sugerem que a rápida diminuição do nível de hormônios de reprodução, como estrogênio, progesterona, gonadotrofina coriônica humana e cortisol, após o parto, contribui para o desenvolvimento de episódios depressivos em mulheres suscetíveis.
Outra hipótese é de que a interação entre o sistema hipotálamo-pituitária-gonadal e o sistema hipotálamo-pituitário-adrenal, e a alteração nos níveis dos hormônios gonadais, possam funcionar como gatilhos para a doença. Também a existência de fatores sociais como dificuldades conjugais e violência doméstica, aumentam o risco para desenvolvimento da depressão pós-parto. Um estudo mostra que violência sexual triplica o risco de depressão pós-parto.
Mulheres com fatores de risco deveriam ser avaliadas por meio da escala de depressão pós-natal de Edinburgh.
Uma questão bastante controversa em relação à depressão pós-parto é a relação dela com o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Alguns estudos mostram que a depressão pós-parto é três vezes mais frequente no TAB do que na depressão maior (odds ratio, OR = 3,33; IC de 95%, 1,84 – 6,04).
Um estudo multicêntrico retrospectivo comparou mulheres diagnosticadas com diferentes tipos de transtornos de humor. Num total de 576 mulheres, 444 foram diagnosticadas com depressão maior, 96 com TAB tipo II, e 36 com TAB tipo I. Destas, 24% apresentaram o diagnóstico de depressão pós-parto. Estas pacientes eram mais jovens e tinham mais história familiar de TAB, quando comparadas as mulheres que não apresentaram o diagnóstico de depressão pós-parto.
Metade das mulheres com diagnóstico de TAB tipo II relataram depressão pós-parto versus 21,6% das mulheres com diagnóstico de depressão maior. Algumas características são sugestivas de bipolaridade em mulheres com depressão pós-parto e devem ser pesquisadas com muito cuidado como: primeiro episódio depressivo no pós-parto, primeiro episódio manifestando-se em idade mais jovem, episódios mais curtos, episódios com sintomas atípicos (aumento do sono, aumento do apetite), agitação, e sintomas psicóticos.
Também deve-se observar a existência de depressão mista, ou seja, episódio de depressão maior e ao menos mais três dos seguintes sintomas: agitação, aumento da velocidade do pensamento, irritabilidade, humor lábil e insônia inicial. Além disto, avaliar a história familiar de transtorno bipolar é de extrema importância. A resposta ao tratamento também é uma questão relevante, devendo-se levar em consideração a história do uso de antidepressivos causando mania, hipomania ou sintomas mistos.
Ademais, rápida resposta aos antidepressivos e/ou perda de resposta a eles, também podem ser um indicativo importante de TAB. O tratamento da depressão pós-parto deve ser administrado com muito cuidado e a escolha da medicação deve levar em conta as questões expostas acima, e principalmente a questão do custo/benefício, especialmente em relação ao uso de antidepressivos em mulheres que apresentem características de bipolaridade e ideação suicida ou homicida em relação ao bebê.
A principal preocupação neste momento é a questão da amamentação, e ela deve ser um dos fatores em relação à escolha da medicação, uma vez que quase todas as medicações são transmitidas para o leite. Uma boa estratégia para pacientes que fazem uso de medicação durante o período de amamentação é coletar leite após a dose da noite e guardá-lo para uso no dia seguinte.
Em relação ao lítio a maioria dos trabalhos mostra que os bebês não tiveram efeitos adversos quando as mães usaram doses entre 500-1200mg ao dia e a litemia máxima do bebê foi de 0,25 mEq/l. Com relação ao valproato, ao contrário de sua proibição durante a gravidez, se mostrou seguro nos estudos abertos e em relatos de casos. Em relação a carbamazepina, estudos também mostram que não há efeitos nocivos para o bebê quando a mãe os amamenta usando a droga.
Com relação a lamotrigina, alguns estudos mostram a presença de apneia e cianose em alguns recém-nascidos. Com relação aos antipsicóticos atípicos, a grande maioria deles tem apenas mínima concentração do princípio ativo excretado com o leite materno. Dentre eles os mais seguros, por terem sido mais estudados, são: olanzapina e quetiapina.
Artigo publicado no Medscape em 19 de outubro de 2017