Neurobiologia dos transtornos psiquiátricos

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Entender como os medicamentos psiquiátricos agem e em quais proteínas e receptores eles atuam pode ser o diferencial no tratamento do paciente. Por exemplo, quando dizemos a um paciente que determinado fármaco vai começar a agir dentro de um certo prazo, enquanto outros apresentarão resposta quase imediata, existe uma explicação neurofisiológica e neuroanatômica por trás disso. Assim, a psicofarmacologia é central no raciocínio para a prescrição de psicofármacos.

Como todos sabem, existem dois grandes grupos de neurotransmissores: as monoaminas (como são conhecidas a serotonina, a norepinefrina e a dopamina), que estão distribuídas majoritariamente no mesencéfalo; e os agentes inibitórios, como o ácido gama-aminobutírico (GABA, sigla do inglês, Gamma-AminoButyric Acid) e os excitatórios, como o glutamato, que estão distribuídos pelo neocórtex.

Neuroanatomia do sistema monoaminase

A dopamina, a serotonina e a norepinefrina são originadas nos núcleos do mesencéfalo e transmitidas tanto para o sistema límbico como para o lobo frontal. A dopamina é produzida em células nos núcleos da substância negra e da área tegmental ventral (ATV). As projeções nigroestriatais são limitadas até os gânglios da base e, portanto, afetam os movimentos involuntários, que estão envolvidos com os sintomas extrapiramidais. A ATV se junta ao feixe mediano do prosencéfalo e é distribuída para estruturas do sistema límbico – amigdala, lobo temporal e lobo frontal. A norepinefrina é produzida em células que os núcleos estão localizados no locus cœruleus (LC), na parte superior do mesencéfalo. As projeções do LC se juntam ao feixe mediano do prosencéfalo e são distribuídas para o sistema límbico.

A serotonina é produzida em células cujos núcleos estão na parte mediana do núcleo da rafe da parte inferior do mesencéfalo. As projeções da rafe vão em duas direções: as superiores juntam-se ao feixe mediano do prosencéfalo e são distribuídas para estruturas do sistema límbico e as projeções inferiores se estendem para a substância gelatinosa da espinha dorsal, onde há uma mediação de resposta a dor.

Uma importante observação é que o feixe mediano do prosencéfalo leva os três principais neurotransmissores do sistema monoaminase até as regiões límbicas e frontais. As monoaminas se conectam no feixe mediano do prosencéfalo antes de chegar ao seu destino, que é o sistema límbico. Consequentemente, é impossível afetar uma das monoaminas sem atingir as outras. Se o LC for estimulado, os neurônios noradrenérgicos vão se comunicar com os neurônios serotoninérgicos no feixe mediano do prosencéfalo, causando alterações na atividade serotoninérgica, e vice-versa.

Assim, podemos entender que não existe um verdadeiro inibidor “seletivo” da recaptação da serotonina, mas sim inibidores que atuam também na recaptação da serotonina.

Neuroanatomia do neocórtex: GABA e glutamato

O GABA e o glutamato são produzidos em pequenos núcleos por todo o neocórtex em todas as regiões (frontal, temporal, parietal e occipital), e afetam funções cognitivas, assim como atividades motoras e sensoriais. Onde existe GABA, existe glutamato e vice-versa. O GABA inibe a neurotransmissão, o glutamato a eleva. Ambos se contrabalançam e se mantêm em homeostase. Uma grande atividade de glutamato leva a morte neuronal. Um aumento da atividade GABA leva a dormência e falta de funcionalidade. O GABA e o glutamato são, de longe, os neurotransmissores mais comuns no cérebro, sendo muito mais prevalentes que as monoaminases. O GABA atua por meio de seus próprios receptores, os quais estão conectados aos canais de cloro, e quando estimulado ocorre a abertura desses canais. O glutamato é mediado pelo receptores N-metil D-aspartato (NMDA), sem o mecanismo de canal de íon. Os canais de íons produzem efeitos imediatos, enquanto receptores proteicos têm efeitos retardados.

Por isso, os receptores GABA, como os benzodiazepínicos, produzem efeito ansiolítico imediato, enquanto medicamentos que afetam o glutamato tendem a precisar de dias para que os efeitos iniciais sejam percebidos.

Outros neurotransmissores

Existem outros neurotransmissores no cérebro além da dopamina, da serotonina, da norepinefrina, do glutamato e do GABA, no entanto, atualmente não existem drogas que os afetem, mas, ainda assim, eles são relevantes para o entendimento da neurobiologia relacionada com a prática clínica. Os neurotransmissores que serão discutidos são a acetilcolina, a histamina, os esteroides, os opiáceos e o oxido nítrico.

A acetilcolina é produzida em células no núcleo accumbens, na base do prosencéfalo, e se projetam em duas direções: superior para os lobos temporais e inferior para os gânglios da base. A projeção inferior está envolvida com movimentos involuntários, interagindo com as projeções dopaminérgicas nigroestriatais para influenciar as funções extrapiramidais. Em geral, a estimulação da acetilcolina diminui efeitos clínicos extrapiramidais. A projeção superior parece afetar a função cognitiva, sendo que o bloqueio da acetilcolina está associado a prejuízo da memória e confusão.

A histamina é difusamente produzida no neocórtex, e suas ações são mediadas pelos receptores H1. A estimulação histaminérgica parece produzir efeitos cognitivos na redução da ansiedade clínica. Os receptores histaminérgicos não estão ligados aos canais de íon, portanto, seus efeitos são demorados, em vez de apresentar efeitos imediatos, como os benzodiazepínicos. Existem algumas evidências de que os receptores H1 aumentam o apetite.

Esteroides são produzidos por glândulas, principalmente a tireoide e a adrenal, e chegam ao cérebro pela corrente sanguínea periférica. Os esteroides são pequenas moléculas que se difundem diretamente para os neurônios e entram em seus núcleos para produzir mudanças genéticas na transcrição, sem nenhuma mediação por receptores ou segundo mensageiro. No entanto, seus efeitos não são imediatos, via canais de íon, mas são bastante extensos e rápidos.

Os opiáceos são produzidos por neurônios e estimulam receptores opiáceos específicos, especialmente na medula espinhal e no sistema límbico, que reduz a sensibilidade à dor.

O óxido nítrico é um novo e único neurotransmissor, porque, diferentemente dos neurotransmissores mencionados, o óxido nítrico não é uma proteína e sim um gás. Ele se difunde entre as células sem nenhuma mediação de receptores afetando diretamente os segundos mensageiros. Seus efeitos ainda não são bem compreendidos, mas pesquisas mostram que o óxido nitroso pode trazer benefícios para pacientes com sintomas depressivos. Alguns inibidores da receptação da serotonina são potentes inibidores a síntese do óxido nítrico.

Estrutura farmacológica e biossíntese dos neurotransmissores

A biossíntese dos neurotransmissores ocorre dos aminoácidos provenientes da alimentação. É por isto que alguns profissionais naturalísticos recomendam o uso de aminoácidos como o triptofano, que é o precursor da serotonina, para o tratamento da depressão. Pesquisas mostram que a depleção de triptofano em curto prazo pode aumentar depressão. Estes efeitos parecem ser transitórios e possivelmente têm pouca repercussão em pacientes que têm a genética para a doença maníaco-depressiva. A doença, que é marcada pela recorrência de episódios, não seria detida por dietas com alto índice de triptofano.

Transmissão sináptica versus pós-sináptica

A questão mais importante – e que poucas vezes é abordada – é: O que ocorre dentro do neurônio? Os efeitos dos segundos mensageiros provavelmente são mais importantes para a resposta dos psicotrópicos em longo prazo. A neurotransmissão sináptica ocorre entre minutos e dias, para segundos mensageiros podem demorar de meses a anos. A neurotransmissão ocorre no seguinte transcurso: o axônio tem vesícula sináptica carregando neurotransmissores e estes são liberados dentro da sinapse. O axônio também contém mitocôndrias com monoamino oxidase presente para degradar os neurotransmissores em excesso. A bomba de recaptação do axônio também leva os neurotransmissores liberados para dentro da sinapse e, quando liberados, esses neurotransmissores podem estimular os autorreceptores no axônio, que têm um feedback negativo, reduzindo a produção e a liberação das vesículas na sinapse. Os dendritos têm receptores pós-sinápticos, os quais são os estágios finais do neurotransmissor.

Os receptores pós-sinápticos são tipicamente ligados às proteínas G. Quando os neurotransmissores estimulam os receptores pós-sinápticos, estes são afetados, podendo ser estimulados ou inibidos. Estes efeitos afetam outras proteínas nos dendritos, mandando mensagens secundárias e gerando assim um efeito cascata, trazendo mudanças no interior dos dendritos levando ao núcleo do neurônio pós-sináptico, onde ocorre alteração da transcrição genética.

Estas alterações genéticas produzem efeitos de longo prazo, desejados na neurotransmissão. A transcrição genética pode produzir novos brotos de axônios dentro de outros neurônios, produzindo sinapses que não existiam antes. Estes efeitos vão mudar a anatomia do cérebro em um nível microscópico. Isto é o que se entende por neuroplasticidade de longo prazo com agentes psicotrópicos, como por exemplo o lítio.

Farmacocinética

A farmacocinética trata de como os fármacos entram no corpo, são metabolizados, se movimentam e chegam ao sistema nervoso central, além de como são excretados e eliminados do corpo. A farmacocinética também trata das interações farmacológicas.

Os dois principais órgãos envolvidos são o fígado e o rim. O primeiro metaboliza e o segundo excreta as substâncias. No fígado a maioria do metabolismo é feito pelo sistema chamado P450.

Alguns psicotrópicos, como a fluoxetina e a paroxetina, bloqueiam parte do sistema P450 e outros induzem este sistema, como a carbamazepina e a fenitoína. Ao bloquear as enzimas P450 evita-se o metabolismo de algumas substâncias, aumentando o nível sérico no corpo. Induzir as enzimas P450 potencializa o metabolismo de alguns medicamentos, diminuindo o nível sérico sanguíneo. Quando o fármaco é metabolizado no fígado, ele passa para a corrente sanguínea, chegando aos órgãos-alvo, e finaliza seu trajeto no rim, onde é excretado na urina. A função do rim é afetada pela idade, diminuindo a sua capacidade de excreção em aproximadamente 1% por ano.

Outros dois aspectos importantes da farmacocinética são a barreira hematoencefálica e a ligação dos fármacos com as proteínas plasmáticas. A barreira hematoencefálica consiste em uma série de bombas de proteína na interface da dura-máter do cérebro e da medula espinhal. As bombas de proteína trabalham para manter a química interna do líquido cefalorraquidiano (LCR) estável e consistente. A questão mais relevante a este respeito é que, com o envelhecimento, a barreira hematoencefálica se torna mais porosa. Idosos têm menos bombas de proteína ativas e, com isso, mais droga entra no LCR.

A albumina, que é uma proteína plasmática, está presente na corrente sanguínea e se liga a algumas substâncias. Os níveis de albumina são afetados pela nutrição, e podem interferir na ação dos medicamentos.

Imediatamente após a administração de algum medicamento ocorre um pico de efeito e então começa o processo de degradação, assim que a substância entra na corrente sanguínea, sendo metabolizada, excretada ou chegando aos órgãos-alvo. A meia-vida da droga é definida quando 50% da dose inicial permanece na corrente sanguínea. A estabilidade dos níveis séricos normalmente necessita de 3-5 meias-vidas (ou seja, de dois a quatro dias para a maioria dos psicotrópicos). A estabilidade de uma droga é algo desejado na prática clínica, mas a necessidade ainda é pouco provada para quase todas as condições, com exceção da epilepsia, por exemplo.

Os psicotrópicos exercem a maioria dos seus efeitos em nível pós-sináptico, o que significa efeitos em semanas ou meses (e não sináptico, que seria em horas ou dias). Os efeitos pós-sinápticos são lentos, por causa da cascata de segundos mensageiros, seguida por transcrição genética e mudanças axonais. Assim, flutuações dos níveis sanguíneos não são tão importantes. Uma exceção são os benzodiazepínicos, pois têm ação sináptica e imediata mediadas por canais de íons. Neste caso, alterações do nível sanguíneo podem ser percebidas clinicamente.

Tolerância e sensibilização

O uso recorrente dos fármacos pode alterar seus efeitos. Existem duas alterações possíveis: tolerância ou sensibilização, e ambas podem ser um problema. Com a tolerância, o uso recorrente ocasiona um efeito menor do que o esperado, fazendo com que muitas vezes o paciente precise de doses maiores para atingir o efeito inicial. Com a sensibilização, o efeito do medicamento é potencializado, aumentando a possibilidade de efeitos colaterais.

Um exemplo de tolerância é a redução do efeito dos benzodiazepínicos na ansiedade, e um exemplo de sensibilização é a discinesia tardia com o uso prolongado de antipsicóticos.

É importante fazer a distinção entre a tolerância farmacológica e a tolerância clínica. Um bom exemplo de tolerância clínica é o que ocorre com uso de antidepressivos e depressão recorrente. Os antidepressivos têm efeitos de curto prazo, tratando episódios agudos, mas provavelmente não têm efeitos de longo prazo, não sendo efetivos para a prevenção de futuros episódios. Se o médico trata o episódio agudo e persiste com o uso em logo prazo, observa, muitas vezes, a recorrência. Este episódio é chamado erroneamente de tolerância. O que isto significa é que a droga apenas age agudamente e não é eficaz na manutenção.

Geralmente, a frequência da dose está relacionada com a meia-vida, se a meia-vida for de 12 a 24 horas. Então a medicação pode ser dosada uma vez ao dia (6 a 12 horas), duas vezes, e assim por diante. Na maioria das vezes a ideia é tentar fazer com que os pacientes tomem os medicamentos uma vez ao dia, em benefício da adesão ao tratamento.

Artigo publicado no Medscape em 21 de maio de 2020