Atingir a remissão no tratamento de transtornos do humor é algo factível?

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A remissão é um conceito muito importante no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da American Psychiatric Association (APA), sendo reconhecido como o melhor desfecho para o tratamento dos transtornos do humor ou como a ausência ou presença mínima de sintomas de mania e depressão, por ao menos uma semana No entanto, ainda não foi definido um significado preciso e que constituiria um estado saudável para pacientes com transtornos do humor.

Tenta-se estabelecer parâmetros claros como a obtenção de < 5 pontos na Hamilton Depression Rating Scale (HDRS): escala de 17 itens; < 5 pontos na Montgomery-Asberg Depression Rating Scale (MADRS); < 8 pontos para depressão na Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS); ou ≤ 8 pontos para mania na Young Mania Rating Scale (YMRS).

Um estudo demonstrou que apenas 25% dos pacientes que atingiram os parâmetros para remissão se sentiam realmente em remissão. Outro estudo recente mostrou que pacientes diagnosticados com depressão maior e temperamento afetivo do tipo de esquiva de dano (correspondente ao temperamento distímico) tratados com antidepressivos apresentaram mais dificuldades de alcançar a remissão.

A ideia de dar continuidade ao tratamento até que o paciente atinja a remissão tem sido questionada por alguns autores. A ocorrência de sintomas “residuais” acaba acarretando o uso de doses mais altas de medicamentos e, consequentemente, mais efeitos colaterais. Isto pode ser repensado por meio do conceito de temperamento.

É importante sempre lembrar os conceitos de temperamentos afetivos. Temperamento afetivo é um conceito antigo, descrito na Grécia Antiga e posteriormente sistematizado por dois importantes psiquiatras alemães, Emil Kraepelin e Ernst Kretschmer. Primeiramente, Kraepelin apresenta conceitos como temperamentos maníacos e depressivos, que levaram Kretschmer a desenvolver conceitos como hipertimia e distimia, respectivamente. A questão mais importante do conceito de temperamento é a noção de que sintomas maníacos e depressivos podem ser crônicos e leves, estando presentes e ativos o tempo todo, fazendo parte da personalidade do indivíduo, em vez de se manifestarem apenas como episódios agudos, com sintomas graves. Posto isso, temperamentos podem ser definidos como versões leves de estados de humor, incluindo alterações no nível de energia, no padrão de sono e em comportamentos (como sexual, social ou relacionados com o trabalho).

Existem três temperamentos básicos: hipertimia, distimia e ciclotimia. A hipertimia contempla sintomas leves de mania, como: aumento da energia, necessidade diminuída de sono, libido exacerbada, sociabilidade, extroversão e senso de humor. Esses indivíduos muitas vezes são conhecidos como “workaholics” e são mais propensos a se arriscarem. A distimia contempla sintomas depressivos leves, como: baixa energia, maior necessidade de sono, libido reduzida, ansiedade social, introversão, baixa produtividade no trabalho. Estas pessoas tendem a evitar situações arriscadas e são mais ligadas a rotinas. Já a ciclotimia contempla constantes alternâncias entre sintomas leves de depressão e mania, como altos e baixos no humor e nos níveis de atividade. Normalmente são pessoas extrovertidas e sociáveis, que às vezes se colocam em situações arriscadas e são imprevisíveis.

Em um estudo com 123 pacientes, 85% foram diagnosticados com transtorno bipolar de vários tipos, 7% foram diagnosticados com depressão maior e 7% receberam outros diagnósticos. A média de idade dos pacientes era de 38 anos. Usando o corte de 75% da escala de temperamento TEMPS-A (sigla do inglês, Temperament Evaluation of Memphis, Pisa, Paris, and San Diego Autoquestionnaire), 53% dos pacientes marcaram positivo para ao menos um temperamento, sendo a maioria ciclotímica.

Já um estudo recente detectou que 76% da amostra, composta de idosos com diagnóstico de depressão maior, apresentaram ao menos um tipo de temperamento, sendo a maioria hipertímica. Este trabalho também usou o corte de 75% da escala TEMPS-A. [13]

Em um recente editorial, Malhi e Bell defenderam que esperar períodos claros de remissão em pacientes com transtorno bipolar tipo I não seria realista. [14] Neste contexto, se levarmos em conta a noção de temperamento afetivo como características duradouras de mania, depressão ou ciclotimia, o conceito de remissão, definitivamente, estaria fora de cogitação.

Outra consequência de negar o conceito de temperamento afetivo na remissão é a polifarmácia.

A maioria dos psiquiatras acredita que a remissão é o único objetivo do tratamento, o que não é real. A maioria dos pacientes voltará a funcionar de acordo com seu temperamento de base. Devemos entender que a maioria dos nossos pacientes ainda apresentará sintomas após o tratamento, pois, como visto acima, a maioria apresenta algum tipo de temperamento.

Artigo publicado no Medscape em 07 de novembro de 2020