Transtorno bipolar: medicamentos que representam risco de internação psiquiátrica
Comparação entre monoterapias em termos de risco de internação psiquiátrica de pacientes com transtorno afetivo bipolar
A internação de pacientes com transtorno afetivo bipolar (TAB) é muito frequente e tem consequências socioeconômicas e clínicas relevantes. A internação hospitalar por episódios graves de transtorno do humor ocorre em 79% dos pacientes nos 15 anos subsequentes ao diagnóstico. As evidências que relacionam o risco de hospitalização com os medicamentos são contraditórias e incompletas.
A maioria dos estudos publicados compara a eficácia dos medicamentos para o transtorno afetivo bipolar em termos de redução dos sintomas, remissão, recaídas e recorrências, mas não em relação à internação psiquiátrica. Além disso, esta comparação é realizada apenas com alguns medicamentos, como lítio, valproato, lamotrigina, quetiapina, imipramina e olanzapina. Os estudos normalmente são restritos aos pacientes ambulatoriais e aos casos de transtorno afetivo bipolar tipo I.
Este estudo sobre o uso de monoterapia para os pacientes com transtorno afetivo bipolar comparou 29 medicamentos de diferentes classes em uma amostra de 190.894 pacientes. Os participantes foram pacientes ambulatoriais e hospitalizados com diagnóstico de TAB tipo I, tipo II e de transtorno esquizoafetivo. Foi utilizada a regressão de sobrevivência para a análise de comparação do risco de hospitalização psiquiátrica ajustado por idade, sexo e comorbidades.
Três substâncias foram significativamente associadas a menor risco de hospitalização quando comparadas ao lítio : aripiprazol (razão de risco, RR = 0 ,80; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0 ,70 a 0 ,90), valproato de sódio (RR = 0 ,80; IC 95%, de 0 ,71 a 0 ,91) e bupropiona (RR = 0 ,80; IC 95%, de 0 ,71 a 0 ,91).
Oito fármacos foram associados a aumento do risco de internação hospitalar:
- Haloperidol (RR = 1,57; IC 95%, de 1,19 a 2,06);
- Clozapina (RR = 1,52; IC 95%, de 1,07 a 2,16 );
- Fluoxetina (RR = 1,17; IC 95%, de 1,05 a 1,31 );
- Sertralina (RR = 1,17; IC 95%, de 1,05 a 1,30 );
- Citalopram (RR = 1,14; IC 95%, de 1,03 a 1,27 );
- Duloxetina (RR = 1,24; IC 95%, de 1,09 a 1,40 );
- Venlafaxina (RR = 1,33; IC 95%, de 1,18 a 1,49);
- Ziprasidona (RR = 1,25; IC 95%, de 1,06 a 1,46).
PARA LEMBRAR:
É importante observar nos resultados deste estudo que alguns medicamentos, principalmente os antidepressivos, são fatores de risco de desestabilização e possível internação de pacientes com transtorno afetivo bipolar, mesmo quando utilizados em associação com estabilizadores do humor. Os antidepressivos, mesmo que não sejam utilizados em monoterapia, devem ser prescritos com muita cautela para pacientes com transtorno bipolar.
Indicadores de novas tentativas de suicídio: uma análise de sobrevivência
O suicídio é um problema de saúde pública mundial ; cerca de 800.000 pessoas tiram as próprias vidas todos os anos. Acredita-se que o número de pessoas com ideação suicida chegue a ser 20 vezes maior. Entre os adultos jovens esse número é alarmante, sendo esta a segunda causa de morte mais comum nessa faixa etária. A grande maioria dos casos de suicídio está associada à doença mental.
Apesar de todos os esforços, a prevenção do suicídio nos últimos anos tem sido difícil, muito pela falta de indicadores de comportamento suicida. Até o momento nenhum modelo conseguiu explicar e prever o comportamento suicida. Individualmente, a tentativa pré via de suicídio é o fator de risco mais importante.
Sem nenhuma meta específica para o tratamento dos pacientes suicidas, o objetivo maior reside no tratamento da doença de base. Considerando as intervenções psicofarmacológicas, o uso de antidepressivos é o método mais usado. No entanto sua relação tem sido controversa, especialmente desde 2003, quando a Food and Drug Administration (FDA) norte-americana determinou que uma nota de alerta fosse colocada na bula desses medicamentos após o aumento do número de mortes por suicídio entre adolescentes tomando antidepressivos.
Alguns outros estudos exploraram outros tipos de medicamentos . No grupo dos estabilizadores do humor o lítio exibe as evidências mais robustas em relação à redução do comportamento suicida. Entre os antipsicóticos, a clozapina é o medicamento que mais reduz o comportamento suicida. Os benzodiazepínicos são pouco estudados em relação à ideação suicida.
Este estudo explora, com especial atenção voltada para o tratamento psicofarmacológico, diferentes fatores que podem modificar o risco de novas tentativas de suicídio entre os pacientes que já tentaram o suicídio anteriormente. Participaram deste estudo 371 pacientes, que foram acompanhados desde a inclusão no estudo até: próxima tentativa de suicídio; morte por outras causas; perda de acompanhamento; ou dois anos depois d o ingresso no estudo. Foi conduzida uma análise de sobrevivência Kaplan-Meier e regressão multivariável de Cox com algumas das variáveis.
Durante o período do estudo, 18 ,9% dos participantes tentaram novamente o suicídio. Dentre estas tentativas, 60% ocorreram nos seis primeiros meses. Destes pacientes 100% estavam usando antidepressivos. Três fatores são independentemente associados ao suicídio: adesão ao tratamento (razão de risco ou hazard ratio, HR = 0 ,32; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0 ,13 a 0 ,80), que é um fator de proteção; tentativa prévia de suicídio (HR = 1 ,28; IC 95%, de 1 ,01 a 1 ,61); transtorno de personalidade do grupo B (HR = 2 ,22; IC 95% de, 1 ,22 a 4 ,04).
PARA LEMBRAR:
É importante notar que todos os pacientes que fizeram uma nova tentativa de suicídio estavam usando antidepressivos. Este dado não foi destacado pelos autores, apesar da sua relevância. Outro dado pouco apontado pelos autores é a quantidade de evidências em relação ao uso de lítio como prevenção de novas tentativas de suicídio para os pacientes com ou sem transtorno bipolar.
Impactos psicológicos diretos e indiretos das mordidas de tubarões
Ha alguns meses acompanhamos a notícia da morte de um brasileiro nos Estados Unidos vítima de um ataque de tubarão. Com a chegada do verão no Brasil, as mordidas de tubarões aparecem mais nos noticiários, principalmente entre os surfistas da região nordeste. As mordidas de tubarões são consideradas um incidente raro, girando em torno de 766 ocorrências (não provocadas) ao redor do mundo entre 2006 e 2016, sendo 61 ataques fatais.
Eventos provocados são considerados se o tubarão for atraído para o contato humano por meio da alimentação ou da pesca. Os eventos provocados são mais comuns do que os não provocados. Na Austrália ocorreram 569 eventos não provocados nos últimos 100 anos, incluindo 134 fatalidades (em média menos de uma pessoa por ano).
Existem algumas evidências que indicam que as mortes estão diminuindo tanto na Austrália como no resto do mundo, mas a interação entre o homem e o tubarão tem aumentado, muito por causa dos esportes aquáticos e por atividades econômicas em regiões mais vulneráveis.
O índice de morbidade e mortalidade nos ataques de tubarões é alto. A literatura sugere que o tipo de trauma possa ser um fator de risco de consequências psicológicas. Nunca houve estudos sistemáticos sobre o impacto psicológico das mordidas de tubarão. A literatura atual se concentra na medicina de emergência, nos casos forenses e na segurança no oceano.
Sendo este o primeiro estudo sobre o assunto, o objetivo primário foi descrever a população da Austrália atacada por tubarões, que fazia parte de um grupo de apoio, e determinar a prevalência do transtorno de estresse pós-traumático ( TEPT). Além diss o, foi analisado se existe maior risco de TEPT pela exposição do evento na mídia e se algum trauma anterior seria um fator de risco.
O estudo foi feito com 124 membros do grupo de apoio australiano para vítimas de mordidas de tubarão. Os participantes preencheram um questionário on-line avaliando a demografia, o evento traumático e os fatores psicológicos. Responderam 48% dos membros (N = 60, 63% homens, com média de idade de 44 ± 14 anos). O transtorno de estresse pós-traumático e a ideação suicida foram mensurados retrospectivamente, por meio de uma lista de controle .
A prevalência do TEPT nesta amostra foi maior após o evento (27, 1%; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 15 ,4 a 38 ,8) do que no momento atual (3 ,6% IC 95% de 0 ,0 a 8 ,7). Não houve relação com gênero ou trauma anterior. Dois participantes tinham risco de suicídio. Houve casos de transtorno de estresse pós-traumático mais comumente entre os participantes solteiros (razão de chances ou odds ratio, OR = 5 ,91; IC 95%, de 1 ,52 a 22 ,99) e entre os participantes expostos a uma cobertura negativa da mídia (OR = 11 ,9; IC 95% de, 1 ,42 a 100 ,42). A exposição pela mídia apresentou uma relação independente com o transtorno de estresse pós-traumático após regressão multivariável.
PARA LEMBRAR:
Mesmo sendo um evento raro, as mordidas de tubarão normalmente causam lesões que podem matar a vítima, tornando-se ameaças reais à vida. Sendo assim podemos, na maioria das vezes, considera-lo um trauma que pode vir a desencadear quadros de transtorno de estresse pós-traumático. Isto nos obriga a pensar que estes pacientes, além de tratamento cirúrgico, precisam o quanto antes de avaliação psiquiátrica.
Artigo publicado no Medscape em 31 de janeiro de 2019