Lítio para o tratamento de manutenção do transtorno afetivo bipolar em idosos

Tempo de Leitura: 7 minutos

Pesquisa Delphi sobre o tratamento de manutenção com lítio em idosos com transtorno afetivo bipolar: um relatório da força-tarefa da ISBD

Idosos com transtorno afetivo bipolar (TAB) representam 6% dos atendimentos ambulatoriais nos serviços de psiquiatria geriátrica e 10% daos internamentos em hospitais psiquiátricos. Estima-se que em 2030 os idosos representarão cerca de 50% dos casos de TAB em 2030. Apesar destes números significativos, as diretrizes internacionais para o tratamento do TAB têm geralmente desconsiderado as especificidades dessa população.

Baseado em uma recente recomendação clínica e em dados de fármaco-epidemiologia, o lítio permanece como tratamento de primeira linha em monoterapia para manutenção, apesar de existirem outras opções disponíveis para estabilização do humor.

O tratamento com lítio tem demonstrado reduzir as taxas de suicídio e de internação, além de ação neuroprotetora e diminuição do risco de demência. Estudos com neuroimagem comprovam que pacientes bipolares tratados com lítio têm o volume da massa cinzenta mais preservado.

Por outro lado, como qualquer estabilizador do humor, o lítio pode apresentar efeitos colaterais, como risco de dano renal, hipotireoidismo, hipercalcemia, neurotoxicidade e parkinsonismo. Se os pacientes usuários de lítio chegam a 70, 80 anos, sua função renal diminui e muitas vezes a dose do medicamento não é reduzida, aumentando o risco de toxicidade e de efeitos colaterais. Muitas drogas usadas por esta população, como diuréticos e anti-inflamatórios, podem aumentar o nível sérico levando a possível toxicidade e efeitos colaterais.

O primeiro estudo randomizado controlado usando lítio em idosos foi publicado há pouco. Os autores compararam a eficácia do lítio e do valproato de sódio em idosos com mania aguda e estados mistos, mas não para manutenção. Ambas as drogas se mostraram eficazes e bem toleradas, no entanto, o lítio foi associado a diminuição maior na pontuação na escala de mania. Mesmo com as evidências da sua eficácia, o uso do lítio tem diminuído, principalmente entre os idosos. A relutância em prescrever o lítio está relacionada com o risco de toxicidade, com a pouca experiência dos médicos mais jovens em fazê-lo, e com o impacto do marketing realizado pela indústria farmacêutica. As mais recentes diretrizes sobre o uso do lítio em todas as idades recomendam um intervalo entre 0,6 mmol/L e 0,8 mmol/L como nível sérico ideal para a manutenção.

Diante das evidências da eficácia do lítio no tratamento do TAB e seu potencial efeito neuroprotetor, combinado com a ausência de diretrizes específicas para o uso em idosos, a força-tarefa da International Society for Bipolar Disorders (ISBD) conduziu uma pesquisa Delphi sobre o tratamento de manutenção com lítio em idosos para prover um direcionamento mais adequado para os médicos em relação a segurança e eficácia do medicamento nesta população vulnerável. Os dois principais objetivos da pesquisa foram: determinar o lugar de escolha do lítio entre as opções de tratamento de manutenção no idoso; prover diretrizes de segurança e eficácia para o uso em idosos.

Devido a evidências limitadas, a pesquisa Delphi foi usada para atingir o consenso com um grupo de 25 especialistas em idosos de nove países. Houve a supervisão de um comitê que também analisou e formulou mais questões. Chegou-se a uma taxa de 100% de respostas. O lítio foi a escolha de preferência para a manutenção quando em monoterapia em idosos.

O nível sérico de 0,4 mmol/L a 0,8 mmol/L foi recomendado para pacientes entre 60 e 79 anos e de 0,4 mmol/L a 0,7 mmol/L foi recomendado para pacientes acima dos 80 anos. Além disso, recomendou-se uma rotina laboratorial de três a seis meses de nível sérico de lítio, creatinina e eGFR. Também é recomendada a realização dos exames laboratoriais a cada 6 a 12 meses: hemograma, TSH, glicemia de jejum, perfil lipídico, peso e cálcio.

Para lembrar:

O lítio é um medicamento seguro e importante para o tratamento do TAB em idosos. O médico deve estar atento aos níveis séricos nessa população, que não é igual aos dos adultos não idosos (não usar os parâmetros propostos pelos laboratórios). Com isto, o risco de intoxicação por lítio se torna menor e a segurança na prescrição aumenta.

Resposta da ECT na depressão em idosos sem alterações cerebrais devidas à idade

A depressão no idoso é frequentemente associada a alterações cerebrais, comprometimento cognitivo e comorbidades somáticas. Considera-se que a depressão com início na terceira idade pode variar entre sujeitos de 50 a 65 anos. Os episódios de início precoce estão mais associados a história familiar de transtornos do humor, ansiedade e curso mais grave da depressão. Em contraste, os episódios de início tardio estão associados a doenças neurodegenerativas e somáticas, levando ao agravamento da performance neurocognitiva, e até mesmo a um possível pródromo de demência.

Nos quadros tardios, a eletroconvulsoterapia (ECT) tem demonstrado mais eficácia e resposta mais rápida, além de ser um tratamento seguro para aqueles que não toleram ou não respondem à medicação convencional. No entanto, 50% dos pacientes que respondem à ECT têm recaída no primeiro ano.

Tem-se sugerido que alterações cerebrais relacionadas com a idade contribuem para a ausência de resposta à ECT, em particular patologias da substância branca. Existem evidências de que a hiperintensidade da substância branca estaria associada a baixa resposta à ECT. Recentemente foi proposto que a presença de patologia amiloide, medida pela tomografia de emissão de pósitrons (PET, sigla do inglês, positron-emission tomography), pode ter um papel na patogênese e evolução dos sintomas depressivos em sujeitos sem demência.

No presente estudo, o objetivo foi avaliar a associação entre alterações cerebrais relacionadas com a idade e a resposta à ECT. Como preditores de resposta à ECT foram usadas as seguintes variáveis contínuas: ligação amiloide, volume hipocampal e volume da hiperintensidade da substância branca. Os autores tinham a hipótese de que a combinação das alterações relacionas com a idade seria um preditor melhor da resposta à ECT do que cada alteração isolada.

Participaram do estudo 34 idosos com depressão grave de início tardio tratada duas vezes por semana com ECT até a remissão. Todos fizeram ressonância magnética e beta amiloide PET. Além disto, a escala MADRS e o MEEM foram obtidas semanalmente, incluindo uma semana antes da primeira sessão de ECT, após a sexta sessão, e uma semana, um mês e seis meses depois da última sessão.

Os autores não encontraram associação entre o volume do hipocampo ao início do estudo na linha de base, o volume da hiperintensidade da substância branca e o amiloide total e a resposta ou a remissão entre a primeira e na quarta semana após o ECT. Também não encontraram relação com a recaída na semana 4.

Para lembrar:

Mesmo com algumas limitações, como o tamanho da amostra, este é mais um estudo que mostra a segurança do uso da eletroconvulsoterapia, podendo ser usada mesmo em pacientes com alterações cerebrais relacionadas à idade. A ECT é uma alternativa importante para esta população, que muitas vezes responde mal aos medicamentos convencionais.

Tratamento com lítio para a encefalopatia traumática crônica: uma proposta

A encefalopatia traumática crônica (ETC) é uma doença recém-descrita e está relacionada com o futebol americano. Considerada uma doença neurodegenerativa, está associada ao traumatismo craniano repetitivo, como a concussão.

Esse tipo de trauma ocorre em vários esportes violentos e com contato físico, mas também ocorre em soldados em batalha, situação em que as explosões podem causar subconcussões. As principais características clínicas da ETC envolvem: instabilidade do humor/impulsividade, suicídio e demência. Neste artigo, os autores propuseram a hipótese de que o lítio em doses usuais ou até mesmo em baixas doses pode melhorar ou prevenir a ETC em todos os três aspectos.

Psicopatologia da encefalopatia traumática crônica:

Em um recente estudo feito com 202 cérebros doados com uma média de 66 anos, a ETC foi diagnosticada em 99% dos sujeitos que atuaram na National Football League(NFL), a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos.

A causa de morte mais comum nesta amostra foi suicídio, em 27% dos casos. Entre os 111 casos de ETC que tiveram informantes relatando seus sintomas, os sintomas do humor foram os mais comuns tanto nos pacientes com quadros graves como naqueles com quadros moderados.

Suicídio:

O lítio é o único medicamento que comprovadamente reduz as taxas de suicídios em estudos randomizados. Em uma metanálise de quatro estudos randomizados controlados, o tamanho do efeito foi de 669% maior risco de suicídio entre os pacientes que não usaram lítio. Nestes estudos, o lítio foi administrado em doses usuais para o tratamento de transtornos do humor (600 mg a 1.200 mg). Esta evidência randomizada, sendo única ao lítio, sugere uma relação causal.

Além dos dados randomizados, existe uma extensa literatura com dados epidemiológicos mostrando que o lítio pode prevenir o suicídio em sujeitos sem transtornos do humor.

Estes estudos são baseados em análises populacionais onde “altos” níveis de lítio natural estão presentes em uma região. O lítio é um metal presente em rochas, que penetra no solo e nas fontes de água e chega aos alimentos e aos animais. É um elemento natural e comum, que também existe no corpo humano. A dose típica é de 1 mg por dia de lítio na dieta comum. “Altas” doses de lítio giram em torno de 5 mg por dia, o que representaria uma maior exposição ao lítio. Em múltiplos estudos epidemiológicos apresentaram um índice de suicídio menor em regiões com altos conteúdos geológicos de lítio.

Se o lítio previne o suicídio em pacientes com ou sem transtornos do humor, poderia haver uma ação profilática em pacientes com ETC, mesmo em doses baixas.

Demência:

O lítio se mostra neuroprotetor em vários estudos com animais e humanos. Assim, entende-se que o uso do lítio pode trazer benefícios como a melhora do comprometimento cognitivo leve e até mesmo da demência. Esta hipótese tem o respaldo de alguns estudos em amostras com transtornos do humor.

Na maior e mais longeva coorte prospectiva de pacientes com transtorno do humor feita em Zurich, foi identificada uma prevalência de 22%, o que significa um risco quatro vezes maior do que na população geral. Nesta mesma coorte foi encontrada razão de chances ou odds ratio (OD) de 0,23 (IC 95%, de 0,06 a 0,89), o que significa um risco 335% maior em pacientes não usuários de lítio. Estudos epidemiológicos chegaram à mesma conclusão quando tratando transtorno bipolar.

Recentemente um estudo populacional analisou a relação entre os níveis de lítio na água e os índices de demência e concluiu que regiões com índices mais altos de lítio na água têm taxas de demência mais baixas. Se o lítio também previne a demência em pacientes sem transtornos do humor, então ele possivelmente previne a demência em casos de ETC.

Sintomas do humor e impulsividade:

Os benefícios do lítio no tratamento dos sintomas do humor são bem conhecidos e vêm sendo replicados por mais de meio século. O lítio também atua na diminuição do comportamento impulsivo em geral, até mesmo em pessoas sem transtornos do humor. Este benefício tem sido apresentado em vários ensaios clínicos, porém, a maioria não randomizados em condições neuropsiquiátricas, como traumatismo craniano.

Foi realizada uma revisão de literatura do uso de lítio em traumatismo craniano e concluiu-se um benefício nos sintomas de impulsividade, além da neurobiologia cerebral, como por exemplo o reparo e recuperação de neurônio em animais usando lítio.

Tratando e prevenindo a taupatia:

Há uma vasta literatura sobre a ação neuroprotetora do lítio, como o aumento da proteína fator neurotrófico derivado do cérebro, da proteína GSK-3, e bloqueio da proteína Bcl-2.

Conclusão

Os autores sugeriram ensaios clínicos de prevenção secundária destes sintomas em ETC. Esta pesquisa poderia começar com um estudo aberto, com cerca de 50 pacientes com possível diagnóstico da doença, com idade entre 50 e 60 anos, acompanhados por três a cinco anos. E, caso o estudo observacional seja positivo, pode ser seguido de um estudo randomizado controlado com placebo com a mesma amostra. Também sendo positivo, os autores sugerem que seja feito um estudo de prevenção primária com jovens no grupo de risco, ou seja, atletas em atividade e soldados na ativa.

Para lembrar:

O lítio parece ser uma possibilidade para as pessoas que sofrem de encefalopatia traumática crônica. Os sintomas são graves e os pacientes podem se tornar extremamente agressivos, impulsivos e suicidas. Até o momento, não existe tratamento comprovado para esta doença. É importante ressaltar que apesar de a ETC ser comum entre jogadores de futebol americano e soldados, já existem relatos de jogadores de futebol, boxeadores e lutadores de artes marciais diagnosticados com a doença.

Artigo publicado no Medscape em 30 de abril de 2019