Estudo acompanha crianças com alto risco de transtorno afetivo bipolar por 20 anos

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O curso do transtorno afetivo bipolar: observações de duas décadas de estudo

O diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (TAB) nos jovens é um desafio, principalmente porque os sintomas agudos não são específicos e se sobrepõem a outras doenças – influenciadas por desenvolvimento e estágio clínico.

A demora no diagnóstico e tratamento do TAB contribui para o aumento da mortalidade. Evidências de estudos sobre cognição, imagem e biológicos sustentam a observação de que déficits funcionais e estruturais persistentes, além de anomalias funcionais, ocorrem depois do início completo do quadro de TAB. Já a esquizofrenia apresenta uma trajetória caracterizada pelo significativo declínio funcional e estrutural antes do primeiro episódio psicótico, ou seja, o oposto do TAB.

Conjuntamente, estes achados ressaltam a importância da acurácia da detecção precoce do TAB. O transtorno bipolar é uma doença genética com alta heritabilidade. Filhos de pais com TAB são identificados como um grupo de alto risco que pode ajudar a entender o curso da doença. Vários estudos, que diferem em metodologia, avaliaram esta população, e todos observaram altas taxas de diferentes doenças psiquiátricas nos filhos de pacientes com TAB. Alguns estudos realçam a proeminência de transtornos depressivos no início do curso da doença. Dois estudos indicaram que sintomas internalizados, labilidade do humor e sintomas hipomaníacos são prováveis preditores de TAB em crianças com risco familiar.

Nas duas últimas décadas, estudou-se prospectivamente filhos de pacientes com TAB em subgrupos de pacientes responsivos ou não ao tratamento com lítio. Os pacientes responsivos ao lítio parecem apresentar um subtipo mais homogêneo de TAB, que é mais consistente com a apresentação clássica da doença maníaco-depressiva. Estes pacientes apresentam um curso da doença com crises altamente recorrentes antes da estabilização com o lítio. Além disso, o curso da doença também se caracteriza por episódios depressivos e episódios clássicos de mania e baixa comorbidade.

Este estudo apresenta uma análise compreensiva do curso do TAB durante um longo período de observação, usando um número significativo de filhos com alto risco de TAB. Além disto, o trabalho compara subgrupos baseados em pais que respondem ou não ao lítio como profilaxia. Os objetivos foram: comparar as taxas de psicopatologia em filhos com alto risco e controles; comparar os subgrupos de filhos com alto risco de TAB; e descrever o curso do TAB desde o início, em comparação com o curso da doença dos pais.

Foram incluídos 279 indivíduos com alto risco de TAB e 89 controles, avaliados cegamente, anualmente, através da escala Kiddie para TAB e esquizofrenia.

A incidência cumulativa foi de 24,5% e a média de idade no início da manifestação da doença foi de 20,7 anos. Episódios depressivos foram mais recorrentes no início do curso, especialmente entre os filhos de pais que responderam ao uso do lítio.

As crianças com ansiedade apresentaram mais risco (quase duas vezes maior) de transtorno do humor (razão de risco ou hazard ratio, HR, = 1,84; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,24 a 2,74). Já as crianças com dificuldades para dormir tiveram chance 60% maior de apresentar transtorno do humor (HR = 1,63; IC 95% de 1,01 a 2,62). A chance de apresentar a doença foi até duas vezes maior entre os filhos com agitação subliminar (HR = 2,33; IC 95% de 1,02 a 5,31).

Para lembrar: 

O transtorno afetivo bipolar, junto com a esquizofrenia, é uma das doenças com maior hereditariedade na psiquiatria. Sendo assim, filhos de pais com diagnóstico de TAB devem ser observados desde a infância. Os resultados deste estudo são muito importantes, principalmente o resultado em relação à agitação. Crianças com sintomas de agitação muitas vezes são diagnosticadas de forma errônea com transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade (TDAH) e tratadas com anfetaminas, o que leva à piora do quadro de TAB. É preciso muita atenção em relação à história familiar no processo diagnóstico, principalmente na psiquiatria da infância e da adolescência.

Incidência de demência após os 90 anos de idade em uma coorte multirracial

A expectativa de vida nos Estados Unidos tem aumentado constantemente, e estima-se que a quantidade de pessoas com mais de 90 anos irá quadruplicar de 2,4 milhões em 2015 para 9,5 milhões em 2060.

Esta população é muito diversa e projeta-se que em 2050 29,7% dos indivíduos com mais de 85 anos farão parte de minorias étnicas/raciais. Infelizmente, este grupo etário tem altas taxas de doenças crônicas e incapacidade, gerando um alto custo para o sistema de saúde (cerca de 16.145 de dólares por ano para cada paciente com média de 96 anos). Este custo duplica quando comparado aos dos pacientes com cerca de 70 anos de idade: 7.566 dólares por ano por pessoa.

A demência é particularmente comum entre os muito idosos, afetando quase 40% dos indivíduos acima de 90 anos. No entanto, estas estimativas são baseadas predominantemente em coortes caucasianas. Até o momento, existem poucas informações epidemiológicas sobre demência em pessoas negras acima dos 90 anos.

Estudos em idosos mais jovens comprovam uma disparidade racial grande, sendo que os negros apresentam mais risco de demência, seguidos por latinos, brancos e asiáticos. Não está claro ainda se estas diferenças persistem nos muito idosos. O objetivo deste estudo foi estimar a incidência de demência em uma amostra diversa de indivíduos muito idosos e explorar a possibilidade de disparidades raciais/étnicas.

Para isto, foram incluídos 2.350 pessoas de um sistema de saúde do norte da Califórnia, com pelo menos 90 anos de idade, sem diagnóstico de demência. Foi estimada a relação raça/etnia, ajustada para idade de incidência dos quadros de demência.

A incidência de demência nesta amostra foi de 32%, ou seja, 771 casos com média de idade de 93,1 anos. Sendo menor entre os asiáticos, seguidos por brancos, latinos e negros. Não houve diferença no risco entre asiáticos e brancos. Já os negros tiveram mais chances de demência (36%) em comparação com os brancos (HR = 1,36; IC 95%, de 1,11 a 1,65).

Para lembrar:

Este estudo mostra que, em geral, a população negra tem um risco relativamente maior de demência – tanto os idosos como os muito idosos. Portanto, do ponto de vista de saúde pública, é importante realizar programas para estes pacientes. Apesar da complexidade do assunto, formas de prevenção simples podem ser colocadas em prática, como o cuidado em relação aos problemas cardiovasculares e o uso de lítio em doses baixas.

Depressão agitada no transtorno afetivo bipolar

A depressão agitada é uma característica clínica comum nos transtornos do humor. Kraepelin e colaboradores descreveram a depressão agitada como um estado misto, resultado da combinação de sintomas em polos opostos: humor e pensamento no polo depressivo e motricidade no polo maníaco.

A depressão agitada foi diagnosticada dentro dos critérios diagnósticos de pesquisa como um episódio depressivo maior com agitação psicomotora. Recentemente, Koukopoulos e colaboradores identificaram duas formas de depressão agitada. A primeira forma como a clássica depressão agitada, caracterizada por ansiedade, inquietude e agitação psicomotora. A segunda forma seria caracterizada por depressão com tensão interna, sem agitação psicomotora, com aumento da velocidade do pensamento, labilidade do humor e aumento da velocidade da fala. As duas formas são caracterizadas por impulsos suicidas e, algumas vezes, por sintomas psicóticos.

Muitos autores definem a depressão agitada como um episódio de depressão maior com agitação psicomotora. No entanto, ainda não há uma definição concreta.

Muitos estudos têm investigado a prevalência da depressão agitada no transtorno afetivo bipolar (TAB). No TAB tipo 1, a depressão agitada varia de 20% a 50%, já no tipo 2, existe uma variação de 32% a 41%. Entretanto, estes estudos têm sido realizados com amostras pequenas e diversas definições de depressão agitada. Alguns estudos incluíram apenas pacientes que não tiveram tratamento farmacológico antes da avaliação, enquanto outros incluíram pacientes em tratamento para o episódio depressivo.

Alguns estudos identificaram características demográficas e clínicas associadas a presença de depressão agitada em transtorno bipolar, sexo feminino, idade de início precoce e história de tentativa de suicídio.

A depressão agitada, quando não detectada corretamente, pode levar a um tratamento inadequado. O uso de antidepressivos na depressão agitada parece aumentar a agitação psicomotora e outros sintomas excitatórios. A consequência mais grave do uso de antidepressivos seria aumentar o risco de suicídio.

O estudo em questão teve três objetivos: avaliar a prevalência da depressão agitada em pacientes com TAB; investigar se a presença de depressão agitada está associada a outros sintomas durante o episódio depressivo; explorar se a presença de depressão agitada está relacionada com características clínicas durante o tempo de vida.

Foram incluídos 2.925 indivíduos com TAB, recrutados da Bipolar Disorder Research Network UK, no Reino Unido. Destes pacientes, 32,3% tiveram agitação durante o pior episódio depressivo. Durante este episódio, os preditores significativos da presença de agitação foram: insônia (razão de chances ou odds ratio, OR, = 2,11; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,64 a 2,72); dificuldade de concentração (OR = 1,96; IC 95%, de 1,07 a 3,58); redução da libido (OR = 1,29; IC 95%, de 1,48 a 2,59); ideação suicida (OR = 1,86; IC 95%, de 1,32 a 2,61); e diminuição de apetite (OR = 1,29; IC 95%, de 1,02 a 1,63). A OR para a ocorrência de crises de pânico na vida foi de 2,00 (IC 95% de 1,57 a 2,61), e para ao menos uma tentativa de suicídio foi de 1,39 (IC 95% de 1,09 a 1,79). A presença de depressão agitada foi mais frequente entre pacientes com TAB tipo 2 (36,8%) versus tipo 1 (30,3%).

Para lembrar:

É sempre importante que os médicos tenham em mente que a depressão agitada ou depressão mista é muito mais frequente do que se acredita. Apenas neste estudo, um terço dos participantes recebeu o diagnóstico, o que representa algo bastante relevante em relação ao tratamento. Estes pacientes não devem usar antidepressivos, sob o risco de aumentar a agitação e a ideação suicida. É indicada a prescrição de doses baixas de antipsicóticos de segunda geração e estabilizadores do humor.

Artigo publicado no Medscape em 21 de maio de 2019