Tabaco na adolescência e o risco de psicose
Tabaco na adolescência e o risco de psicose
Os altos índices de uso de tabaco por pacientes com transtornos psicóticos sugerem estratégias de automedicação, e algumas pesquisas estudam uma possível associação bidirecional. No entanto, meta-análises têm demonstrado uma forte associação entre o tabaco e o aumento do risco de psicose. Efeito relacionado à quantidade de tabaco (cigarros) também tem sido descrito. Esta associação tem persistido em estudos prospectivos após ajustes para status socioeconômico e abuso de drogas.
O objetivo deste estudo foi examinar a relação do uso diário de tabaco em adolescentes com idade entre 15 e 16 anos, e o risco de psicose aos 30 anos. Os autores tentaram responder a três hipóteses neste trabalho. A primeira era que fumar diariamente na adolescência seria um fator de risco independente para o desenvolvimento de psicose. A segunda hipótese era relacionar o aumento do risco de acordo com a quantidade. A terceira era entender se o início precoce do uso diário de tabaco resulta em um maior risco para o desenvolvimento de psicose quando comparado aos indivíduos com início tardio (após ajuste para múltiplos fatores de confusão, como experiências psicóticas e abuso de outras drogas).
Para a avaliação de experiências psicóticas foi usado um autoquestionário (PROD-screen), que avalia sintomas prodrômicos de psicose. Para este estudo foi utilizada uma amostra de 6.081 indivíduos, dos quais 47,7% eram garotos provenientes da população do norte da Finlândia. O uso de tabaco foi categorizado em três grupos: não fumantes, fumantes de um a nove cigarros/dia e acima de 10 cigarros/dia.
O estudo demonstrou que pacientes que fumavam acima de 10 cigarros por dia apresentaram um risco de psicose (HR = 3,15; IC de 95%, 1,94 – 5,13). Quando ajustado para experiência psicótica no baseline, a associação persistiu (HR = 2,87; IC de 95%, 1,78 – 4,68) e permaneceu significativa quando corrigida para múltiplos fatores de risco conhecidos como uso de Cannabis, uso frequente de álcool, uso de outras drogas, uso de substância pelos pais e psicose. Além disto, quanto maior o número de cigarros/dia maior o risco de psicose (OR = 1,05; IC de 95%, 1,01 – 1,08).
Para lembrar:
O uso pesado (acima de 10 cigarros/dia) de tabaco na adolescência pode estar associado com um maior risco de psicose. É necessário que campanhas antitabaco sejam feitas e direcionadas para esta população, que é muito mais vulnerável. O controle pelas autoridades também deve ser mais rígido, com medidas como aumentar o preço dos cigarros, fiscalizar a venda para menores e proibir da venda de cigarros avulsos, além de proibir a venda de tabaco nos arredores de escolas.
Experiências psicóticas na pré-adolescência: o que precede a doença mental grave?
Transtornos psicóticos raramente ocorrem na infância. No entanto, sintomas psicóticos como alucinações e pensamentos delirantes são fenômenos comuns nesta fase, com uma prevalência de 17% entre crianças com idade entre nove e 12 anos. Algumas pesquisas demonstram que experiências psicóticas na adolescência podem sinalizar psicose em outros momentos da vida. Entretanto outros estudos relatam que este tipo de experiência pode ser comum nos adolescentes. Experiências psicóticas são preditores de vários tipos de sintomas não psicóticos como ansiedade, depressão e comportamento suicida. Nas doenças não psicóticas a presença deste tipo de experiência demonstra um sinal de maior gravidade, incluindo maior comorbidade e pior prognóstico. Além disto, em torno de 90% das crianças acima de 11 anos que apresentam sintomas psicóticos desenvolvem pelo menos uma doença psiquiátrica por volta dos 38 anos. Alguns estudos têm demonstrado uma relação entre sintomas psicóticos e adversidades na infância.
Este estudo teve três objetivos: a avaliação comportamental e emocional que ocorrem durante experiências psicóticas; o exame e a relação de quais problemas que se desenvolvem em crianças com idades de três e seis anos foram associados com experiências psicóticas aos 10 anos; por último, o exame e a relação entre as adversidades na infância e as experiências psicóticas aos 10 anos. Análises separadas foram feitas para adversidades que ocorreram antes dos cinco anos. Além disso, as adversidades foram divididas entre físicas, maus-tratos, sexuais e outras.
Um total de 3.984 mulheres foram incluídas. A amostra deste estudo foi retirada de uma coorte prospectiva desde a idade fetal em diante, no período de 2002 a 2006, incluindo mulheres grávidas de Roterdã, na Holanda. Quando as crianças completaram 10 anos, as respectivas mães responderam a escala CBCL /6-18, um instrumento validado internacionalmente para avaliar questões emocionais e comportamentais. A escala consiste em oito domínios: ansiedade/depressão, isolamento/depressão, queixas somáticas, problemas sociais, problemas de pensamento, problemas de atenção, comportamento de quebra de regras e comportamento agressivo.
Experiências psicóticas foram apresentadas por 20% da amostra. Aos três anos, constatou-se um aumento de 10% do risco da criança apresentar problemas emocionais e comportamentais. Respectivamente: OR = 1,10; IC de 95%, 1,06 – 1,15 e OR = 1,03; IC de 95%, 1,02 – 1,05). O risco de a criança apresentar problemas de ansiedade/depressão aos seis anos foi de 11% (OR = 1,11; IC de 95%, 1,06 – 1,15). Abusos sexuais quase triplicaram o risco (OR = 2,65; IC de 95%, 1,21 – 5,80). As adversidades na infância mais do que dobraram o risco (OR = 2,24; IC de 95%, 1,72 – 2,92).
Para lembrar:
Ansiedade e depressão foram preditores relevantes após adversidades na infância e abuso sexual. Isto nos mostra o quanto os transtornos de humor na infância são importantes e relevantes. É necessário entendermos melhor o curso dos transtornos de humor na infância e qual a repercussão deles na adolescência e no adulto. Para isso, mais estudos prospectivos de longa duração são necessários. É de extrema importância que profissionais de saúde questionem as crianças e adolescentes sobre a possibilidade de existência de abuso sexual.
Sintomas afetivos na adolescência e mortalidade
Sintomas afetivos na adolescência são associados a uma série de desfechos negativos no adulto, incluindo baixo nível educacional, comportamentos nocivos em relação à saúde e doença mental no adulto, resultando em um aumento da morbidade/mortalidade. Desta maneira pode-se entender que os sintomas afetivos, por si só, seriam um fator de risco para mortalidade prematura. Entretanto, poucos estudos examinaram esta relação, e alguns deles têm falhas metodológicas, como falta de ajustes para fatores de confusão.
Para este estudo foi utilizada a coorte NSHD, conhecida como coorte inglesa, de pacientes nascidos em 1946. Foram incluídos 3.884 participantes. Os adolescentes foram avaliados por professores usando o questionário Rutter B. Foram geradas três categorias: sem sintomas/sintomas leves, sintomas moderados e sintomas graves. A mortalidade foi obtida por meio do registro nacional de saúde do Reino Unido. A causa da morte, que foi codificada pela CID-9 ou CID-10, foi focada em causas cardiovasculares, diversos tipos de câncer e causas externas (violentas, acidentes ou suicídio). O acompanhamento foi dos 15 anos de idade até o óbito do participante (excluindo participantes que mudaram de país).
Após 53 anos de seguimento, 12,2% dos participantes da coorte morreram. Sintomas afetivos graves foram associados com aumento da mortalidade quando comparados com pacientes sem sintomas/sintomas leves. Pacientes com sintomas afetivos graves tiveram aumento do risco para doenças cardiovasculares (HR = 1,92; IC de 95%, 1,11 – 3,32) e aumento do risco de câncer (HR = 1,52; IC de 95%, 1,00 – 2,31).
Para lembrar:
Pacientes com sintomas afetivos graves na adolescência apresentam uma mortalidade prematura, principalmente em relação a doenças cardiovasculares, mas também em relação a diversos tipos de câncer. É de extrema importância que ocorra a prevenção e o tratamento destes pacientes. Transtornos de humor na criança e no adolescente devem ser levados mais a sério e não simplesmente tratados como uma fase da vida do paciente.
Artigo publicado no Medscape em 31 de julho de 2018