Um perfil dos estudantes de medicina que tentam suicídio

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Quem seriam os estudantes de medicina que tentam suicídio?

Suicídio é uma das principais causas de morte no mundo e, ao contrário de outras doenças, as taxas de mortalidade por suicídio não diminuíram nas duas últimas décadas. Em 2017, cerca de 800.000 pessoas tiraram a própria vida.

Um recente estudo norte-americano detectou prevalência de 11% entre estudantes de medicina, o dobro da população em geral de 18 a 29 anos. Já um estudo chinês identificou prevalência de 4,3%. Assim, de acordo com um estudo realizado em 17 países, existe um indicativo de que estudantes de medicina de diversas etnias apresentam uma elevada taxa de tentativa de suicídio, em comparação com a população em geral, que é de 2,7%.

Existem vários fatores relacionados com o aumento do risco de doença psiquiátrica entre estudantes de medicina, como ambiente altamente estressante, alta competitividade, privação de sono, entre outros, que podem ser fatores afetivos e/ou acadêmicos. É importante mencionar que o impacto dos problemas psiquiátricos entre estudantes de medicina não apenas afeta a desenvoltura acadêmica, mas também aumenta a desistência e reduz a desenvoltura profissional, além de aumentar as comorbidades, como uso de álcool e abuso de substâncias.

O objetivo deste estudo foi identificar fatores associados a tentativa de suicídio entre estudantes de medicina. Foi usada uma pesquisa transversal on-line com estudantes de medicina brasileiros que incluiu 4.840 participantes no total. Destes, 432 tentaram suicídio, sendo que 80% eram mulheres. A média de idade dos estudantes era de 21,6 anos. Foi usada a regressão Poisson para identificar os fatores de risco.

Os fatores de risco associados a tentativa de suicídio foram os seguintes: estudantes do sexo feminino têm um risco aumentado de 64% (PR = 1,64; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,29 a 2,08), homossexualidade (PR = 2,93; IC 95% de 2,19 a 3,91) e ter baixa renda aumenta em 67% (PR = 1,67; IC 95% de 1,28 a 2,18). Sofrer bullying também foi um fator de risco aumentando em 32% (PR = 1,32; IC 95% de 1,08 a 1,60). Trauma na infância aumentou em quase 40% a chance de tentativa de suicídio (PR = 1,39; IC 95% de 1,14 a 1,72). Já ideação suicida, no mês anterior a aplicação do questionário, aumentou em duas vezes o risco de tentativa de suicídio.

Para lembrar:

Este é um estudo importante, pois apresenta dados relevantes sobre a população de estudantes de medicina no Brasil. Coordenadores de cursos de medicina, diretores de hospitais universitários, professores e colegas devem sempre estar alertas aos sinais de ideação suicida entre os alunos. É imprescindível que as instituições formulem planos estratégicos de prevenção, e forneçam canais de ajuda de fácil acesso aos estudantes, sempre preservando a privacidade e garantindo o anonimato dos alunos.

Associação entre legalização do uso da Cannabis e transtornos relacionados ao uso de Cannabis nos Estados Unidos entre 2008 e 2016

Aproximadamente 183 milhões de pessoas, ou 3,8% da população mundial, fazem uso de Cannabis atualmente. O uso pesado e de longo prazo foi associado a desemprego, aumento dos acidentes automobilísticos e declínio social. Nos Estados Unidos, 33 estados e o distrito federal promulgaram a legalização do uso medicinal de Cannabis. Além disso, 11 estados e o Distrito Federal liberaram o uso recreativo de Cannabis. Estas medidas reduziram a inequidade de raça/etnia entre as prisões relacionadas com a Cannabis. Por outro lado, surgiram questões sobre o impacto que a legalização da Cannabis pode trazer do ponto de vista psiquiátrico. Estudos anteriores não detectaram associação entre a legalização do uso medicinal de Cannabis e a incidência de o uso entre adolescentes. No entanto, verificou-se um aumento no mês anterior ao da liberação do uso de Cannabis para adultos. Achados associados à legalização do uso medicinal possivelmente não se aplicam aos associados à legalização do uso recreativo, que pode apresentar impactos muito mais profundos, em diversos aspectos.

Pouco se sabe sobre o impacto da legalização do uso recreativo da Cannabis e como isto difere da legalização do uso medicinal. Um estudo norte-americano identificou aumento do consumo de Cannabis no mês anterior à legalização do uso recreativo no estado de Washington, mas não no Colorado.

Neste estudo foram comparados dados dos meses anterior e posterior à liberação do uso recreativo de Cannabis, relacionando usuários frequentes a pacientes com transtorno psiquiátrico decorrente do uso de Cannabis, além de pacientes esporádicos.

A amostra foi composta de adolescentes (de 12 a 17 anos), jovens adultos (de 18 a 25 anos) e adultos (26 anos ou mais) usando dados de 2008 a 2016. Os pesquisadores usaram dados transversais provenientes da pesquisa nacional sobre drogas e saúde conduzida nos Estados Unidos. O estudo incluiu 505.796 participantes, dentre os quais, 51,51% eram do sexo feminino, 77,24% tinham mais de 26 anos e 66,43% eram caucasianos. Entre os participantes de 12 a 17 anos de idade, no ano anterior o transtorno relacionado ao uso de maconha aumentou de 2,18% para 2,72% após a liberação do uso recreativo de Cannabis; um aumento 25% maior quando comparado aos estados norte-americanos que não legalizaram o uso recreativo da substância. Não houve correlação entre os participantes de 18 a 25 anos. Entre aqueles com 26 anos ou mais, o uso de Cannabis aumentou de 5,65% para 7,10%. Nesta mesma faixa etária, usuários frequentes aumentaram de 2,13% para 2,62% e o aumento de participantes com transtorno psiquiátrico decorrentes do uso de Cannabis foi de 0,90% para 1,23% (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,36; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,08 a 1,71).

Para lembrar:

É importante entender que a legalização da Cannabis nem sempre traz benefícios, principalmente quando se refere a adolescentes e adultos jovens. A Cannabis pode estar relacionada com a precipitação de quadros psicóticos, que muitas vezes podem se tornar crônicos. Entretanto é importante que médicos e a sociedade possam discutir a legalização do uso medicinal de Cannabis, sempre levando em consideração a ciência.

Efeitos sazonais e de temperatura na concentração sérica de lítio

O lítio continua sendo o padrão ouro para o tratamento do transtorno bipolar. O medicamento também é usado para o tratamento do transtorno esquizoafetivo e da depressão recorrente. O lítio apresenta um estreito intervalo de nível sérico, de 0,8 mmol/L a 1,2 mmol/L nos episódios agudos e de 0,5 mmol/L a 0,8 mmol/L na fase de manutenção. O principal fator de toxicidade é a desidratação. Alguns estudos demonstraram uma relação entre altas temperaturas, elevados níveis séricos de lítio e aumento da incidência de intoxicação. Altas temperaturas podem mudar a distribuição sanguínea e hidroeletrolítica, além de alterar a farmacocinética do lítio, incluindo absorção, distribuição e eliminação. A eliminação renal do lítio pode ficar diminuída durante a desidratação pela alteração da homeostasia de fluidos, que pode diminuir o fluxo sanguíneo renal.

Este estudo teve como objetivo determinar a relação entre temperatura do ambiente, meses, estações e concentração sérica de lítio em pacientes de Sydney, na Austrália.

Foram analisados dados retrospectivos de todos os pacientes que tiveram níveis séricos de lítio internados nos hospitais de Prince of Wales e Sutherland Hospitals entre 2008 e 2018. A temperatura foi verificada através do serviço de meteorologia. Foram examinadas a correlação entre as concentrações de lítio, as cinco temperaturas máximas anteriores, meses e estações. Também foi feita uma análise longitudinal do efeito da temperatura e estações entre pacientes que apresentavam níveis séricos repetidos.

No total, foram analisadas 11.912 concentrações séricas de lítio provenientes de 2.493 pacientes. Não houve associação significativa entre as concentrações séricas de lítio e altas temperaturas. Não houve, também, variação sazonal e de meses nos pacientes analisados longitudinalmente.

Para lembrar:

Este estudo mostra que, na maioria das vezes, não é o nível sérico de lítio que é alterado por fatores como clima e temperatura, e o que pode levar à intoxicação é a desidratação. Os médicos devem sempre lembrar que os níveis séricos para pacientes idosos devem ficar entre 0,4 mmol/L e 0,7 mmol/L, e a hidratação deve ser sempre uma das boas maneiras de se manejar lítio, principalmente em idosos.

Artigo publicado no Medscape em 05 de maio de 2020