Lítio presente na água potável pode reduzir incidência de suicídios?
Associação entre lítio presente em fontes de águas naturais e taxas de suicídio: Uma revisão sistemática e metanálise de estudos ecológicos
A prevalência dos transtornos mentais e as taxas de suicídio têm aumentado em muitos países. O lítio é amplamente utilizado em doses terapêuticas para o tratamento de episódios maníacos ou depressivos, tendo a sua eficácia comprovada para estabilização do humor e diminuição do risco de suicídio. Desde os anos 90 alguns estudos ecológicos têm testado a hipótese de que doses traço de lítio, que ocorrem naturalmente na água potável, podem ter um efeito protetivo com relação ao suicídio, na população em geral.
Os pesquisadores utilizaram os bancos de dados MEDLINE, Embase, Web of Science e PsycINFO, nos quais buscaram estudos publicados entre janeiro de 1946 e setembro de 2018. Eles extraíram as taxas de suicídios de homens e mulheres desses trabalhos, e as agruparam a partir de efeitos randômicos.
A busca resultou em 415 artigos, dos quais 15 estudos ecológicos foram incluídos na revisão sistemática e metanálise. Os efeitos randômicos da metanálise mostraram uma associação protetiva (inversa) consistente entre níveis/concentração de lítio na água potável e mortalidade total por suicídio.
Esta síntese de estudos ecológicos, que estão sujeitos a falácia/viés ecológico (inferência causal inadequada sobre fenômenos individuais com base na observação de grupos), suporta a hipótese de que existe uma associação protetiva entre a presença de lítio na água potável e as taxas de suicídio na população.
Para lembrar:
A cada dia que passa o uso do lítio para prevenção do suicídio fica cada vez mais estabelecido. Este estudo nos mostra mais evidências de que doses traço podem ser suficientes para este fim. A prescrição de doses mínimas de 1 mg por dia de lítio elementar, segundo estudos, pode ser efetiva na prevenção do suicídio na população em geral.
Consumo de bebidas energéticas, estresse psicológico, ideação suicida e tentativas de suicídio entre estudantes do ensino médio
Bebidas energéticas são definidas como bebidas que contêm um alto nível de cafeína, açúcar e outros ingredientes como aminoácido, vitamina B e derivados de plantas ou ervas, para aumentar a energia de quem as consome. Os efeitos dessas bebidas normalmente ocorrem em função do alto nível de cafeína, que pode variar de 50 mg a 505 mg por lata ou garrafa. O consumo de bebidas energéticas pode ter efeitos temporários, como redução da fadiga e melhora do humor. Este tipo de bebida é vendido para aumentar a performance física e mental, mas estes efeitos são controversos e de curta duração.
A cafeína é o principal ingrediente das bebidas energéticas e sabe-se que é um estimulante do sistema nervoso central, que ativa os neurônios serotoninérgico e noradrenérgico. O consumo elevado de bebidas energéticas está relacionado com insônia e cansaço matutino. O consumo de bebidas energéticas é bastante comum entre adolescentes, principalmente por serem de fácil acesso. Assim, as empresas têm focado seu marketing nesta parcela da população.
Pesquisas demostram que o consumo de bebidas energéticas está associado a problemas mentais entre adolescentes, como depressão, ideação suicida e tentativa de suicídio. Adolescentes do sexo masculino consomem este tipo de bebida mais que adolescentes do sexo feminino. Com relação a idade, constatou-se que os adolescentes mais velhos consomem mais bebidas energéticas do que os mais jovens.
Este estudo examina a associação entre o consumo de bebidas energéticas e estresse psicológico, ideação suicida e tentativa de suicídio entre adolescentes. Além disto, foi considerado se o sexo dos participantes e a escolaridade modificariam estas associações. Foram incluídos 5.538 participantes, com média de idade de 15 anos (estudantes da sétima a décima segunda série). Os participantes eram provenientes da pesquisa sobre drogas e saúde de Ontário, no Canadá.
O estudo concluiu que o consumo de bebidas energéticas foi maior entre os adolescentes do sexo masculino. Estresse psicológico grave foi 45% maior entre estudantes que tomavam bebidas energéticas (IRR = 1,45; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,13 a 1,86). As taxas de tentativa de suicídio foram quase quatro vezes maiores entre os adolescentes que usavam bebidas energéticas (IRR = 3,67; IC 95% de 2,26 a 5,95).
Para lembrar:
Bebidas energéticas, que são vendidas sem nenhum controle, são bastante perigosas tanto para adolescentes como para adultos. É uma questão de saúde pública estabelecer uma legislação onde se proíba a venda destes produtos para menores de 18 anos, assim como tabaco e álcool.
Características do transtorno bipolar tipo I e tipo II
O transtorno bipolar é uma doença crônica e recorrente que causa prejuízos funcionais e uma alta carga emocional tanto para os indivíduos acometidos como para a sociedade. As apresentações clínicas são variáveis, e diferentes classificações foram propostas para delinear os subgrupos do espectro bipolar. Os dois principais subtipos são o transtorno bipolar tipo I, caracterizado por episódios de mania e usualmente depressão e o transtorno bipolar tipo II, que se apresenta por episódios de hipomania e depressão.
Alguns autores argumentam que mania e hipomania não são entidades distintas, e questionam a validade do diagnóstico de transtorno bipolar tipo II. O transtorno bipolar tipo II tradicionalmente é visto como uma forma menos grave e menos debilitante que o transtorno bipolar tipo I, muito porque episódios de hipomania acabam não acarretando hospitalizações e normalmente não apresentam sintomas psicóticos.
Alguns estudos abordaram diferenças clínicas além das já citadas, como sintomas de ansiedade, tentativa de suicídio e idade de início da sintomatologia. Entretanto, por alguns motivos metodológicos (como amostras pequenas), esses trabalhos não chegaram a conclusões claras. Outro motivo é que a maioria dos estudos focou no transtorno bipolar tipo I, deixando o transtorno bipolar tipo II pouco representado. Muitos estudos foram feitos com populações internadas em hospitais, tendo um viés em relação a gravidade. Outros estudos usaram critérios desatualizados para definir o transtorno bipolar em geral, e principalmente o transtorno bipolar tipo II.
O objetivo deste estudo foi comparar as características clínicas, o curso da doença, as comorbidades, a incidência de tentativa de suicídio e ideação suicida, e os fatores socioeconômicos de pacientes diagnosticados com transtorno bipolar tipo I com o tipo II, de acordo com a 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-4, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders).
Foram incluídos 4.806 sujeitos com diagnóstico de transtorno bipolar tipo I e 3.960 participantes com diagnóstico de transtorno bipolar tipo II, provenientes do registro nacional sueco para doença bipolar (BipolaR).
Os pacientes com transtorno bipolar tipo II apresentaram 34% mais histórico familiar de transtornos do humor do que aqueles com transtorno bipolar tipo I, além de 12% a mais de história pregressa de tentativas de suicídio. Sintomas de transtornos alimentares são duas vezes mais frequentes em pacientes do tipo II. O diagnóstico de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) também foi mais frequente nos pacientes com transtorno bipolar tipo II (razão de chances ou odds ratio, OR, = 1,41; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,11 a 1,78).
Antidepressivos são muito mais prescritos para pacientes com tipo II (OR = 2,37; IC 95% de 2,17 a 2,59), porém o lítio é muito mais prescrito para pacientes com tipo I (OR = 0,40 95% IC 0,37-0,44) e valproato (OR = 0,61; IC 95% de 0,53 a 0,70).
Para lembrar:
Pacientes com transtorno bipolar tipo II são mais difíceis de se diagnosticar, por isto é importante que a história familiar seja muito bem avaliada. Como descrito no estudo, estes pacientes apresentam história familiar de transtornos do humor 34% mais frequente do que aqueles com transtorno bipolar tipo I. Além disso, é preocupante que lítio seja tão pouco prescrito para pacientes com o tipo II, tendo em vista que os estudos já comprovaram a eficácia deste medicamento na prevenção do suicídio (as tentativas de suicídio são um pouco mais frequentes nestes pacientes). A ideia de que os pacientes com transtorno bipolar tipo II não respondem ao lítio também não é real, visto que muitas vezes esse fármaco pode trazer o diferencial para o tratamento de pacientes graves.
Artigo publicado no Medscape em 31 de agosto de 2020