Associação entre traumatismo craniano e risco de suicídio

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Eletroconvulsoterapia e risco de demência em pacientes com transtornos afetivos: um estudo coorte

A eletroconvulsoterapia (ECT) é um tratamento efetivo para episódios graves em pacientes com transtornos de humor. A perda de memória é um efeito colateral frequente que parece estar associado à aplicação bilateral e/ou a um grande número  de aplicações. A grande maioria destes efeitos colaterais é transitória e se resolve dentro de algumas semanas. Entretanto, alguns efeitos em longo prazo não estão completamente definidos e ainda são motivo de debate. Apenas alguns estudos examinaram a frequência de demência em pacientes após tratamento com ECT. Em um estudo australiano os autores concluíram a existência de um aumento da incidência de demência entre os pacientes que se submeteram a ECT. Outro estudo feito na Suécia mostrou que 34% dos pacientes com depressão que se submeteram a sessões de ECT foram diagnosticados com demência após 10 anos. No entanto, os dois estudos apresentaram uma amostra pequena e não tinham um grupo controle.

Um outro estudo-piloto com 12 sujeitos apresentou uma redução na incidência de demência tipo Alzheimer pelo aumento da mobiliação da proteína beta-amiloide no líquido cefalorraquidiano (LCR). O objetivo deste estudo era examinar a associação entre ECT e o risco subsequente de desenvolvimento de demência em uma coorte de pacientes hospitalizados por transtorno afetivo. Para o estudo foram incluídos todos os cidadãos dinamarqueses acima de 10 anos que foram hospitalizados pela primeira vez por causa de um transtorno de humor, de janeiro de 2005 a dezembro de 2015. Destes sujeitos foram retiradas informações sobre ECT e foi feito segmento de todos os pacientes que desenvolveram demência até outubro de 2016. Foram examinadas as relações entre ECT e demência por meio da regressão Cox com ajuste para múltiplas variáveis.

Dos 168.015 pacientes incluídos no estudo, 3,5% tiveram ao menos uma sessão de ECT, com uma média de segmento de 4,9 anos. Do total de participantes, 0,1% desenvolveram demência na faixa etária entre 10 e 49 anos, 2,7% desenvolveram entre 50 e 69 anos, e 12,5% entre 70 e 108 anos. O estudo demonstrou que apenas 3,6% dos pacientes tratados com ECT desenvolveram demência. Em pacientes com menos de 50 anos, a ECT não foi associada a risco de demência. Em pacientes acima de 70 anos a ECT foi associada a uma diminuição do risco de demência (HR = 0,68; IC de 95%, 0,58 – 0,80).

Para lembrar:

A eletroconvulsoterapia é um procedimento de extremamente importante e eficiente em casos graves e refratários de transtornos do humor e esquizofrenia. Infelizmente ainda é um procedimento cercado por muito preconceito, por seu histórico de utilização abusiva e incorreta no passado. Hoje deve ser realizado em centro cirúrgico e sob anestesia. Este estudo rompe mais um mito de que a ECT poderia provocar demência nos pacientes.

Eletroconvulsoterapia aumenta o volume cerebral na depressão maior: uma revisão sistemática e meta-análise

A eletroconvulsoterapia é um dos tratamentos mais efetivos para depressões graves e tem sido usada na psiquiatria por mais de 70 anos, mas algumas dúvidas ainda permanecem. O mecanismo de ação ainda é desconhecido, apesar de algumas hipóteses terem sido propostas. Não se sabe ainda por que alguns pacientes desenvolvem efeitos colaterais cognitivos. Estes efeitos colaterais contribuem para que a terapia seja subutilizada.

Estudos antigos sobre ECT e tecido cerebral mostraram alguns possíveis danos. Alguns trabalhos demonstraram atrofia cerebral e alargamento dos ventrículos em pacientes submetidos a ECT, mas existiam muitas limitações metodológicas, como desenho retrospectivo, pacientes com esquizofrenia crônica e uso de tomografia de baixa resolução. Nas duas ultimas décadas a pesquisa sobre os efeitos da ECT mudaram em direção ao mecanismo de ação, especialmente a potencial indução neuroplástica. O primeiro estudo usando ressonância magnética (RM) em pacientes que se submeteram a ECT foi em 2010. Este estudo encontrou um aumento no volume hipocampal após passar por sessões de ECT. Foram identificadas três revisões sobre ECT e neuroimagem que incluíram ressonâncias estruturais de crânio. No entanto, ainda é necessária uma revisão com estudos prospectivos em relação a ressonância magnética em pacientes com depressão maior.

Este estudo tem como objetivo responder às seguintes questões: (1) O ECT causa alterações volumétricas na substância branca? Se sim, em que isto reflete? (2) Alguma alteração se correlaciona com a eficácia do tratamento ou os efeitos colaterais cognitivos? (3) Existe alguma evidência de neuroimagem de que o ECT cause dano no tecido cerebral? Além disto foi feita uma meta-análise das alterações de volume do hipocampo após a ECT.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: tratamento com ECT em sujeitos maiores de 18 anos, com diagnósticos de depressão maior ou depressão bipolar; estudos com desenhos longitudinais prospectivos com ao menos duas ressonâncias de crânio, sendo uma delas logo após a sessão de ECT; apresentar ressonância magnética ou imagem por tensor de difusão (ITD); alterações cerebrais macroestruturais e alterações na integridade da substância branca usadas como desfecho principal; por fim, estudos com mais de cinco sujeitos.

Foram incluídos trinta e dois estudos, com 467 pacientes e 285 controles. A ressonância magnética não encontrou evidências de que o ECT causasse danos cerebrais. Apenas um estudo volumétrico não concluiu que o ECT aumentasse áreas cerebrais como o hipocampo. A meta-análise concluiu um tamanho de efeito de 0,39 (IC de 95%, 0,18 – 0,61) no lado direito e de 0,31 (IC de 95%, 0,09 – 0,53) para o lado esquerdo.

Para lembrar:

Este é mais um estudo que demonstra não apenas a segurança na utilização do ECT para o tratamento de paciente com transtornos do humor, mas também os benefícios da neuroplasticidade. Como disse anteriormente, a psiquiatria terá de desmistificar os preconceitos que o ECT carrega há muito tempo, pois esta é uma ferramenta que pode vir a salvar vidas de muitos pacientes.

Associação entre traumatismo craniano e risco de suicídio

Pessoas com história de traumatismo craniano têm apresentado altos índices de automutilação, suicídio e outras causas de mortalidade quando comparados à população em geral. Indivíduos com traumatismo craniano apresentam significativos sintomas físicos, cognitivos e emocionais, o que aumenta o risco de suicídio nesses pacientes. Recentemente, um estudo sueco concluiu que pacientes com traumatismo craniano apresentavam um risco três vezes maior do que a população geral de cometer suicídio. Muitos estudos que examinaram a relação entre traumatismo craniano e suicídio apresentaram limitações metodológicas, como amostras pequenas. Outros aspectos não abordados na maioria dos estudos foram relação temporal do trauma e do suicídio e o controle de fatores confusores.

Deste estudo de coorte retrospectivo que teve como objetivo examinar a associação entre traumatismo craniano e suicídio, participaram sujeitos que viviam na Dinamarca durante o período do estudo. Um total de 7.418.390 de indivíduos com idade acima de 10 anos foram incluídos na coorte em janeiro de 1980, e foram seguidos até a morte/saída do país ou até dezembro de 2014, quando foi finalizada a coleta dos dados. O traumatismo craniano foi anotado no registro nacional de pacientes, que cobre três tipos diferentes de trauma: 1. traumatismo leve (definido como concussão); 2. fratura do crânio sem traumatismo documentado; 3. traumatismo grave.

Dos 34.529 indivíduos que morreram por suicídio, 2.701 tiveram traumatismo leve, 174 tiveram fratura de crânio e 661 traumatismo grave. A idade média destes pacientes que cometeram suicídio foi de 52 anos, sendo que apenas 32,7% eram mulheres. Os autores chegaram a um IRR de 1,90 (IC de 95%, 1,83 – 1,97), quando ajustaram para todos os possíveis fatores de confusão.

Para lembrar:

Pacientes com traumatismo craniano precisam ser examinados e cuidados, não apenas sob o ponto de vista neurológico, mas também sob o ponto de vista psiquiátrico. Este estudo, juntamente com outros estudos recentes, demonstra que o traumatismo craniano, mesmo que leve, é um fator de risco importante, chegando quase a dobrar o risco de suicídio.

Artigo publicado no Medscape em 08 de outubro de 2018