O impacto da pandemia na saúde mental: três estudos

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1. Respostas de saúde mental à pandemia de covid-19

Logo após o início da pandemia da covid-19 diversos países começaram a observar um declínio na saúde mental de suas populações, tendo sido relatados sintomas como ansiedade, depressão, estresse e sofrimento psíquico. Desde maio de 2020 alguns estudos demonstraram melhora destes sintomas, no entanto, esses estudos apresentam alguns problemas metodológicos relacionados às amostras, aos ajustes para covariantes e às avaliações da saúde mental.

A maioria desses estudos usou amostras não probabilísticas, o que significa que não se pode ajustar para viés de amostragem. Muitos estudos apresentam um viés de atrito considerável, sendo que pacientes com algum comprometimento mental são mais suscetíveis a abandonar os estudos, resultando em uma tendência de avaliação mais otimista da saúde mental da população estudada.

Muitos estudos também não têm dados comparativos obtidos antes pandemia, o que seria importante para entender se houve um aumento agudo no sofrimento psíquico da população do estudo, bem como um retorno aos níveis anteriores.

Os fatores de risco de deterioração da saúde mental na fase inicial da pandemia mais relatados foram: ser do sexo feminino, ter menos de 40 anos, ter história de doença crônica mental ou física, estar desempregado e muito contato com mídias sociais ou notícias sobre a covid-19. A maioria destes fatores de risco já eram associados a uma saúde mental pior antes da pandemia.

No início da pandemia, jovens, mulheres e pais/mães de crianças pequenas (em fase pré-escolar) apresentaram uma deterioração da saúde mental quando comparados a estudos pré-pandemia.

O UK Household Longetudinal Study usou uma amostra longitudinal e probabilística grande representativa da população adulta do Reino Unido. O principal objetivo dos pesquisadores foi descrever a tendência populacional de saúde mental durante os seis primeiros meses da pandemia, estratificada por idade e gênero. Além disso, eles buscaram identificar trajetórias distintas em relação a saúde mental durante este período, características dos indivíduos em cada uma destas possíveis trajetórias e ainda identificar adversidades que predizem a piora da saúde mental durante a pandemia. Foi utilizada a análise de classes latentes para identificar trajetórias discretas e regressão de efeitos fixos para detectar preditores de mudança na saúde mental.

Para o trabalho, 19.763 indivíduos com mais de 16 anos de idade tiveram a sua saúde mental avaliada, dos quais, 58,1% eram do sexo feminino. A análise de classe latente identificou cinco trajetórias distintas em relação a saúde mental. A maioria dos indivíduos (37,5%) apresentaram uma boa ou muito boa saúde mental durante os seis primeiros meses de pandemia; 12,0% apresentaram uma piora durante este período, mas em outubro de 2020 voltaram aos níveis anteriores à pandemia; 4,1% tiveram uma piora no início da pandemia e assim se mantiveram; 7,0% apresentaram leve deterioração inicial e mantiveram uma constante piora. Os dois últimos grupos contaram com mais afrodescendentes, pessoas com história de doença crônica física ou mental e moradores de regiões mais pobres. Dificuldade financeira foi um preditor de deterioração da saúde mental.

Para lembrar:

O estudo em questão apresenta dados importantes sobre os preditores de saúde mental. Além deste, diversos outros estudos já demonstraram que crises financeiras são importantes preditores de deterioração da saúde mental. Outro dado importante é que apenas por volta de um em cada nove indivíduos apresentou uma deterioração consistente da saúde mental ¬– todos com história de doença mental. É de extrema importância que estudos como este também sejam realizados em países de renda média e baixa.

2. Prevalência e fatores de risco para delirium em pacientes com covid-19 grave

Estima-se que, desde o início da pandemia, cerca de 1,5 milhão de pessoas já foram admitidas em unidades de terapia intensiva (UTI) no mundo todo. Destas, 50% precisaram de ventilação mecânica para tratamento de pneumonia viral e síndrome respiratória aguda grave.

As possíveis alterações cerebrais sofridas por esses pacientes ainda não foram avaliadas em estudos com populações representativas de pacientes internados em UTI. Coma e delirium são manifestações graves de disfunções cerebrais agudas, que normalmente estão acompanhadas de doenças sistêmicas críticas. O delirium tem sido associado a desfechos desfavoráveis em pacientes críticos sem covid-19. Estudos prévios relatam que a prevalência de delirium chega a 70% nos pacientes que necessitam de ventilação mecânica, mas um estudo multicêntrico de 2018 chegou a uma prevalência de 50%. Um estudo mostra uma prevalência de 12% entre a população de pacientes hospitalizados com covid-19. Alguns estudos com pacientes com covid-19 em ventilação mecânica têm sugerido que os protocolos para delirium não têm sido seguidos e altas doses de sedativos e analgésicos têm sido prescritas, em comparação com pacientes sem covid-19.

O objetivo do estudo em tela foi elucidar práticas de sedação, prevalência de coma e de delirium, e seus fatores de risco em pacientes com covid-19 internados em UTI. Para isso, foram incluídas 69 unidades de terapia intensiva de 14 países, bem como todos os pacientes acima de 18 anos com diagnóstico de covid-19 internados nessas unidades.

Pacientes com história de doença mental, doença neurodegenerativa, coma hepático, overdose de drogas ou tentativa de suicídio, assim como pacientes cegos ou surdos foram excluídos do estudo.

Os autores buscaram identificar preditores do número de dias que os pacientes com covid-19 internados na UTI permaneceram sem delirium ou coma. Para isso, eles usaram modelos de regressão multivariáveis.

No total, o estudo contou com 2.088 pacientes com média de idade de 64 anos, sendo que 67,0% estavam em ventilação mecânica no momento da admissão na UTI e 87,5% precisaram de ventilação mecânica em algum momento da hospitalização. Foram administrados sedativos em 64% dos pacientes. Benzodiazepínicos foram utilizados por ao menos sete dias em média. Destes, 55% apresentaram delirium por ao menos três dias.

Visita familiar, mesmo que virtual, foi associada a menos risco de delirium. Durante os 21 dias do estudo, os pacientes permaneceram ao menos cinco dias após a internação na UTI sem apresentar delirium ou entrar em coma.

As variáveis independentes, associadas a menos dias de internação sem coma ou delirium foram: idade avançada, ser do sexo masculino, ser fumante ou alcoólatra, ter feito uso de vasopressina no primeiro dia da internação ou ter precisado de ventilação mecânica no primeiro dia da internação.

Quase 30% dos pacientes morreram dentro de 28 dias após a admissão hospitalar – a maioria na UTI.

Para lembrar:

Como podemos constatar, a prevalência de delirium em pacientes com covid-19 é alta. Este quadro é mais comum em ambientes de terapia intensiva, mas não podemos esquecer que pacientes com quadros de covid-19 internados na enfermaria também tem um risco aumentado.

A avaliação da flutuação de consciência, agitação psicomotora e confusão mental no paciente com covid-19 é de extrema importância, seja pelo clínico, intensivista ou psiquiatra. O ideal é que seja realizada o mais precocemente possível. Também é importante lembrar que este é um quadro agudo e deve-se evitar o uso de benzodiazepínicos no tratamento. As melhores evidências farmacológicas ainda mostram que doses baixas de haloperidol e risperidona são as melhores alternativas.

3. Sintomas de depressão e ansiedade materna antes e durante a pandemia de covid-19 no Canadá

Tem sido proposto que algumas pessoas podem ser mais suscetíveis a transtornos mentais durante a pandemia de covid-19 do que outras. Um grupo que tem sido particularmente afetado pelas consequências sociais e econômicas da pandemia de covid-19 são os pais, especialmente as mães.

Além dos compromissos profissionais e da vida adulta, com a necessidade de isolamento social trazida pela pandemia, muitos pais e mães passaram a tomar conta dos próprios filhos durante 24 horas por dia, além de atuar como seus tutores na educação domiciliar. Alguns estudos transversais sobre a saúde mental das mães durante a pandemia da covid-19 indicaram que aproximadamente 30% relataram sintomas de depressão e ansiedade. Esses estudos mostram que as alterações mentais na pandemia não são uniformes, sendo o maior aumento observado em mulheres com crianças pequenas em casa. O foco em mães de crianças pequenas é importante, considerando as implicações do comprometimento da saúde mental materna no desenvolvimento e bem-estar das crianças.

O estudo em tela usou dados de uma coorte longitudinal de mães, incluída no estudo All our Families, para avaliar mudanças de prevalência de sintomas de depressão e ansiedade materna durante a pandemia da covid-19, associado a fatores sociodemográficos.

Os resultados obtidos na avaliação dos sintomas de depressão e ansiedade por meio de escalas foram comparados aos obtidos em avaliações anteriores realizadas há três, cinco e oito anos (entre abril de 2012 e outubro de 2019). Foram incluídas 3.387 mulheres no estudo All our Families, das quais 2.445 atenderam os critérios de elegibilidade e foram convidadas a participar do estudo em tela, sobre o impacto da covid-19 na saúde mental. Destas, 1.333 concordaram em participar e 1.301 foram incluídas na análise longitudinal.

No início da pandemia, 35,21% das mães apresentaram sintomas de depressão, sendo que na primeira avaliação está prevalência foi de 14,04%. Já 31,39% apresentaram sintomas de ansiedade, sendo que na primeira avaliação essa prevalência foi de 12,01%. Foi observado um aumento ainda maior destes sintomas nas mães que tiveram perdas financeiras e dificuldade de equilibrar a educação domiciliare as responsabilidades do trabalho.

Para lembrar:

Os dados deste estudo mostram que as medidas de saúde pública relacionadas com a pandemia da covid-19 devem ir além do distanciamento físico, uso de máscara, higienização das mãos e vacinação em massa. Também devem ser oferecidos canais de atendimento para a avaliação e o atendimento psiquiátrico, sejam on-line ou presenciais. Seria importante também oferecer suporte pedagógico para os pais, para que eles possam oferecer o apoio escolar necessário aos seus filhos. Sempre lembrando que o apoio financeiro do Estados a famílias em situação de vulnerabilidade é também de extrema importância e deve ser visto como uma medida protetiva de saúde pública.