Quais são os limites entre a vaidade e a doença?

Tempo de Leitura: 3 minutos

Muitos se perguntam o que leva mulheres e homens a fazerem procedimentos estéticos em locais inapropriados e, muitas vezes, com profissionais inabilitados, arriscando a saúde ou a própria vida em busca do corpo perfeito. O ser humano, na grande maioria das vezes, é um ser imediatista, inserido em uma sociedade relativamente simplista, e que pouco evoluiu em relação a diversas questões importantes, como a vaidade. Um exemplo disso são os conceitos de beleza e feiura, discutidos e relatados desde a Grécia Antiga. No século IV a.C Policleto, um dos mais notáveis escultores gregos da época e pai da teoria da arte, produziu uma estátua denominada Cânone, na qual se estabelecia todas as regras de uma proporção ideal da figura humana. Mais tarde, o arquiteto Vitruvius ditaria as proporções corporais em frações da figura inteira: o rosto deveria ter 1/10 do comprimento total, a cabeça 1/8, o comprimento do tórax 1/4, e assim por diante. Dessa forma, todos os seres humanos que não se ajustassem a estas proporções eram vistos como feios. O papel de Vitruvius hoje é o papel da mídia, principalmente as mídias sociais.

Podemos ver a amplitude da influencia da mídia, seja ela tradicional ou social, quando observamos o número de procedimentos estéticos realizados. O Brasil é o segundo maior consumidor de procedimentos estéticos no mundo, representando 10,7%, e ficando atrás apenas dos Estados Unidos (17,9%). É um número bastante alto para um país que esta passando por uma crise econômica. Podemos concluir, então, que a estética é fundamental para o brasileiro.

Um estudo com 114 homens do Paquistão indicou que a mídia seria um dos fatores de risco para uma autoimagem corporal negativa. O estudo comparou paquistaneses que imigraram para os Emirados Árabes Unidos e homens que permaneceram no Paquistão, revelando que os imigrantes foram mais influenciados negativamente pela mídia. Um outro estudo de 2017 demonstrou que as mídias sociais podem ser um fator de risco para sintomas depressivos. Pacientes no quartil superior de frequência de uso de mídia sociais chegam a triplicar o risco de sintomas depressivos (OR = 3,05; IC de 95%, 2,03 – 4,59).

Isso nos leva a refletir sobre pacientes com quadro do espectro obsessivo-compulsivo (EOC), que é caracterizado por pensamentos intrusivos persistentes e subsequente comportamentos ou rituais que se tornam compulsões. Já o transtorno dismórfico corporal (TDC) é caracterizado por uma preocupação angustiante ou debilitante com pequenos defeitos na aparência, como “nariz imperfeito, bumbumpequeno, e lábios finos”, entre outros. O TDC faria parte do espectro do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). As apresentações são bastante parecidas, ambas com pensamentos intrusivos e comportamentos obsessivos. Um estudo avaliou o julgamento dos pacientes com TDC, e concluiu que normalmente o julgamento é bastante prejudicado. Isso nos mostra o quanto estes pacientes podem se tornar vulneráveis para profissionais mal-intencionados. A prevalência do TDC chega ao redor de 1% na população geral, mas possivelmente é maior em pacientes que procuram cirurgias cosméticas. Um estudo demonstrou que, entre pacientes que procuram cirurgia cosmética, a prevalência pode chegar até 15%.

É importante ressaltar também a possível relação entre pacientes com imagem distorcida do corpo e o suicídio. Já há alguns anos existem estudos que demonstram um risco aumentado de suicídio entre mulheres que passaram por cirurgias estéticas, principalmente de aumento das mamas. Um estudo realizado nos EUA em 2001, contou com 13 mil mulheres que fizeram cirurgia de aumento de mamas. O trabalho observou que, em média, 14 anos após o procedimento cirúrgico, houve um significativo aumento na taxa de mortalidade padrão (usando como medida a taxa de mortalidade padronizada, TMP). Neste estudo a taxa foi de 1,63 (IC de 95%, 1,1 – 2,3).

A TMP em um estudo com mulheres finlandesas e dinamarquesas foi ainda maior: 4,26 (IC de 95%, 1,56 – 9,26) e 3,1 (IC de 95%, 1,7 – 5,2). Esta relação pode ser explicada pela alta prevalência de sintomas depressivos em pacientes com TDC. Um estudo com 178 pacientes com diagnóstico de TDC identificou que 74,2 % dos sujeitos tiveram sintomas depressivos.

Podemos concluir então que os transtornos do humor cursam com uma grande frequência nestes pacientes que buscam procedimentos estéticos é cosméticos, sem levar em consideração a real necessidade e os riscos. Algo que chama atenção é que muitos cirurgiões não estão atentos a este grave problema. Um estudo da International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), que contou com a participação de 265 médicos, constatou que 70% dos cirurgiões que responderam à pesquisa não consideram TDC uma contraindicação para as cirurgias. Nós médicos somos parte do problema, mas devemos começar a ser parte importante de uma mudança na sociedade. O limite entre a vaidade saudável e a vaidade patológica é tênue, por isso devemos ficar atentos aos sinais que os pacientes nos dão.

Artigo publicado no Medscape em 28 de agosto de 2018