Um panorama sobre fobias

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Dr. Reinaldo Hamamoto | Dr. Sivan Mauer

As fobias raras são um tema que desperta o interesse das pessoas, vemos artigos na imprensa sobre o assunto e mesmo filmes abordando o tema. A fobia, no entanto, não é algo que aparece todos os dias no consultório de um psiquiatra clínico, muito menos no de outros especialistas. O que vemos são pessoas que não se sentem bem em lugares abertos ou têm medo de voar de avião, de aranhas ou de cachorros. Em primeiro lugar, é importante entender que a fobia é uma ansiedade. A ansiedade é uma resposta importante, um sintoma clínico de um processo de adoecimento, como descrito por Kraepelin. Na grande maioria das vezes, as fobias são respostas a um perigo sobre o qual você não tem controle direto. Podemos explicar que o risco de morte por acidente de carro é maior do que por queda de avião, mas isso não resolve o problema, pois pode-se parar o carro e acabar com o problema, diferentemente do avião. Uma fobia muito comum é a social, caracterizada pela dificuldade de interação social ou de se apresentar em público. O importante é entendermos as fobias, comuns ou raras, como um sintoma, possivelmente a ponta do iceberg de um diagnóstico maior quando pensamos a psiquiatria como a clínica.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, sigla do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), entendido como uma lista telefônica em que cada sintoma equivale a uma doença, deve ser deixado de lado, e o diagnóstico pode ser alcançado por meio de uma avaliação muito mais criteriosa. Na psiquiatria, devemos enxergar o diagnóstico de forma hierárquica, como uma pirâmide, com as doenças do humor no topo, precedidas pelas psicóticas, esquizofrenia e outras, até chegar na base. E essas duas doenças altamente hereditárias estão associadas a sintomas ansiosos.

Com maior frequência os pacientes se queixam de ansiedade, o DSM-III, a partir de 1980, criou algumas categorias, e uma delas foi o transtorno de ansiedade generalizada, que não tem muito fundamento. Isso ocorreu quando foi deixado de lado o que se chamava de temperamentos, muito importantes na psiquiatria Kraepeliniana, que considera importante o curso da doença, se é crônica e a possibilidade de recorrência. Já o DSM valoriza mais os polos da doença e tenta separar os episódios de mania, criando um grupo enorme de sintomas de onde se origina o transtorno de ansiedade generalizada (major depressive disorder). Essa classificação inclui muita coisa e tudo se trata com antidepressivo.

Quais são as principais doenças subjacentes ao sintoma de fobia? E como o médico generalista pode fazer o diagnóstico?

O bom diagnóstico psiquiátrico deve passar por alguns validadores da clínica médica, que foram reforçados pela escola de Washington, os neokraepelinianos, da década de 70: avaliação dos sintomas e do curso da doença (crônica/recorrente). Há um trabalho clássico sobre a diferença de prevalência de esquizofrenia na Inglaterra e nos Estados Unidos, indicando que, nos EUA, ao apresentar sintomas psicóticos, o paciente é considerado esquizofrênico, independentemente do curso da doença. Ainda é assim lá.

Tenho uma paciente que mora nos Estados Unidos, que trato por doença bipolar, mas o médico que a acompanha lá tenta convencê-la de que ela tem transtorno de estresse pós-traumático, isso sem história de trauma. Lá existem esses momentos. O diagnóstico deve passar pela presença ou ausência de sintomas, depois pelo curso da doença em termos de cronicidade e recorrência, e pela resposta ao tratamento. A resposta ao tratamento é um dos validadores menos importantes, mas existe. O quinto validador são os marcadores biológicos, que são poucos, posso citar como exemplo os microinfartos na depressão vascular.

Em uma consulta, o colega pode determinar se a fobia é o sintoma principal, mas isso não significa que seja o diagnóstico; por exemplo, um quadro de tosse em geral está relacionado ao sistema respiratório, mas sabemos que pode ser refluxo ou algum evento adverso à medicação, da mesma forma, a fobia pode ser a questão principal para o paciente, mas nem sempre é a mais importante. O médico tem que avaliar o curso da doença, a presença de agitação psicomotora – insônia, irritação ou ideação suicida. Esse é o tipo de avaliação que devemos realizar.

Se ansiedade for a doença, então utiliza-se antidepressivos, mas na maioria das vezes, quando a queixa é ansiedade, o diagnóstico é outro, porque nas recorrências, os episódios mistos são os mais frequentes – apesar de serem amplamente negados desde os anos 80. Se utilizarmos os critérios do DSM-IV, eles são impossíveis de serem diagnosticados, mas podem ser diagnosticados na clínica, quando observamos agitação psicomotora, que pode se resumir ao pensamento acelerado, isso causa insônia, tensão muscular e ansiedade, e muitos pacientes acabam apresentando alguns tipos de fobias. Por exemplo, pacientes que tratei durante um episódio misto, que não conseguiam viajar de avião ou se apresentar em público, quando fora do episódio melhoravam destas queixas de fobia também.

Penso que se todos formos seguir o DSM, a nossa chance de erro é enorme, porque não estamos seguindo a ciência. Isso enfraquece a psiquiatria como especialidade médica. Meu orientador de mestrado e fellowship nos Estados Unidos, Dr. Nassir Ghaemi, explicava a abordagem diferente que utilizávamos para os pacientes da seguinte forma: ou você não existe ou o livro está errado, qual das duas é possível? É uma infelicidade para a especialidade a forma como o DSM foi feito.

O tratamento pode ser coordenado pelo médico generalista ou o paciente deve ser encaminhado para o psiquiatra?

Acho que temos vários contextos. Se não houver psiquiatras na região, o médico generalista deve acompanhar o paciente, desde que compreenda que a psiquiatria não é “preto no branco”. O antidepressivo não necessariamente resolverá o problema, e pode até piorar a situação, algo que resultou da sistematização do DSM. O meu trabalho do dia a dia é fazer o diagnóstico correto e a retirada de antidepressivos receitados de forma inadequada, algo que não é fácil, por causa da síndrome de retirada.

Tive uma paciente que fazia uso de antidepressivos há muitos anos e tinha medo de viajar de avião. Ela estava sendo tratada para depressão e a fobia fazia parte da síndrome. Eles dirigiram 2 mil quilômetros para fazer a consulta e depois eu os convenci a fazer teleconsulta. Eu tirei o antidepressivo e prescrevi o que se chama de antipsicótico em dose baixa, por se tratar de um episódio misto grave, junto com um estabilizador do humor. Ela finalmente conseguiu viajar de avião.

Cabe lembrar que os nomes dos medicamentos estão errados, “antidepressivos” e “antipsicóticos” são usados para tratar outras doenças e “estabilizadores do humor” não estabilizam nada.

Quais os cuidados necessários no acompanhamento de curto e longo prazo?

O principal é conseguir fechar o diagnóstico e então prescrever o tratamento adequado. Nem sempre um bom diagnóstico quer dizer abrir o DSM. E, segundo o ditado clássico, “o diagnóstico é o prognóstico”, por exemplo, o diagnóstico de uma pessoa com esquizofrenia tem um prognóstico mais reservado do que o de uma com doença maníaco-depressiva. É uma doença crônica para a qual não dispomos de medicamentos modificadores da doença. O lítio é uma vantagem muito grande no tratamento da doença maníaco-depressiva e do transtorno bipolar, não existe medicação hoje que modifique o curso crônico da esquizofrenia. [8] No caso da ansiedade, o indicador clínico a ser utilizado é a agitação psicomotora, quanto menos agitação, melhor a reposta. Marcadores biológicos ainda não existem.

Poderia destacar algum estudo recente desta área que todos os médicos deveriam conhecer?

A psiquiatria deveria ser a especialidade mais clínica, mas é vista de outra forma. Os outros médicos acham que só prescrevemos antidepressivos. A classe de medicamentos que deveria ser a menos prescrita, hoje é a mais prescrita. Se utilizarmos os validadores, vamos entender que os antidepressivos deveriam ser os menos prescritos, porém, com a criação do major depressive disorder e a negação dos sintomas maníacos em favor dos depressivos, os antidepressivos passaram a ser indicados para tudo. Não deveríamos perguntar se a pessoa está triste, o nome “doença do humor” é incorreto, deveria se chamar doença da psicomotricidade. Isso é conhecido há muitos anos e é o melhor marcador clínico. Deveríamos avaliar qual a velocidade do pensamento do paciente. O DSM afeta as pesquisas, é como utilizar um mapa errado e achar que você chegará onde deseja. O National Institute of Mental Health (NIMH) dos EUA disse que não aceitaria mais os critérios do DSM para grants, mas os periódicos científicos aceitam. Por isso, não posso citar pesquisas relevantes sobre fobias e ansiedade.

Artigo publicado no Medscape em 21 de junho de 2021