Esketamina: é preciso ter cautela!

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Na semana passada foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, o uso da esketamina, uma medicação intranasal que promete ação rápida para o tratamento de pacientes com depressão refratária. A esketamina (cujo comercial é Spravato) nada mais é que S(+) enantiomero da ketamina, um antagonista da NMDA. A ketamina é muito conhecida por sua utilização como anestésico em animais de grande porte como cavalos, assim como, em menor escala, como anestésico humano.

O medicamento foi recebido por muitos com grande entusiasmo, sendo até considerado por alguns médicos como o maior lançamento desde a fluoxetina, lançada no mercado há cerca de 33 anos. Entretanto, drogas que são lançadas no mercado e que prometem uma resposta quase que milagrosa aos pacientes devem ser sempre analisadas com cautela, sob o prisma científico.

A primeira questão que deve ser abordada é: qual seria a indicação do uso desta droga? A indicação desta medicação é para pacientes que têm o diagnóstico de depressão resistente ao tratamento, também conhecida como depressão refratária. O conceito de depressão refratária se baseia na falta de resposta ao tratamento com dois ou mais antidepressivos, em doses adequadas por 6 a 8 semanas.

Sabe-se que, na maioria das vezes, o problema com relação à depressão refratária não está no tratamento, mas sim no erro diagnóstico, que pode chegar a 50% dos casos. E a grande maioria destes pacientes diagnosticados erroneamente com depressão refratária tem, na verdade, diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (TAB), e por isso não responde adequadamente aos antidepressivos.

Estudos comprovam que apenas um terço dos pacientes com depressão maior respondem aos antidepressivos em longo prazo, e apenas 20% seriam realmente resistentes aos tratamentos. Nestes casos, há uma grande chance de alguns pacientes apresentarem piora no quadro clínico, ou até mesmo um quadro de mania. Nos casos de erros de diagnóstico, a saída não seria associar mais um antidepressivo como a ketamina, mas sim a suspensão do uso dos antidepressivos e a prescrição de estabilizadores do humor, como lítio e ácido valproico – e, em alguns casos, o uso de um antipsicótico de segunda geração.

Como qualquer outra medicação a esketamina apresenta efeitos colaterais, que ainda estão sendo pouco discutidos pelo meio médico. A medicação ketamina é uma droga de abuso e isso deve ser informado aos pacientes antes do uso. Por este motivo, a substância não será comercializada para aplicação doméstica. Apenas clínicas credenciadas poderão aplicar a medicação nos pacientes. O tratamento requer algumas condições, como o paciente permanecer em observação na clínica após a aplicação, entre outras. Sendo assim, administração da medicação só será realizada por um médico.

A indicação é que a droga intranasal seja aplicada no máximo duas vezes na semana. Entretanto, não se sabe ainda como será o controle destas aplicações. Hoje já existem em torno de 100 clínicas que oferecem tratamento com uso de ketamina intravenosa, e a grade maioria não segue as recomendações da American Psychiatric Association (APA). Outro fator importante a ser questionado é o custo da medicação. O valor para o tratamento inicial gira em torno de cinco mil dólares por paciente, variando de acordo com a dosagem. Outra questão relevante que deve ser discutida é a neurotoxicidade da ketamina. Diversos estudos em animais demonstram que a ketamina causa morte celular em áreas cerebrais importantes por meio de apoptose.

É preciso ter cuidado com as conclusões rápidas, principalmente em psiquiatria. Devemos sempre lembrar que um bom tratamento depende do diagnóstico correto, e para isso precisamos voltar a estudar os antigos nosologistas como Kraepelin e sua doença maníaco-depressiva, em vez dos diagnósticos que temos hoje. Acredito que a ketamina precisa ser mais estudada antes de ser comemorada. Sinto não compartilhar a mesma euforia que a maioria.

Artigo publicado no Medscape em 21 de março de 2019