Eletroconvulsoterapia em foco
Eficácia da donepezila para atenuar os déficits de memória associados a eletroconvulsoterapia
A eletroconvulsoterapia (ECT) acarreta efeitos colaterais cognitivos, especialmente déficits de memória (retrógrada e autobiográfica). Muitas estratégias farmacológicas foram empregadas em estudos animais e clínicos para lidar com estes efeitos colaterais, mas com resultados inconsistentes. Uma estratégia bastante usada em ensaios clínicos tem sido o uso de inibidores da acetilcolinesterase. Algumas evidências sugerem que a ECT diminui a neurotransmissão colinérgica, que faz parte do processo de aprendizagem e memória; portanto, existe a hipótese de que os inibidores da acetilcolinesterase possam atenuar os déficits causados pela ECT.
Uma revisão sistemática de cinco estudos, realizada em 2017, concluiu que existe a possibilidade de haver algum benefício associado ao uso de inibidores da acetilcolinesterase para atenuar os efeitos colaterais cognitivos da ECT.
O objetivo do estudo em pauta foi confirmar e estender os achados de estudos anteriores, que relataram que os inibidores da acetilcolinesterase são protetores contra os efeitos cognitivos induzidos pela ECT. Para isto, foram randomizados 30 pacientes, dentre os quais, 15 usaram 10 mg/dia de donepezila e 15 usaram placebo, três vezes por semana por 30 dias.
A média de idade da amostra foi de 34,6 anos. Os dois grupos (intervenção e controle) foram compostos de 12 pacientes com diagnóstico de depressão e três com diagnóstico de esquizofrenia.
A memória foi avaliada por meio da escala PGI-MS; os pacientes foram analisados ao início do estudo, no segundo, no sétimo e no trigésimo dia após a ECT. Não houve diferença significativa entre os grupos em termos de pontuação na escala PGI-MS entre o segundo e o trigésimo dia após a ECT.
Para lembrar:
Efeitos cognitivos são muito comuns em decorrência da ECT. Na grande maioria dos casos, são efeitos colaterais leves e passageiros. Devemos lembrar que na medicina todo tratamento tem seu custo e benefício. Em casos graves, tanto de transtornos do humor como de esquizofrenia cursando com ideação suicida, muitas vezes a ECT é a saída mais eficiente.
Alterações cognitivas após eletroconvulsoterapia em pacientes com transtornos do humor avaliados pelo MoCA
A eletroconvulsoterapia (ECT) é um tratamento efetivo e seguro para pacientes com transtornos do humor grave, no entanto, existe uma preocupação em relação aos efeitos colaterais neurocognitivos associados a este tratamento.
Os pacientes podem apresentar desorientação imediatamente após o procedimento, o que normalmente se resolve dentro de uma hora, além de outros efeitos colaterais cognitivos, como amnésia anterógrada para informações recentemente aprendidas e amnésia retrógrada para informações aprendidas anteriormente. A amnésia anterógrada normalmente se resolve dentro de dois meses, sendo rara a persistência do quadro.
Diversas diretrizes recomendam a avaliação cognitiva antes, durante e depois da ECT, mas não existe um consenso sobre o instrumento a ser usado. O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) é o mais usado para avaliar o impacto da ECT na função cognitiva global, mas este instrumento não tem a sensibilidade necessária para detectar alterações cognitivas mais sutis. O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) pode ser uma boa alternativa, pois, em vários casos, é mais sensível para o rastreio cognitivo do que o MEEM.
É fundamental que se identifique o funcionamento cognitivo antes da primeira sessão de ECT. Até o momento não se estabeleceu um corte ideal do MoCA para o prejuízo cognitivo. O corte inicial, de 26/30, levou a uma grande quantidade de falsos-positivos em diversos estudos. Uma recente metanálise propôs 23/30. A vulnerabilidade ao comprometimento cognitivo induzido pela ECT varia muito de paciente para paciente.
O estudo em pauta utilizou o MoCA para avaliar os efeitos cognitivos da ECT em curto e longo prazos em uma amostra de pacientes com diagnóstico de síndromes depressivas. Foram incluídos 65 pacientes, dos quais, 76,9% eram mulheres, com média de idade de 58,4 anos e uma taxa de 41,5% de prejuízo cognitivo anterior à ECT.
O estudo concluiu que não houve comprometimento cognitivo persistente induzido pela ECT.
Para lembrar:
A Montreal Cognitive Assessment se mostrou uma boa alternativa ao Mini Exame do Estado Mental para avaliar alterações cognitivas de curto e longo prazos. É importante frisar que não existe uma ferramenta padrão-ouro no rastreio de alterações cognitivas causadas pelo ECT.
Incidência de casos de suicídio entre pacientes com câncer: Revisão sistemática e metanálise
Estima-se que o câncer venha a ser uma das principais causas de morte no século 21. Com o aumento da capacidade de rastreio e diagnóstico precoce, e o desenvolvimento de melhores tratamentos, atualmente mais pacientes sobrevivem à doença.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2016, cerca de 800.000 pessoas cometeram suicídio em todo o mundo, com uma taxa de 10,5 casos de suicídio por 100.000 habitantes na população geral. O suicídio de pacientes com câncer é um problema mundial. O risco de suicídio para pacientes com câncer é maior do que o da população geral (sem a doença).
Um estudo recente relatou uma taxa de 28,58 casos de suicídio por 100.000 pacientes com câncer nos Estados Unidos, um número quase três vezes maior do que na população geral. Um estudo inglês apresentou uma taxa de 11,3 casos de suicídio por 100.000 habitantes e outro estudo, realizado na Estônia, referiu uma taxa de 102,56 casos de suicídio por 100.000 habitantes. Diante destas discrepâncias, os autores do estudo em pauta entenderam que seria importante realizar uma revisão sistemática e metanálise sobre o assunto.
O trabalho incluiu estudos em inglês e chinês, de onde as taxas de suicídio foram extraídas. A taxa de suicídio por 100.000 habitantes foi o desfecho principal. Foi usado o modelo de efeitos aleatórios. Foram incluídos 36 estudos, chegando a uma taxa de suicídio de 39,72 casos de suicídio por 100.000 habitantes. A heterogeneidade foi de 99,6% (I2). A taxa de suicídio foi maior entre homens (57,78 por 100.000). O câncer de esôfago apresentou a maior taxa de suicídio (87,71 por 100.000). A taxa de suicídio apresenta uma tendência de queda com o transcorrer dos anos após o diagnóstico, com a incidência de casos se concentrando nos seis primeiros meses (89,33 por 100.000).
Para lembrar:
Este estudo apresenta dados de grande valia para prevenção de suicídio em pacientes com câncer. Devemos levar em conta a alta heterogeneidade do estudo, mas, mesmo assim, é importante sabermos que há uma alta taxa de casos nos seis primeiros meses após o diagnóstico e que a incidência é maior entre pacientes com câncer de esôfago, para pensarmos em estratégias de prevenção para estes pacientes.
Artigo publicado no Medscape em 09 de dezembro de 2020