Antidepressivos causam dependência?
Muitas vezes os pacientes questionam seus médicos a respeito das medicações prescritas, e uma pergunta que ouvimos frequentemente no consultório é se medicações como antidepressivos causam dependência.
Essa é uma questão complexa, e para respondê-la devemos primeiramente analisar alguns conceitos. Primeiramente, para se diagnosticar a síndrome de dependência de grande parte das medicações ou drogas, os seguintes critérios devem ser observados:
- Tolerância, que consiste em aumentar a dose da droga para se obter o mesmo efeito que se tinha com a dose anterior.
- A síndrome de retirada ou abstinência, que é manifestada por sinais e sintomas físicos e psíquicos após interrupção ou diminuição da droga.
- O paciente utiliza a maior parte do seu tempo na busca e na obtenção da medicação, e na recuperação dos efeitos dela, normalmente prazerosos, e muitas vezes desiste de suas atividades cotidianas para usar a droga.
- O paciente usa doses maiores do que a prescrita pelo médico, e por mais tempo (o exemplo clássico são os benzodiazepínicos).
- Histórico de repetidas tentativas de interrupção do tratamento, sem sucesso.
Segundo o DSM-5, é necessário que o paciente apresente ao menos dois desses critérios para o diagnóstico da síndrome de dependência. Porém, em relação, especificamente, ao uso de antidepressivos, isso não é tão simples assim.
Primeiramente devemos entender que algumas medicações estão incluídas erroneamente na classificação de “antidepressivos”, nomenclatura que há muito tempo vem sendo criticada por não atuar em todas as “depressões”, e atuar em outras afecções como, por exemplo, o transtorno obsessivo compulsivo (TOC).
O principal exemplo de um “antidepressivo” que foi mal classificado é a bupropiona, que na verdade é uma anfetamina. O sinônimo para bupropiona é 3-Chloro-N-tert-butyl-β-keto-α-methylphenethylamine ou amfebutamone. A bupropiona tem uma estrutura química parecida com a das anfetaminas. Esta é uma diferença enorme, pois sabemos que, neste caso, as anfetaminas causam dependência e abuso, preenchendo os critérios anteriores. Outro fator importante de se entender é a tolerância.
Até 1980, quando se iniciou a terceira edição do DSM-3, não havia a separação entre depressão maior ou unipolar, e transtorno afetivo bipolar (TAB). O que havia era a doença maníaco-depressiva que incluía as duas doenças. Essa era a visão Kraepeliana, que foi substituída pela visão Leonhardiana, que leva em conta os polos, sejam depressivos ou maníacos, em relação aos transtornos do humor. Neste caso não importava se o paciente tivesse três episódios depressivos ou 20 episódios maníacos, o diagnóstico seria o mesmo.
Kraepelin identificou também que os episódios mistos são os mais comuns nos pacientes com doença maníaco-depressiva, e os antidepressivos têm uma tendência a piorar estes quadros. Portanto, TAB não é sinônimo de doença maníaco-depressiva. Pode-se entender que o uso de antidepressivos nestes pacientes pode piorar o curso da doença e causar ciclagem rápida, o que pode ser interpretado erroneamente por muitos clínicos como tolerância.
Para estes casos específicos denomina-se taquifilaxia, que é quando o paciente perde a resposta ao antidepressivo, fazendo com que se aumente a dose para buscar o efeito anterior, o que muitas vezes não ocorre. Sabe-se, desde a década de 60, que os antidepressivos podem causar a síndrome de retirada, que se manifesta através dos seguintes sintomas: agitação, ansiedade, insônia, sensação de “choques elétricos” na cabeça, e náuseas, entre outros. A intensidade destes sintomas pode variar de acordo com o tempo de uso, e eles ocorrem em aproximadamente 20% dos pacientes com depressão unipolar e em 60% dos pacientes bipolares.
A causa principal é desconhecida, mas a incidência maior acontece com antidepressivos de meia-vida curta, principalmente venlafaxina, duloxetina, paroxetina e imipramina. A melhor maneira de se tratar a síndrome de retirada é usando a fluoxetina, pois esta tem a maior meia vida entre os antidepressivos (quase uma semana). Sendo assim, o indicado seria iniciar a fluoxetina lentamente, e diminuir gradualmente o antidepressivo que estava sendo usado.
É difícil enquadrar os antidepressivos em uma classe de medicação que cause dependência. Muitos problemas apresentados por pacientes que usam antidepressivos são reflexo de um diagnóstico equivocado. Quando e como antidepressivos devem ser prescritos é um assunto importante, que será abordado em um próximo texto. Algumas correntes de pensamento defendem que antidepressivos e outros remédios psiquiátricos causam dependência, porém sem o devido embasamento.
Quando se usa informações sem as devidas comprovações, ou quando não se abre as portas para um verdadeiro debate, isso se torna um risco para os pacientes, que se sentem confusos e não sabem a quem recorrer. Além disto, atitudes como estas aumentam o estigma em relação ao paciente psiquiátrico, que acaba tendo suas queixas marginalizadas. A principal atitude que os médicos, sejam eles psiquiatras ou não, podem fazer para diminuir o estigma é exigir debates claros e justos com evidências cientificas confiáveis. Esse é o nosso dever!
Artigo publicado no Medscape em 25 de julho de 2017