Estudo indica aumento de casos de suicídio em função da Covid-19
Covid-19, desemprego e suicídio
A pandemia de Covid-19 (sigla do inglês, Coronavirus Disease 2019) introduziu medidas restritivas que ocasionaram efeitos na economia global, incluindo aumento da taxa de desemprego mundial.
Um estudo anterior buscou compreender a relação entre o desemprego e o suicídio. Os autores deste trabalho utilizaram dados provenientes de 63 países coletados entre 2000 e 2011, o que inclui o ano de 2008, quando houve uma crise econômica mundial. A pesquisa indicou um aumento do risco de suicídio de aproximadamente 20% a 30% neste período. O modelo utilizado para o cálculo do risco nesta ocasião foi agora adaptado para tentar prever o efeito do desemprego nos índices de suicídio durante a pandemia.
Cerca de 800.000 pessoas se suicidam todos os anos no mundo. Foi utilizado o modelo com sexo, idade e taxa de desemprego para descrever uma relação não linear entre desemprego e suicídio. As estimativas foram aplicadas aos dados do Banco Mundial. O número estimado de empregos perdidos em função da pandemia de Covid-19 foi fornecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU).
O cenário mais conservador estima 24,7 milhões de empregos perdidos e o mais otimista calcula 5,3 milhões de empregos perdidos, representando, portanto, um aumento de 4.936% a 5.644% de desempregados no pior cenário, o que poderia levar a um aumento de 9.570 suicídios por ano. No cenário mais otimista o aumento seria de 2.135 suicídios.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada pessoa que comete suicídio, existem outras 20 pessoas que realizam tentativas de suicídio. Então, o número de pessoas com sofrimento psíquico que irão procurar ajuda em serviços de saúde psiquiátrica durante a pandemia deve aumentar. Dados da crise econômica de 2008 revelam um aumento no número de suicídios precedendo o aumento da taxa de desemprego. É esperado um aumento da sobrecarga dos serviços de saúde psiquiátrica. A comunidade médica deve estar preparada para este desafio. É importante que hotlines e serviços psiquiátricos estejam prontos para esta fase da pandemia.
Para lembrar:
Os efeitos da pandemia, que todos esperam que passe o quanto antes, não terminaram com a simples extinção do vírus. É importante lembrar que esta é uma crise sanitária com efeitos na economia dos países. Como o texto nos alerta, existe a possibilidade de um aumento na taxa de suicídio nos próximos meses. Precisaremos lidar com os preconceitos que rondam o tema, mas definitivamente, o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde devem preparar um plano para atender esses pacientes.
Transtorno bipolar parental, ambiente familiar e doenças psiquiátricas dos filhos: Uma revisão sistemática
Filhos de pais com transtorno bipolar têm mais risco de apresentar transtorno bipolar e outras doenças psiquiátricas do que filhos de pais sem doenças psiquiátricas. De fato, existem vários estudos que mostram que a doença tem um forte componente hereditário. No entanto, o transtorno bipolar é uma doença complexa, com a etiologia atribuída a uma combinação genética e do meio.
O hiato entre entender a transmissão intergeracional do transtorno bipolar e o impacto do meio dentro de um contexto de alto risco limita as oportunidades para o tratamento efetivo ou a prevenção. É imperativo que sejam identificados fatores modificáveis associados ao aumento do risco de doenças psiquiátricas entre filhos de pais com transtorno bipolar, assim como fatores protetores associados ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas em contextos de alto risco de transtorno bipolar.
O ambiente familiar é um domínio de particular interesse com relação ao alto risco de transtorno bipolar, devido à grande importância no desenvolvimento da criança, além da hipótese de que estressores ambientais relacionados com o transtorno bipolar dos pais aumentam o risco, além da possibilidade da questão genética.
A importância do ambiente familiar para o desenvolvimento físico, psicológico e sócio emocional é bem estabelecida. Teorias familiares tendem a enfatizar a relação entre pais e filhos, a relação interparental e a natureza transacional da interação familiar. Neste estudo, os pesquisadores focaram mais na relação entre pais e filhos e na natureza dinâmica transacional, como oposto da relação interparental.
Uma fonte chave de conhecimento sobre o transtorno bipolar tem sido os estudos com amostras de alto risco, que focam em subgrupos com aumento de risco de apresentar a doença, devido a uma ou mais causas, como história familiar. Estes estudos são realizados por comparação entre famílias com ou sem risco familiar de determinada doença. Para aumentar o entendimento do processo de risco de transmissão intergeracional do transtorno bipolar, seria importante identificar características próprias do ambiente familiar com pais diagnosticados com transtorno bipolar e relacionar tais características aos desfechos dos filhos.
Recentemente, diversos grupos de pesquisadores revisaram as características do ambiente familiar de pessoas com transtorno bipolar, mas não usaram procedimento sistemáticos para avaliar a literatura. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática dos estudos não experimentais de pais com transtorno bipolar, ambiente familiar e doença psiquiátrica dos filhos em famílias com ou sem pais com transtorno bipolar.
Foram incluídos 13 estudos. O achado mais consistente foi uma baixa coesão entre pais com transtorno bipolar. O ambiente familiar não se diferenciou entre famílias com pais com ou sem transtorno bipolar. Não houve diferença no ambiente familiar entre famílias com pais com transtorno bipolar e outras doenças psiquiátricas. Filhos de pais com transtorno bipolar têm maior prevalência de doenças psiquiátricas, quando comparados com filhos de pais sem doenças psiquiátricas. Já famílias com crianças com transtorno bipolar apresentam maior nível de conflito que famílias com crianças sem transtorno bipolar.
Para lembrar:
O transtorno bipolar é uma doença complexa que muitas vezes atinge não apenas o paciente, mas também as pessoas próximas a ele, podendo alterar principalmente as relações familiares. A terapia de casal e de família se apresenta como um instrumento essencial em casos de alta complexidade.
Testes diagnósticos e procedimentos terapêuticos anteriores a morte por doença cardiovascular em pacientes com doença psiquiátrica grave
Indivíduos com esquizofrenia ou transtorno bipolar, consideradas como doenças psiquiátricas graves, apresentam maior prevalência de fatores de risco de doença cardiovascular, uma morbidade cardiovascular maior e uma mortalidade aumentada por doenças cardiovasculares em comparação com a população em geral.
Metanálises reportam um monitoramento metabólico menor em indivíduos com doenças psiquiátricas graves e menor índice de tratamento da hipertensão arterial. Estes dados também foram achados em países com acesso universal a saúde. Recentes estudos mostram que pacientes, com ou sem doença psiquiátrica grave, têm o mesmo acesso a tratamento após infarto agudo do miocárdio (IAM). Com relação a indivíduos jovens, verifica-se uma taxa maior de prescrição de estatinas e revascularização para pacientes com doença psiquiátrica grave, quando comparados a controles.
Estudos anteriores mostraram uso menor, igual e maior de testes relacionados com doença cardiovascular em atendimento primário entre indivíduos com doença psiquiátrica grave. Com a exceção de tratamentos após IAM, poucos estudos avaliaram exames e tratamentos para doença cardiovascular realizados em centros especializados por pacientes com doença psiquiátrica grave. Este é o primeiro estudo que avalia a prevalência de testes diagnósticos e tratamento invasivo para doença cardiovascular em pacientes com esquizofrenia e transtorno bipolar.
Participaram do estudo 72.385 indivíduos os quais faleceram por doenças cardiovasculares, dos quais 1.487 foram diagnosticados com doença psiquiátrica grave. Foi aplicada a regressão log-binomial para estudar o impacto da doença psiquiátrica grave na captação de testes diagnósticos cardiovasculares.
Pacientes com ou sem doença psiquiátrica grave apresentaram prevalências similares de testes diagnósticos em serviços primários, mas pacientes esquizofrênicos tiveram prevalências menores de exames cardiovasculares (RP = 0,78; intervalo de confiança, IC, de 95% de 0,73 a 0,85). Pacientes com doença psiquiátrica grave tiveram menor prevalência de tratamento invasivo cardiovascular (esquizofrenia: RP = 0,58; IC 95% de 0,49 a 0,70). Já os pacientes com transtorno bipolar apresentaram RP = 0,78; IC 95% de 0,66 a 0,92.
Para lembrar:
Este estudo mostra a importância de orientar pacientes com doença psiquiátrica grave mais atentamente sobre o diagnóstico e o tratamento de doenças cardiovasculares. Pacientes com doenças psiquiátricas graves, como esquizofrenia, podem ser mais negligentes com a própria saúde em geral. É dever do médico assistente, seja ele psiquiatra ou não, conduzir estes pacientes para exames de rotina para que seja possível detectar outras doenças graves.
Artigo publicado no Medscape em 01 de junho de 2020