Consequências do uso de Cannabis na adolescência
Uso de Cannabis durante a adolescência e a ocorrência de depressão, comportamento suicida e transtornos de ansiedade na idade adulta: achados de um estudo de coorte longitudinal de 30 anos
Um número significativo de evidências sugere que o uso de Cannabis durante a adolescência aumenta o risco de transtornos psicóticos na vida adulta. Baseada em estudos mendelianos randomizados, esta associação parece ser, no mínimo, parcialmente causal. No entanto não está totalmente claro se o uso de Cannabis na adolescência prediz transtornos afetivos.
Um estudo de coorte longitudinal de 35 anos, com participantes do sexo masculino, relatou uma fraca associação entre uso de Cannabis e aumento do risco de depressão. Esta associação acabou desaparecendo após ajuste para outras covariantes.
Outro estudo prospectivo populacional – com duração de três anos e que incluiu homens e mulheres adultos – concluiu que o uso de Cannabis no início do estudo apresentou uma associação fraca com depressão e ansiedade. Esta associação também desapareceu depois do controle para covariantes.
Um estudo de coorte longitudinal feito com estudantes entre 14 e 15 anos, que teve acompanhamento de sete anos, reportou uma forte associação entre o uso precoce de Cannabis e o surgimento de depressão e ansiedade na vida adulta. Neste caso a associação persistiu mesmo após o ajuste para covariantes.
Uma metanálise composta de estudos longitudinais concluiu que o uso de Cannabis por adolescentes predispõe ao desenvolvimento de depressão, ideação suicida e tentativa de suicídio em adultos jovens, mas não predispõe a ansiedade.
O objetivo deste estudo foi reavaliar a associação entre o uso de Cannabis por adolescentes e transtornos afetivos e de ansiedade na idade adulta. Os pesquisadores foram além e focaram separadamente em transtornos afetivos, de ansiedade e comportamento suicida. Além disso, foi realizado controle não apenas para covariantes da linha de base, como ambiente familiar e situação socioeconômica, mas também para uso concomitante de álcool e outras drogas. O estudo observou os participantes por 30 anos, sendo o estudo longitudinal com maior duração até o momento.
Para isso, foram avaliados 591 sujeitos retrospectivamente, entre 19 e 20 anos de idade, para uso de Cannabis na adolescência. Os pacientes são provenientes de Zurich, na Suíça. A ocorrência de depressão, comportamento suicida e transtorno de ansiedade foi avaliada repetidamente por meio de uma entrevista semiestruturada clínica (SPIKE) quando os participantes tinham de 20 a 21 anos, de 22 a 23 anos, de 27 a 28 anos, de 29 a 30 anos, de 34 a 35 anos, de 40 a 41 anos e de 49 a 50 anos.
As associações foram controladas para diversas covariantes, incluindo privação econômica na adolescência e também para diversas medidas para abuso de substância durante a idade adulta.
Em torno de 25% dos participantes relataram uso de Cannabis na adolescência. Destes, 11% iniciaram o uso entre 15 e 16 anos ou mais jovens; 13% iniciaram o uso entre 16 e 17 anos e entre 19 e 20 anos. No modelo multivariado, o uso de Cannabis na adolescência foi associado a depressão na vida adulta (razão de chances ou odds ratio, OR, = 1,70; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,24 a 2,32) e comportamento suicida (OR = 1,65; IC 95% de 1,11 a 2,47). Porém, os pesquisadores constataram que não há associação significativa com transtornos de ansiedade (OR = 1,10; IC 95% de 0,82 a 1,48).
Para lembrar:
Este estudo longitudinal com duração de mais de 30 anos nos mostra que o uso precoce de Cannabis na adolescência pode trazer graves consequências para os pacientes.
Um adulto, por exemplo, que iniciou o uso de Cannabis na adolescência, tem 65% mais chances de cometer suicídio em comparação com aqueles que não fizeram uso desta substância. Este dado é bastante preocupante, mais uma vez, no contexto da legalização da maconha em um país como o Brasil, onde a fiscalização é deficitária, como em relação ao tabaco e ao álcool.
Transtorno por uso de álcool e risco de suicídio: uma coorte sueca
Suicídio é um problema de saúde pública responsável por milhares de mortes no mundo, com riscos multifatoriais como genética, estressores ambientais e comorbidades. O transtorno por uso de álcool é muito comum e está relacionado com diversos desfechos. Este tipo de transtorno está associado a mais de 5% das mortes em todo o mundo, podendo ocorrer junto com outras doenças psiquiátricas.
Muitas vezes transtornos afetivos e psicóticos, associados a transtornos por uso de álcool têm como desfecho o suicídio. Quando isso ocorre é difícil estabelecer a natureza da associação. A associação observada pode ser devido ao direto efeito causal e/ou a fatores de confusão que afetam o risco de suicídio e de transtorno por uso de álcool. A resposta para essa pergunta não é simples, tendo em vista a necessidade de uma amostra grande para estimar uma relação entre transtorno e suicídio.
Tanto transtorno por uso de álcool como suicídio têm agregação familiar – e m parte por mecanismos genéticos. Usando um ensaio com gêmeos, a inferência causal é melhorada, levando em conta fatores familiares, genéticos e ambientais que podem agir como fatores de confusão.
Neste estudo foram usados dados da população sueca para responder a duas questões. Primeiramente foi testado se transtorno por uso de álcool e suicídio têm associação, antes e depois de se levar em conta outras doenças psiquiátricas. Segundo, foi avaliado se esta associação é atribuída a fatores de confusão como: fatores familiares, potencial processo causal ou uma combinação de mecanismos através do uso de modelos de controle familiar.
Para isso foi utilizada uma coorte prospectiva e análise familiar (co-relative design) incluindo dados de 2.229,880 sujeitos nascidos entre 1950 e 1970, e observados dos seus 15 anos até o ano de 2012. As taxas de suicídio durante o período de observação foram de 3,54% para mulheres e de 3,94% para homens com transtorno por uso de álcool, comparando com 0,29% para mulheres e 0,76% para homes sem o transtorno.
Nos modelos ajustados, o transtorno por uso de álcool continua robustamente associado ao suicídio (razão de risco ou hazard ratio, HR, variou de 2,61 a 128,0 para mulheres e de 2,44 a 28,0 para homens). A análise familiar mostrou uma potencial relação causal, mesmo com história de outros diagnósticos psiquiátricos.
Para lembrar:
Como observado em relação a Cannabis, o uso de álcool é um outro fator de risco que deve sempre ser avaliado na rotina dos pacientes, seja no consultório ou no pronto-socorro. O estudo nos traz dados bastante robustos, tanto para homens como para mulheres. Políticas públicas, principalmente neste momento de quarentena em que há relatos do aumento do uso de álcool são fundamentais, pois é possível que o número de suicídios também aumente após a pandemia.
Associação entre luz artificial externa à noite com transtornos mentais e padrões de sono em adolescentes americanos
Distúrbios dos ritmos diários de sono e atividade têm sido observados em indivíduos com transtornos mentais, especialmente os diagnosticados com transtornos do humor. Esta associação é possivelmente bidirecional e não simplesmente por causa do efeito da doença mental no ritmo diário. Alguns estudos prospectivos têm identificado alterações do sono como antecedentes ao desenvolvimento de transtorno bipolar. Além disso, as alterações do ritmo comportamental normalmente precedem episódios do humor em sujeitos com transtorno bipolar.
Ritmos diários são dirigidos pelo ciclo luz-escuridão, que é a maior fonte de informação do corpo sobre a hora do dia. A secreção de melatonina começa no escuro e é fortemente inibida pela exposição à luz. A luz é também o principal guia natural do ciclo circadiano do processo celular e genético. A informação da luz é transmitida pela retina até o núcleo supraquiasmático, que age como um relógio central e ajuda a sincronizar outros relógios periféricos com o ambiente. Entende-se que a exposição à luz durante a noite aumenta o risco de doenças por contribuir para a desregulação e dessincronização do ritmo biológico e comportamental diário.
Em 2012 a associação médica emitiu uma declaração citando preocupações sobre os desfechos de saúde associados à exposição à luz durante a noite, inclusive transtornos do humor. Múltiplas linhas de pesquisa suportam a ideia de que a exposição à luz pode afetar negativamente o humor. Estudos com modelos animais mostraram que a exposição à luz durante a noite induz depressão e ansiedade, além de elucidar mecanismos neurais para estes desfechos.
Estudos avaliando a exposição à luz artificial noturna (LAN) interna à noite têm sido associados à saúde mental. Além disso, a terapia com luz tem sido utilizada no tratamento dos transtornos do humor há bastante tempo.
Alguns estudos comunitários e populacionais demonstraram associação entre luz artificial noturna externa e padrões de sono. Apenas um estudo foi conduzido associando luz artificial noturna externa e saúde mental em nível populacional. Este estudo, com participantes adultos coreanos, mostrou que sujeitos que vivem em distritos como maior luz artificial noturna externa relataram mais sintomas depressivos e ideação suicida. Neste estudo transversal conduzido entre 2001 e 2004, os autores usaram dados de uma amostra representativa de adolescentes americanos, para estimar a associação entre luz artificial noturna externa e padrões de sono e doenças mentais. Como segundo objetivo foi avaliado se as associações diferem entre sexo e idade.
No total, 10.123 adolescentes, entre 13 e 18 anos, participaram do estudo. Destes, 51,3% eram meninos com média de idade de 15,2 anos. Os níveis de luz artificial noturna externa foram medidos via satélite, com valores transformados em unidade de luminosidade. Durante as entrevistas os adolescentes foram questionados sobre doenças mentais, além de padrões de sono (hora de dormir, horários em que acordam durante semana e no final de semana). Os níveis de luz artificial noturna são positivamente associados a indicadores sociais piores, como minorias raciais étnicas (negros e hispânicos) e menor renda.
Após ajuste para várias características sociodemográficas, densidade populacional e status socioeconômico, associou-se maior luz artificial noturna externa a um horário mais tardio de dormir. A luz artificial noturna está associada transtorno bipolar (razão de chances ou odds ratio, OR, = 1,19; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,05 a 1,35) e depressão maior (OR = 1,07; IC 95% de 1,00 a 1,15).
Para lembrar:
A higiene do sono é fundamental para todos manterem uma saúde mental equilibrada, principalmente crianças e adolescentes. É importante que os pais façam controle do uso de celulares, televisão e tabletes no período anterior ao sono. Também é de extrema importância controlar a entrada de luz externa com cortinas e persianas, principalmente no verão, quando a incidência de luz é maior e pode desencadear episódios, principalmente em pacientes com transtorno bipolar.
Artigo publicado no Medscape em 17 de agosto de 2020