Suscetibilidade ao alcoolismo em filhos de pais alcoólatras
Transtorno decorrente do uso de álcool em pais com ou sem outras doenças mentais e a associação entre transtorno decorrente do uso de álcool nos filhos
O transtorno decorrente do uso de álcool (TDUA) é uma das doenças mentais mais prevalentes no mundo. Na Europa, a prevalência chega a 7,5% na população geral. Há fortes evidências de que o TDUA tem laços genéticos, principalmente em estudos com gêmeos, crianças adotadas ou com famílias inteiras. Estes estudos demostraram que a presença do transtorno nos pais é um fator de risco para seus filhos desenvolverem a doença.
Algumas questões importantes devem ser levadas em consideração quando o TDUA dos pais é associado ao risco de transtorno por parte dos seus filhos, como a influência de outras doenças mentais dos progenitores.
Sabe-se que o TDUA tem alta prevalência de comorbidade com doenças mentais comuns, e graves, incluindo transtornos psicóticos, do humor e outros transtornos de uso de substância; mais da metade dos pacientes diagnosticados com TDUA também têm outra doença mental. Pesquisas confirmam que indivíduos com TDUA e outra doença mental têm mais risco de recaída, mais problemas físicos e mais resistência ao tratamento.
Poucos estudos investigam o papel e a repercussão das doenças mentais concomitantes ao TDUA nos filhos dos portadores dessas doenças. Estudos transversais mostraram que filhos de pais com TDUA e outras doenças mentais tiveram mais risco de apresentar o transtorno quando comparados a filhos de pais que tinham apenas o TDUA. Estudos prospectivos mostraram que a presença de outras doenças mentais junto com o TDUA não aumenta o risco de os filhos terem o transtorno.
Este estudo se propôs a investigar a associação entre o TDUA em pais (com ou sem outras doenças mentais) e seus filhos. Outras doenças mentais foram avaliadas, no geral e separadamente, como transtornos psicóticos, do humor, de ansiedade, de personalidade e de abuso de substância. Para isto, foi usado o banco de dados nacional dinamarquês, onde foram identificados 15.477 filhos de pais com TDUA, além de 154.392 indivíduos da população geral. Pais com TDUA foram definidos quando se apresentaram para o tratamento. As outras doenças mentais dos pais foram identificadas através dos prontuários. Foi usado o modelo de regressão de Cox para calcular a razão de risco (HR, sigla do inglês hazard ratio).
A presença de TDUA em um ou em ambos os pais foi associada a aumento do risco da doença nos filhos, em comparação com a população geral.
Nos casos em que o pai tinha TDUA associado a outra doença mental, o risco de os filhos terem o transtorno aumentou mais de duas vezes (HR = 2,27; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 2,10 a 2,46); quando o pai tinha apenas TDUA, o risco também foi significativo (HR = 2,21; IC 95%, de 2,07 a 2,36).
Nos casos em que a mãe apresentava TDUA associado a outras doenças mentais, o risco foi três vezes maior de seu filho apresentar a mesma doença, em comparação com a população geral (HR = 3,02; IC 95%, de 2,66 a 3,43); quando a mãe tinha apenas TDUA, o risco foi um pouco menor (HR = 2,57; IC 95%, de 2,20 a 3,01).\
Para lembrar:
Os dados apresentados neste estudo são muito importantes para a criação de possíveis estratégias de prevenção ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes. Filhos de pais que apresentam problemas com bebidas alcoólicas são mais suscetíveis a ter problemas relacionados com o consumo da substância. Os pediatras deveriam pesquisar a história familiar dos pais e, em casos positivos de abuso de álcool, encaminhar estes pacientes para programas de prevenção do consumo de bebidas alcoólicas e de drogas.
Morte de pacientes com doença mental grave por doenças cardiovasculares não diagnosticadas
Pacientes com diagnóstico de doença mental grave, como esquizofrenia ou transtorno afetivo bipolar (TAB), costumam ter a saúde cardiovascular prejudicada. O aumento da incidência de doenças cardiovasculares em indivíduos com doenças mentais graves tem sido documentado, assim como o aumento da mortalidade, em comparação com a população geral.
A mortalidade por doenças cardiovasculares diminuiu 50% na população geral, mas permanece alta entre indivíduos com doença mental grave. Um estudo feito na Noruega entre 2009 e 2015 com pacientes com esquizofrenia, demonstrou que houve aumento de quatro a cinco vezes no risco de morte por doença cardiovascular, em comparação com a população geral.
O aumento na mortalidade por doença cardiovascular em indivíduos com doença mental grave é normalmente atribuído a questões socioeconômicas, dietas alimentares não saudáveis, falta de atividade física, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e efeitos colaterais metabólicos dos antipsicóticos.
Existe também uma sobreposição entre risco genético de doença mental grave e risco genético de diabetes tipo 1, hipertensão e doença cardíaca não reumática. Existe um aumento da preocupação de que o subdiagnóstico e o atraso no tratamento das doenças cardiovasculares também contribuam para o aumento da mortalidade entre estes pacientes.
Estudos metanalíticos apresentam um cuidado preventivo menor em pacientes com doença mental grave. Também têm sido reportadas menores taxas de prescrição de medicamentos para doenças cardiovasculares nestes pacientes. Em uma pesquisa entre usuários de serviços de saúde mental, 39% dos pacientes relataram não ter discutido os fatores de risco para doença cardiovascular com os profissionais de saúde.
Apesar de o assunto ser pouco discutido, um estudo nacional teve destaque quando relatou a proporção de indivíduos que morreram de doença isquêmica cardíaca não diagnosticada, demonstrando que a incidência foi maior em indivíduos com esquizofrenia, em comparação com a população geral, mas não foi significativamente maior que entre pacientes com TAB. Quando a análise foi restrita a pacientes previamente diagnosticados com doença isquêmica, pacientes com esquizofrenia apresentaram uma associação modesta com mortalidade por doença isquêmica. Isso indica que mortes prematuras por doença cardiovascular em pacientes com doença mental grave podem ser prevenidas.
O objetivo deste estudo foi analisar se indivíduos com ou sem esquizofrenia ou TAB, têm igual propensão de serem diagnosticados com doença cardiovascular, anteriormente à morte por doença cardiovascular. O objetivo secundário foi descrever se existe alguma diferença relacionada com o sexo entre indivíduos com esquizofrenia e TAB, e descrever características demográficas, comorbidades e utilização de assistência médica em indivíduos com esquizofrenia ou TAB com doença cardiovascular não diagnosticada anteriormente à morte.
Para isto, foram utilizadas informações contidas no banco de dados nacional norueguês, entre 2011 a 2016. Foram incluídos 72.451 pacientes que morreram devido a eventos cardiovasculares. Entre eles, 814 tinham diagnóstico de esquizofrenia e 673 de transtorno afetivo bipolar.
Indivíduos com esquizofrenia apresentaram 66% mais chance de não serem diagnosticados com doença cardiovascular. Já mulheres com TAB apresentaram um risco aumentado de não serem diagnosticadas com doença cardiovascular, em comparação com indivíduos sem doença mental grave (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,38; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,04 a 1,82). Praticamente todos os indivíduos com doença mental grave fizeram ao menos uma visita ao seu clínico geral ou especialista antes de morrer.
Para lembrar:
Indivíduos com esquizofrenia e mulheres com TAB têm mais chance de não serem diagnosticados com doença cardiovascular. É importante que psiquiatras, clínicos e cardiologistas peçam avaliações cardiovasculares frequentes para pacientes com estes diagnósticos, entendendo que estas doenças podem ser consideradas como fator de risco de eventos cardiovasculares.
Efeito da exposição da violência por armas de fogo em vídeo games nas crianças e sua relação com comportamentos perigosos com armas de fogo reais
Diariamente, cerca de 50 crianças e adolescentes, apenas nos Estados Unidos, são vítimas de armas de fogo – frequentemente como resultado da negligência dos pais, que mantêm armas de fogo carregadas em lugares pouco seguros. Entre as pessoas que têm crianças e armas em casa, aproximadamente 20% têm ao menos uma arma carregada guardada em algum lugar pouco seguro.
As crianças norte-americanas têm risco 10 vezes maior de morrer por disparos não intencionais, em comparação com as crianças de outros países desenvolvidos.
Caso uma criança ache uma arma de fogo em casa, muitos fatores podem influenciar a sua decisão de brincar ou não com ela.
Este estudo focou na exposição de crianças a cenas de violência por armas de fogo em video games, e foi controlado por vários outros potenciais fatores. Baseado na teoria de aprendizado social, o estudo levanta a hipótese de que crianças expostas a cenas de violência por armas de fogo em video games irão mimetizar este comportamento.
De acordo com a teoria de aprendizado social, as pessoas aprendem estratégias comportamentais por experiência direta e por observação de outros. Segundo esta teoria, as pessoas observam e copiam ou imitam o comportamento do outro, o que é chamado de modelagem. O modelo pode ser uma pessoa real ou um personagem fictício.
Para este estudo, a modelagem pode ocorrer especialmente quando os potenciais desfechos para um comportamento são perigosos. A identificação com o modelo é um fator importante, quanto mais a pessoa se identifica com o modelo, mas ela irá internalizar o comportamento, especialmente se houver recompensa na sua execução.
Em 2017, em um estudo randomizado 104 crianças entre 8 e 12 anos foram testadas em pares e randomicamente distribuídas para assistir 20 minutos de videoclipe, com ou sem armas. Após assistirem ao videoclipe, as crianças foram colocadas em diferentes salas, com uma câmera escondida, com brinquedos e jogos para se distraírem por 20 minutos. Em cada sala havia um armário, no qual estava guardada uma arma de fogo verdadeira, descarregada. As crianças que assistiram ao videoclipe que mostrou cenas com armas de fogo manusearam a arma por mais tempo e apertaram o gatilho mais vezes do que as crianças que assistiram ao filme sem cenas com armas de fogo.
O estudo em questão pretendia replicar os achados do estudo feito com videoclipes, mas dessa vez os pesquisadores usaram video games violentos, incluindo um participante ativo (o jogador) e um passivo (o expectador).
Com o video game os participantes poderiam aprender por experiência direta (jogando o jogo) e pela observação de outros (modelagem).
Baseado em um estudo de 2008, os autores presumiram que os jogadores teriam efeitos mais intensos do que os expectadores. Para distinguir violência por arma de fogo e violência em geral os autores colocaram duas condições: com armas e espadas e não violência como controle.
Os participantes foram randomizados em três grupos que jogaram três versões do jogo Minecraft por 20 minutos – com armas de fogo, com espadas ou sem violência. Após isto, as crianças foram colocadas em diferentes salas e orientadas a brincar com brinquedos e jogos por 20 minutos. Em cada sala havia um armário com duas armas escondidas, descarregadas, com contador de apertos de gatilhos. A sessão foi gravada.
Do total de 242 participantes, 220 encontraram as armas e foram incluídos na análise. Dos participantes incluídos na análise, 58,6% eram meninos, com média de idade de 9,9 anos. Entre as 76 crianças que jogaram a versão com arma de fogo, 61,8% tocaram na arma de fogo real. Entre as 74 crianças que jogaram versão com espada, 56,8% tocaram na arma de fogo real. Entre as 70 crianças que jogaram a versão sem violência, 44,3% tocaram na arma de fogo real.
Os participantes que jogaram as versões que incluíam violência, atiraram mais em si mesmos e em seus colegas do que os que jogaram a versão sem violência.
Outros fatores de risco de comportamento perigoso com arma de fogo incluem exposição a mídias violentas e comportamentos agressivos. A exposição à mídias violentas foi positivamente associada a um número maior de apertos de gatilhos (IRR = 1,40; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,00 a 1,98) assim como comportamento agressivo (IRR = 13,52; IC 95% de 3,14 a 58,29). O número de apertos de gatilho representa tanto contra si como contra seus colegas (IRR = 25,69; IC 95% de 5,92 a 111,39). O tempo que o participante ficou segurando a arma também foi relacionado com o tempo de exposição à mídias violentas (IRR = 4,22; IC 95%, de 1,62 a 11,02).
Para lembrar:
A exposição de crianças à mídias violentas é um gatilho para comportamentos violentos e agressivos. É extremamente importante evitar o contato das crianças com video games e filmes violentos, principalmente com armas de fogo. Sob o olhar da saúde pública, políticas de flexibilização ao acesso às armas de fogo devem ser repensadas, tendo em vista que como comprova o estudo, a combinação com a violência dos games pode levar a sérias consequências.
Artigo publicado no Medscape em 05 de julho de 2019
Paranaense participa de mesa redonda em Congresso Anual da Associação Americana de Psiquiatria
Dr. Sivan Mauer discutiu o possível uso do lítio no tratamento da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC); mesa contou ainda com a presença dos psiquiatras Nassir Ghaemi e Bennet Omalu
No maior evento de Psiquiatria do mundo - o Congresso Anual da Associação Americana de Psiquiatria (APA) -, ocorrido entre os dias 18 e 22 de maio na cidade norteamericana de São Francisco, o médico paranaense Sivan Mauer (CRM-PR 19.196) participou de mesa redonda para discutir o possível uso do lítio no tratamento da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), doença anteriormente conhecida como “demência pugilística” e que ficou amplamente conhecida após o filme “Um homem entre gigantes” (Concussion, 2015). A ETC é uma doença degenerativa do cérebro que pode ser desencadeada após repetidos traumas cranianos.
Congresso Anual da APA ocorreu na cidade de São Francisco, nos EUA (Foto: Arquivo pessoal)
Ao lado de seu orientador, o psiquiatra Nassir Ghaemi, e do neuropatologista Bennet Omalu – que ficou conhecido por descobrir achados de ETC em jogadores de futebol americano da National Football League (NFL) e ter estrelado o filme sobre o assunto -, Dr. Mauer discutiu as hipóteses levantadas pelo artigo que escreveu em conjunto com os outros dois médicos. Com o tema “Chronic Traumatic Encephalopathy: Challenges for Psychiatry”, a mesa redonda ocorreu no dia 20 e contou também com a participação da bióloga Amanda Woerman, professora da Universidade da Califórnia.
“Publicamos esse artigo recentemente na revista Bipolar Disorder, no qual apresentamos uma provável hipótese de tratamento e prevenção para uma doença que não possui nenhum tipo de tratamento até hoje”, explica o Dr. Mauer. Ele avalia, ainda, que o assunto é especialmente interessante por levantar a possibilidade de atletas que praticam esportes com contato físico e potenciais traumas cranianos desenvolverem a doença. O psiquiatra ressalta que, apesar de o assunto ter ganhado notoriedade por acometer jogadores de futebol americano, há evidências de que a doença ocorra também em jogadores de futebol, como o capitão da Seleção Brasileira na Copa de 1958, Bellini, morto em 2014.
Dr. Sivan Mauer (esq.) e Dr. Nassir Ghaemi durante o evento da APA (Foto: Arquivo pessoal)
“O lítio pode ser uma saída para esses pacientes porque há dados muitos robustos de que ele previne a demência, o suicídio e os transtornos de humor e impulsividade, características marcantes dos pacientes com ETC”, pontua. O medicamento teria ação tanto em relação às características clínicas – tratamento e prevenções primária (para que a doença não se instale) e secundária (para prevenir sintomas da doença já instalada) – como em relação às fisiopatológicas.
Neste último caso, a substância pode interferir no desenvolvimento da doença, inibindo tanto a proteína tau, que se desdobra de forma patológica e sofre agregações neurofibrilares nos pacientes acometidos pela ETC, como, principalmente, na proteína GSK3 Beta, auxiliando na diminuição da proteína tau fosforilada.
Dr. Mauer ressalta que o estudo das propriedades farmacológicas do lítio é foco de suas pesquisas desde 2014, quando, em revisão bibliográfica, em conjunto com Nassir Ghaemi, identificou que mesmo doses muito baixas da substância podem ser efetivas na prevenção de demência e depressão. “O lítio é a principal droga da psiquiatria. Ele é extraído de uma rocha chamada petalita, mas há também lugares em que a água é muito rica nessa substância. Nesses locais, identificamos taxas menores de crime e suicídio na população”, comenta.
Formação
Formado em Medicina pela PUCPR em 2002, Dr. Mauer é especialista em Psiquiatria com área de atuação em Psiquiatria da Infância e Adolescência. É mestre em pesquisa clínica pela Boston University School of Medicine, doutorando em psicogeriatria no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo e professor colaborador da Universidade de Jundiaí na disciplina de Psicogeriatria.
Especialista em transtornos do humor, é editor de psiquiatria no Brasil do site americano Medscape e integrante da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-PR. Após morar por três anos nos Estados Unidos, onde realizou mestrado e fellowship, Dr. Mauer foi convidado a atuar como professor assistente (clinical faculty) na Tufts University School of Medicine, onde realiza a maior parte de seu trabalho científico.
Paranaense participa de mesa redonda em Congresso Anual da Associação Americana de Psiquiatria
O Dr. Sivan Mauer discutiu o possível uso do lítio no tratamento da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC); mesa contou ainda com a presença dos psiquiatras Nassir Ghaemi e Bennet Omalu
No maior evento de Psiquiatria do mundo – o Congresso Anual da Associação Americana de Psiquiatria (APA) –, ocorrido entre os dias 18 e 22 de maio na cidade norte americana de São Francisco, o médico paranaense Sivan Mauer (CRM-PR 19.196) participou de mesa redonda para discutir o possível uso do lítio no tratamento da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), doença anteriormente conhecida como “demência pugilística” e que ficou amplamente conhecida após o filme “Um homem entre gigantes” (Concussion, 2015). A ETC é uma doença degenerativa do cérebro que pode ser desencadeada após repetidos traumas cranianos.
Congresso Anual da APA ocorreu na cidade de São Francisco, nos EUA (Foto: Arquivo pessoal)
Ao lado de seu orientador, o psiquiatra Nassir Ghaemi, e do neuropatologista Bennet Omalu – que ficou conhecido por descobrir achados de ETC em jogadores de futebol americano da National Football League (NFL) e ter estrelado o filme sobre o assunto -, Dr. Mauer discutiu as hipóteses levantadas pelo artigo que escreveu em conjunto com os outros dois médicos. Com o tema “Chronic Traumatic Encephalopathy: Challenges for Psychiatry”, a mesa redonda ocorreu no dia 20 e contou também com a participação da bióloga Amanda Woerman, professora da Universidade da Califórnia.
“Publicamos esse artigo recentemente na revista Bipolar Disorder, no qual apresentamos uma provável hipótese de tratamento e prevenção para uma doença que não possui nenhum tipo de tratamento até hoje”, explica o Dr. Mauer. Ele avalia, ainda, que o assunto é especialmente interessante por levantar a possibilidade de atletas que praticam esportes com contato físico e potenciais traumas cranianos desenvolverem a doença. O psiquiatra ressalta que, apesar de o assunto ter ganhado notoriedade por acometer jogadores de futebol americano, há evidências de que a doença ocorra também em jogadores de futebol, como o capitão da Seleção Brasileira na Copa de 1958, Bellini, que morreu em 2014.
Dr. Sivan Mauer (esq.) e Dr. Nassir Ghaemi durante o evento da APA (Foto: Arquivo pessoal)
“O lítio pode ser uma saída para esses pacientes porque há dados muitos robustos de que ele previne a demência, o suicídio e os transtornos de humor e impulsividade, características marcantes dos pacientes com ETC”, pontua. O medicamento teria ação tanto em relação às características clínicas – tratamento e prevenções primária (para que a doença não se instale) e secundária (para prevenir sintomas da doença já instalada) – como em relação às fisiopatológicas.
Neste último caso, a substância pode interferir no desenvolvimento da doença, inibindo tanto a proteína tau, que se desdobra de forma patológica e sofre agregações neurofibrilares nos pacientes acometidos pela ETC, como, principalmente, na proteína GSK3 Beta, auxiliando na diminuição da proteína tau fosforilada.
O Dr. Mauer ressalta que o estudo das propriedades farmacológicas do lítio é foco de suas pesquisas desde 2014, quando, em revisão bibliográfica, em conjunto com Nassir Ghaemi, identificou que mesmo doses muito baixas da substância podem ser efetivas na prevenção de demência e depressão. “O lítio é a principal droga da psiquiatria. Ele é extraído de uma rocha chamada petalita, mas há também lugares em que a água é muito rica nessa substância. Nesses locais, identificamos taxas menores de crime e suicídio na população”, comenta.
Formação
Formado em Medicina pela PUCPR em 2002, Dr. Mauer é especialista em Psiquiatria com área de atuação em Psiquiatria da Infância e Adolescência. É mestre em pesquisa clínica pela Boston University School of Medicine, doutorando em psicogeriatria no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo e professor colaborador da Universidade de Jundiaí na disciplina de Psicogeriatria.
Especialista em transtornos do humor, é editor de psiquiatria no Brasil do site americano Medscape e integrante da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-PR. Após morar por três anos nos Estados Unidos, onde realizou mestrado e fellowship, Dr. Mauer foi convidado a atuar como professor assistente (clinical faculty) na Tufts University School of Medicine, onde realiza a maior parte de seu trabalho científico.
Estudo acompanha crianças com alto risco de transtorno afetivo bipolar por 20 anos
O curso do transtorno afetivo bipolar: observações de duas décadas de estudo
O diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (TAB) nos jovens é um desafio, principalmente porque os sintomas agudos não são específicos e se sobrepõem a outras doenças – influenciadas por desenvolvimento e estágio clínico.
A demora no diagnóstico e tratamento do TAB contribui para o aumento da mortalidade. Evidências de estudos sobre cognição, imagem e biológicos sustentam a observação de que déficits funcionais e estruturais persistentes, além de anomalias funcionais, ocorrem depois do início completo do quadro de TAB. Já a esquizofrenia apresenta uma trajetória caracterizada pelo significativo declínio funcional e estrutural antes do primeiro episódio psicótico, ou seja, o oposto do TAB.
Conjuntamente, estes achados ressaltam a importância da acurácia da detecção precoce do TAB. O transtorno bipolar é uma doença genética com alta heritabilidade. Filhos de pais com TAB são identificados como um grupo de alto risco que pode ajudar a entender o curso da doença. Vários estudos, que diferem em metodologia, avaliaram esta população, e todos observaram altas taxas de diferentes doenças psiquiátricas nos filhos de pacientes com TAB. Alguns estudos realçam a proeminência de transtornos depressivos no início do curso da doença. Dois estudos indicaram que sintomas internalizados, labilidade do humor e sintomas hipomaníacos são prováveis preditores de TAB em crianças com risco familiar.
Nas duas últimas décadas, estudou-se prospectivamente filhos de pacientes com TAB em subgrupos de pacientes responsivos ou não ao tratamento com lítio. Os pacientes responsivos ao lítio parecem apresentar um subtipo mais homogêneo de TAB, que é mais consistente com a apresentação clássica da doença maníaco-depressiva. Estes pacientes apresentam um curso da doença com crises altamente recorrentes antes da estabilização com o lítio. Além disso, o curso da doença também se caracteriza por episódios depressivos e episódios clássicos de mania e baixa comorbidade.
Este estudo apresenta uma análise compreensiva do curso do TAB durante um longo período de observação, usando um número significativo de filhos com alto risco de TAB. Além disto, o trabalho compara subgrupos baseados em pais que respondem ou não ao lítio como profilaxia. Os objetivos foram: comparar as taxas de psicopatologia em filhos com alto risco e controles; comparar os subgrupos de filhos com alto risco de TAB; e descrever o curso do TAB desde o início, em comparação com o curso da doença dos pais.
Foram incluídos 279 indivíduos com alto risco de TAB e 89 controles, avaliados cegamente, anualmente, através da escala Kiddie para TAB e esquizofrenia.
A incidência cumulativa foi de 24,5% e a média de idade no início da manifestação da doença foi de 20,7 anos. Episódios depressivos foram mais recorrentes no início do curso, especialmente entre os filhos de pais que responderam ao uso do lítio.
As crianças com ansiedade apresentaram mais risco (quase duas vezes maior) de transtorno do humor (razão de risco ou hazard ratio, HR, = 1,84; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,24 a 2,74). Já as crianças com dificuldades para dormir tiveram chance 60% maior de apresentar transtorno do humor (HR = 1,63; IC 95% de 1,01 a 2,62). A chance de apresentar a doença foi até duas vezes maior entre os filhos com agitação subliminar (HR = 2,33; IC 95% de 1,02 a 5,31).
Para lembrar:
O transtorno afetivo bipolar, junto com a esquizofrenia, é uma das doenças com maior hereditariedade na psiquiatria. Sendo assim, filhos de pais com diagnóstico de TAB devem ser observados desde a infância. Os resultados deste estudo são muito importantes, principalmente o resultado em relação à agitação. Crianças com sintomas de agitação muitas vezes são diagnosticadas de forma errônea com transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade (TDAH) e tratadas com anfetaminas, o que leva à piora do quadro de TAB. É preciso muita atenção em relação à história familiar no processo diagnóstico, principalmente na psiquiatria da infância e da adolescência.
Incidência de demência após os 90 anos de idade em uma coorte multirracial
A expectativa de vida nos Estados Unidos tem aumentado constantemente, e estima-se que a quantidade de pessoas com mais de 90 anos irá quadruplicar de 2,4 milhões em 2015 para 9,5 milhões em 2060.
Esta população é muito diversa e projeta-se que em 2050 29,7% dos indivíduos com mais de 85 anos farão parte de minorias étnicas/raciais. Infelizmente, este grupo etário tem altas taxas de doenças crônicas e incapacidade, gerando um alto custo para o sistema de saúde (cerca de 16.145 de dólares por ano para cada paciente com média de 96 anos). Este custo duplica quando comparado aos dos pacientes com cerca de 70 anos de idade: 7.566 dólares por ano por pessoa.
A demência é particularmente comum entre os muito idosos, afetando quase 40% dos indivíduos acima de 90 anos. No entanto, estas estimativas são baseadas predominantemente em coortes caucasianas. Até o momento, existem poucas informações epidemiológicas sobre demência em pessoas negras acima dos 90 anos.
Estudos em idosos mais jovens comprovam uma disparidade racial grande, sendo que os negros apresentam mais risco de demência, seguidos por latinos, brancos e asiáticos. Não está claro ainda se estas diferenças persistem nos muito idosos. O objetivo deste estudo foi estimar a incidência de demência em uma amostra diversa de indivíduos muito idosos e explorar a possibilidade de disparidades raciais/étnicas.
Para isto, foram incluídos 2.350 pessoas de um sistema de saúde do norte da Califórnia, com pelo menos 90 anos de idade, sem diagnóstico de demência. Foi estimada a relação raça/etnia, ajustada para idade de incidência dos quadros de demência.
A incidência de demência nesta amostra foi de 32%, ou seja, 771 casos com média de idade de 93,1 anos. Sendo menor entre os asiáticos, seguidos por brancos, latinos e negros. Não houve diferença no risco entre asiáticos e brancos. Já os negros tiveram mais chances de demência (36%) em comparação com os brancos (HR = 1,36; IC 95%, de 1,11 a 1,65).
Para lembrar:
Este estudo mostra que, em geral, a população negra tem um risco relativamente maior de demência – tanto os idosos como os muito idosos. Portanto, do ponto de vista de saúde pública, é importante realizar programas para estes pacientes. Apesar da complexidade do assunto, formas de prevenção simples podem ser colocadas em prática, como o cuidado em relação aos problemas cardiovasculares e o uso de lítio em doses baixas.
Depressão agitada no transtorno afetivo bipolar
A depressão agitada é uma característica clínica comum nos transtornos do humor. Kraepelin e colaboradores descreveram a depressão agitada como um estado misto, resultado da combinação de sintomas em polos opostos: humor e pensamento no polo depressivo e motricidade no polo maníaco.
A depressão agitada foi diagnosticada dentro dos critérios diagnósticos de pesquisa como um episódio depressivo maior com agitação psicomotora. Recentemente, Koukopoulos e colaboradores identificaram duas formas de depressão agitada. A primeira forma como a clássica depressão agitada, caracterizada por ansiedade, inquietude e agitação psicomotora. A segunda forma seria caracterizada por depressão com tensão interna, sem agitação psicomotora, com aumento da velocidade do pensamento, labilidade do humor e aumento da velocidade da fala. As duas formas são caracterizadas por impulsos suicidas e, algumas vezes, por sintomas psicóticos.
Muitos autores definem a depressão agitada como um episódio de depressão maior com agitação psicomotora. No entanto, ainda não há uma definição concreta.
Muitos estudos têm investigado a prevalência da depressão agitada no transtorno afetivo bipolar (TAB). No TAB tipo 1, a depressão agitada varia de 20% a 50%, já no tipo 2, existe uma variação de 32% a 41%. Entretanto, estes estudos têm sido realizados com amostras pequenas e diversas definições de depressão agitada. Alguns estudos incluíram apenas pacientes que não tiveram tratamento farmacológico antes da avaliação, enquanto outros incluíram pacientes em tratamento para o episódio depressivo.
Alguns estudos identificaram características demográficas e clínicas associadas a presença de depressão agitada em transtorno bipolar, sexo feminino, idade de início precoce e história de tentativa de suicídio.
A depressão agitada, quando não detectada corretamente, pode levar a um tratamento inadequado. O uso de antidepressivos na depressão agitada parece aumentar a agitação psicomotora e outros sintomas excitatórios. A consequência mais grave do uso de antidepressivos seria aumentar o risco de suicídio.
O estudo em questão teve três objetivos: avaliar a prevalência da depressão agitada em pacientes com TAB; investigar se a presença de depressão agitada está associada a outros sintomas durante o episódio depressivo; explorar se a presença de depressão agitada está relacionada com características clínicas durante o tempo de vida.
Foram incluídos 2.925 indivíduos com TAB, recrutados da Bipolar Disorder Research Network UK, no Reino Unido. Destes pacientes, 32,3% tiveram agitação durante o pior episódio depressivo. Durante este episódio, os preditores significativos da presença de agitação foram: insônia (razão de chances ou odds ratio, OR, = 2,11; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,64 a 2,72); dificuldade de concentração (OR = 1,96; IC 95%, de 1,07 a 3,58); redução da libido (OR = 1,29; IC 95%, de 1,48 a 2,59); ideação suicida (OR = 1,86; IC 95%, de 1,32 a 2,61); e diminuição de apetite (OR = 1,29; IC 95%, de 1,02 a 1,63). A OR para a ocorrência de crises de pânico na vida foi de 2,00 (IC 95% de 1,57 a 2,61), e para ao menos uma tentativa de suicídio foi de 1,39 (IC 95% de 1,09 a 1,79). A presença de depressão agitada foi mais frequente entre pacientes com TAB tipo 2 (36,8%) versus tipo 1 (30,3%).
Para lembrar:
É sempre importante que os médicos tenham em mente que a depressão agitada ou depressão mista é muito mais frequente do que se acredita. Apenas neste estudo, um terço dos participantes recebeu o diagnóstico, o que representa algo bastante relevante em relação ao tratamento. Estes pacientes não devem usar antidepressivos, sob o risco de aumentar a agitação e a ideação suicida. É indicada a prescrição de doses baixas de antipsicóticos de segunda geração e estabilizadores do humor.
Artigo publicado no Medscape em 21 de maio de 2019
Pesquisadores propõem uso do lítio para prevenção da encefalopatia traumática crônica
A encefalopatia traumática crônica (ETC) ganhou destaque nos últimos anos após a comprovação da prevalência da doença degenerativa em ex-jogadores profissionais de futebol americano. A ETC está associada à repetição de lesões na cabeça que, com o tempo, podem levar ao acúmulo anormal da proteína tau. Ainda não existem tratamentos com eficácia testada e comprovada, no entanto, um recente editorial publicado no periódico Bipolar Disorders propõe o lítio como medicamento de prevenção secundária.
“Os traumas sucessivos desencadeiam uma ‘cascata’ microscópica no tecido cerebral. A proteína tau passa por uma hiperfosforilação no nível dos microtúbulos. Isso acontece internamente na célula e faz com que os neurônios morram”, resumiu o Dr. Sivan Mauer, psiquiatra e pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Tufts University, advisor do Medscape em Português e coautor do editorial.
“Saindo do microscópico para o clínico, a ETC tem basicamente três aspectos: questões relacionadas com humor e impulsividade, suicídio e demência”, apontou.
É essa proximidade com outras doenças para as quais o lítio é recomendado que os autores do editorial propõem uma investigação mais aprofundada sobre as potencialidades de uso em pacientes com ETC.
“Hoje, não temos um tratamento comprovado, nem mesmo profilático, para a ETC. Mas o lítio age justamente sobre as questões relacionadas com a encefalopatia traumática crônica. Ele é o único medicamento que comprovadamente previne o suicídio”, disse o psiquiatra.
Segundo o Dr. Sivan, o lítio poderia ser utilizado para prevenção secundária nos pacientes diagnosticados com ETC. “Em casos em que a doença já está instalada, poderíamos agir em um estágio inicial, para que o paciente não desenvolva a demência”, defendeu.
“Por muito tempo, não conseguimos demonstrar a viabilidade desse tratamento. Agora, estamos dando um passo importante para conseguir montar um estudo observacional. O melhor seria um estudo randomizado, dando lítio para jogadores com ETC e comparando a evolução com outros que não estivessem usando o medicamento”, disse o Dr. Sivan.
Antes conhecida como “demência do pugilista”, a ETC começou a ser estudada ainda nos anos 1920 como uma doença aparentemente causada pelos violentos golpes sofridos por boxeadores. No início, acreditava-se que ela era restrita àquele esporte, mas com o tempo, a ETC também foi identificada em militares que haviam passado por situações de combate e, do mesmo modo, sofreram traumas físicos na cabeça.
A associação da ETC com concussões sofridas em outras circunstâncias, além dos ringues, e a difusão do nome atual da doença tornaram-se mais frequentes apenas no início dos anos 2000, quando o Dr. Bennet Omalu, então pesquisador da University of Pittsburgh, estudou o cérebro do ex-jogador de futebol americano Mike Webster, que morreu em 2002 após longos anos convivendo com a doença. Mike Webster acabaria se tornando, post mortem, o primeiro atleta de sua modalidade diagnosticado com ETC.
Em 2015, a história do trabalho realizado pelo Dr. Bennet foi retratada no filme Concussion (cujo título em português é Um homem entre gigantes), que deu início a uma série de processos judiciais movidos por ex-jogadores e familiares contra a National Football League (NFL), a liga profissional de futebol americano. O aumento da atenção dispensada à ETC fez com que a doença também fosse pesquisada em outros esportes, inclusive no futebol praticado no Brasil. Em 2014, um estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) concluiu que Hilderaldo Luís Bellini, capitão da Seleção Brasileira de Futebol na conquista do primeiro título mundial, em 1958, morreu em decorrência da encefalopatia traumática crônica.
Um dos grandes desafios no estudo da doença é que, até hoje, as principais pesquisas foram realizadas post mortem. “Não conseguimos quantificar e monitorar os níveis da proteína tau no cérebro de um paciente vivo, para avaliar de forma objetiva a resposta dele à terapia”, disse ao Medscape o Dr. Bennet, atualmente na University of California, em Davis. Ele busca financiamento para levar a cabo um teste clínico do tipo.
“Eu acredito que a farmacoterapia será a resposta para a ETC, e não os dispositivos tecnológicos, como novos capacetes”, disse o Dr. Bennet. “O lítio é um medicamento muito bem estabelecido, estudado e testado, que sabemos ser efetivo. Ele inibe a enzima que forma a proteína tau anômala no cérebro, o tipo de proteína encontrado no cérebro dos pacientes com ETC. É [um medicamento] promissor e que precisa ser testado”, defendeu.
Para o Dr. Bennet, apesar dos indícios favoráveis, a pesquisa das potencialidades do lítio para o tratamento da ETC vem sendo subestimada. “Alguém precisa fazer a conexão e formular a base científica para a aplicação do lítio, para administrar a ETC. Eu venho desenvolvendo essa fundamentação científica desde 2002, após identificar a ETC no cérebro de Mike Webster. Mas é muito difícil convencer os outros médicos sobre esses pensamentos criativos e propositivos, especialmente quando estamos aplicando medicamentos conhecidos e estabelecidos, que já estão no mercado”, lamentou.
“Não acho que devamos sempre desenvolver novos medicamentos para testar em doenças novas. Podemos testar drogas existentes, amplamente utilizadas e já bem estabelecidas.”
Os Drs. Bennet Omalu, Sivan Mauer e Nassir Ghaemi, este último médico da Tufts University, que também assinou o editorial publicado no periódico Bipolar Disorders, participarão de uma mesa-redonda sobre o tema no próximo congresso da American Psychiatric Association (APA), marcada para 20 de maio.
“Existe muito negativismo conformista em relação à ETC na sociedade. Podemos fazer melhor do que isso”, finalizou o Dr. Bennet.
Artigo publicado no Medscape em 01 de maio de 2019
Lítio para o tratamento de manutenção do transtorno afetivo bipolar em idosos
Pesquisa Delphi sobre o tratamento de manutenção com lítio em idosos com transtorno afetivo bipolar: um relatório da força-tarefa da ISBD
Idosos com transtorno afetivo bipolar (TAB) representam 6% dos atendimentos ambulatoriais nos serviços de psiquiatria geriátrica e 10% daos internamentos em hospitais psiquiátricos. Estima-se que em 2030 os idosos representarão cerca de 50% dos casos de TAB em 2030. Apesar destes números significativos, as diretrizes internacionais para o tratamento do TAB têm geralmente desconsiderado as especificidades dessa população.
Baseado em uma recente recomendação clínica e em dados de fármaco-epidemiologia, o lítio permanece como tratamento de primeira linha em monoterapia para manutenção, apesar de existirem outras opções disponíveis para estabilização do humor.
O tratamento com lítio tem demonstrado reduzir as taxas de suicídio e de internação, além de ação neuroprotetora e diminuição do risco de demência. Estudos com neuroimagem comprovam que pacientes bipolares tratados com lítio têm o volume da massa cinzenta mais preservado.
Por outro lado, como qualquer estabilizador do humor, o lítio pode apresentar efeitos colaterais, como risco de dano renal, hipotireoidismo, hipercalcemia, neurotoxicidade e parkinsonismo. Se os pacientes usuários de lítio chegam a 70, 80 anos, sua função renal diminui e muitas vezes a dose do medicamento não é reduzida, aumentando o risco de toxicidade e de efeitos colaterais. Muitas drogas usadas por esta população, como diuréticos e anti-inflamatórios, podem aumentar o nível sérico levando a possível toxicidade e efeitos colaterais.
O primeiro estudo randomizado controlado usando lítio em idosos foi publicado há pouco. Os autores compararam a eficácia do lítio e do valproato de sódio em idosos com mania aguda e estados mistos, mas não para manutenção. Ambas as drogas se mostraram eficazes e bem toleradas, no entanto, o lítio foi associado a diminuição maior na pontuação na escala de mania. Mesmo com as evidências da sua eficácia, o uso do lítio tem diminuído, principalmente entre os idosos. A relutância em prescrever o lítio está relacionada com o risco de toxicidade, com a pouca experiência dos médicos mais jovens em fazê-lo, e com o impacto do marketing realizado pela indústria farmacêutica. As mais recentes diretrizes sobre o uso do lítio em todas as idades recomendam um intervalo entre 0,6 mmol/L e 0,8 mmol/L como nível sérico ideal para a manutenção.
Diante das evidências da eficácia do lítio no tratamento do TAB e seu potencial efeito neuroprotetor, combinado com a ausência de diretrizes específicas para o uso em idosos, a força-tarefa da International Society for Bipolar Disorders (ISBD) conduziu uma pesquisa Delphi sobre o tratamento de manutenção com lítio em idosos para prover um direcionamento mais adequado para os médicos em relação a segurança e eficácia do medicamento nesta população vulnerável. Os dois principais objetivos da pesquisa foram: determinar o lugar de escolha do lítio entre as opções de tratamento de manutenção no idoso; prover diretrizes de segurança e eficácia para o uso em idosos.
Devido a evidências limitadas, a pesquisa Delphi foi usada para atingir o consenso com um grupo de 25 especialistas em idosos de nove países. Houve a supervisão de um comitê que também analisou e formulou mais questões. Chegou-se a uma taxa de 100% de respostas. O lítio foi a escolha de preferência para a manutenção quando em monoterapia em idosos.
O nível sérico de 0,4 mmol/L a 0,8 mmol/L foi recomendado para pacientes entre 60 e 79 anos e de 0,4 mmol/L a 0,7 mmol/L foi recomendado para pacientes acima dos 80 anos. Além disso, recomendou-se uma rotina laboratorial de três a seis meses de nível sérico de lítio, creatinina e eGFR. Também é recomendada a realização dos exames laboratoriais a cada 6 a 12 meses: hemograma, TSH, glicemia de jejum, perfil lipídico, peso e cálcio.
Para lembrar:
O lítio é um medicamento seguro e importante para o tratamento do TAB em idosos. O médico deve estar atento aos níveis séricos nessa população, que não é igual aos dos adultos não idosos (não usar os parâmetros propostos pelos laboratórios). Com isto, o risco de intoxicação por lítio se torna menor e a segurança na prescrição aumenta.
Resposta da ECT na depressão em idosos sem alterações cerebrais devidas à idade
A depressão no idoso é frequentemente associada a alterações cerebrais, comprometimento cognitivo e comorbidades somáticas. Considera-se que a depressão com início na terceira idade pode variar entre sujeitos de 50 a 65 anos. Os episódios de início precoce estão mais associados a história familiar de transtornos do humor, ansiedade e curso mais grave da depressão. Em contraste, os episódios de início tardio estão associados a doenças neurodegenerativas e somáticas, levando ao agravamento da performance neurocognitiva, e até mesmo a um possível pródromo de demência.
Nos quadros tardios, a eletroconvulsoterapia (ECT) tem demonstrado mais eficácia e resposta mais rápida, além de ser um tratamento seguro para aqueles que não toleram ou não respondem à medicação convencional. No entanto, 50% dos pacientes que respondem à ECT têm recaída no primeiro ano.
Tem-se sugerido que alterações cerebrais relacionadas com a idade contribuem para a ausência de resposta à ECT, em particular patologias da substância branca. Existem evidências de que a hiperintensidade da substância branca estaria associada a baixa resposta à ECT. Recentemente foi proposto que a presença de patologia amiloide, medida pela tomografia de emissão de pósitrons (PET, sigla do inglês, positron-emission tomography), pode ter um papel na patogênese e evolução dos sintomas depressivos em sujeitos sem demência.
No presente estudo, o objetivo foi avaliar a associação entre alterações cerebrais relacionadas com a idade e a resposta à ECT. Como preditores de resposta à ECT foram usadas as seguintes variáveis contínuas: ligação amiloide, volume hipocampal e volume da hiperintensidade da substância branca. Os autores tinham a hipótese de que a combinação das alterações relacionas com a idade seria um preditor melhor da resposta à ECT do que cada alteração isolada.
Participaram do estudo 34 idosos com depressão grave de início tardio tratada duas vezes por semana com ECT até a remissão. Todos fizeram ressonância magnética e beta amiloide PET. Além disto, a escala MADRS e o MEEM foram obtidas semanalmente, incluindo uma semana antes da primeira sessão de ECT, após a sexta sessão, e uma semana, um mês e seis meses depois da última sessão.
Os autores não encontraram associação entre o volume do hipocampo ao início do estudo na linha de base, o volume da hiperintensidade da substância branca e o amiloide total e a resposta ou a remissão entre a primeira e na quarta semana após o ECT. Também não encontraram relação com a recaída na semana 4.
Para lembrar:
Mesmo com algumas limitações, como o tamanho da amostra, este é mais um estudo que mostra a segurança do uso da eletroconvulsoterapia, podendo ser usada mesmo em pacientes com alterações cerebrais relacionadas à idade. A ECT é uma alternativa importante para esta população, que muitas vezes responde mal aos medicamentos convencionais.
Tratamento com lítio para a encefalopatia traumática crônica: uma proposta
A encefalopatia traumática crônica (ETC) é uma doença recém-descrita e está relacionada com o futebol americano. Considerada uma doença neurodegenerativa, está associada ao traumatismo craniano repetitivo, como a concussão.
Esse tipo de trauma ocorre em vários esportes violentos e com contato físico, mas também ocorre em soldados em batalha, situação em que as explosões podem causar subconcussões. As principais características clínicas da ETC envolvem: instabilidade do humor/impulsividade, suicídio e demência. Neste artigo, os autores propuseram a hipótese de que o lítio em doses usuais ou até mesmo em baixas doses pode melhorar ou prevenir a ETC em todos os três aspectos.
Psicopatologia da encefalopatia traumática crônica:
Em um recente estudo feito com 202 cérebros doados com uma média de 66 anos, a ETC foi diagnosticada em 99% dos sujeitos que atuaram na National Football League(NFL), a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos.
A causa de morte mais comum nesta amostra foi suicídio, em 27% dos casos. Entre os 111 casos de ETC que tiveram informantes relatando seus sintomas, os sintomas do humor foram os mais comuns tanto nos pacientes com quadros graves como naqueles com quadros moderados.
Suicídio:
O lítio é o único medicamento que comprovadamente reduz as taxas de suicídios em estudos randomizados. Em uma metanálise de quatro estudos randomizados controlados, o tamanho do efeito foi de 669% maior risco de suicídio entre os pacientes que não usaram lítio. Nestes estudos, o lítio foi administrado em doses usuais para o tratamento de transtornos do humor (600 mg a 1.200 mg). Esta evidência randomizada, sendo única ao lítio, sugere uma relação causal.
Além dos dados randomizados, existe uma extensa literatura com dados epidemiológicos mostrando que o lítio pode prevenir o suicídio em sujeitos sem transtornos do humor.
Estes estudos são baseados em análises populacionais onde “altos” níveis de lítio natural estão presentes em uma região. O lítio é um metal presente em rochas, que penetra no solo e nas fontes de água e chega aos alimentos e aos animais. É um elemento natural e comum, que também existe no corpo humano. A dose típica é de 1 mg por dia de lítio na dieta comum. “Altas” doses de lítio giram em torno de 5 mg por dia, o que representaria uma maior exposição ao lítio. Em múltiplos estudos epidemiológicos apresentaram um índice de suicídio menor em regiões com altos conteúdos geológicos de lítio.
Se o lítio previne o suicídio em pacientes com ou sem transtornos do humor, poderia haver uma ação profilática em pacientes com ETC, mesmo em doses baixas.
Demência:
O lítio se mostra neuroprotetor em vários estudos com animais e humanos. Assim, entende-se que o uso do lítio pode trazer benefícios como a melhora do comprometimento cognitivo leve e até mesmo da demência. Esta hipótese tem o respaldo de alguns estudos em amostras com transtornos do humor.
Na maior e mais longeva coorte prospectiva de pacientes com transtorno do humor feita em Zurich, foi identificada uma prevalência de 22%, o que significa um risco quatro vezes maior do que na população geral. Nesta mesma coorte foi encontrada razão de chances ou odds ratio (OD) de 0,23 (IC 95%, de 0,06 a 0,89), o que significa um risco 335% maior em pacientes não usuários de lítio. Estudos epidemiológicos chegaram à mesma conclusão quando tratando transtorno bipolar.
Recentemente um estudo populacional analisou a relação entre os níveis de lítio na água e os índices de demência e concluiu que regiões com índices mais altos de lítio na água têm taxas de demência mais baixas. Se o lítio também previne a demência em pacientes sem transtornos do humor, então ele possivelmente previne a demência em casos de ETC.
Sintomas do humor e impulsividade:
Os benefícios do lítio no tratamento dos sintomas do humor são bem conhecidos e vêm sendo replicados por mais de meio século. O lítio também atua na diminuição do comportamento impulsivo em geral, até mesmo em pessoas sem transtornos do humor. Este benefício tem sido apresentado em vários ensaios clínicos, porém, a maioria não randomizados em condições neuropsiquiátricas, como traumatismo craniano.
Foi realizada uma revisão de literatura do uso de lítio em traumatismo craniano e concluiu-se um benefício nos sintomas de impulsividade, além da neurobiologia cerebral, como por exemplo o reparo e recuperação de neurônio em animais usando lítio.
Tratando e prevenindo a taupatia:
Há uma vasta literatura sobre a ação neuroprotetora do lítio, como o aumento da proteína fator neurotrófico derivado do cérebro, da proteína GSK-3, e bloqueio da proteína Bcl-2.
Conclusão
Os autores sugeriram ensaios clínicos de prevenção secundária destes sintomas em ETC. Esta pesquisa poderia começar com um estudo aberto, com cerca de 50 pacientes com possível diagnóstico da doença, com idade entre 50 e 60 anos, acompanhados por três a cinco anos. E, caso o estudo observacional seja positivo, pode ser seguido de um estudo randomizado controlado com placebo com a mesma amostra. Também sendo positivo, os autores sugerem que seja feito um estudo de prevenção primária com jovens no grupo de risco, ou seja, atletas em atividade e soldados na ativa.
Para lembrar:
O lítio parece ser uma possibilidade para as pessoas que sofrem de encefalopatia traumática crônica. Os sintomas são graves e os pacientes podem se tornar extremamente agressivos, impulsivos e suicidas. Até o momento, não existe tratamento comprovado para esta doença. É importante ressaltar que apesar de a ETC ser comum entre jogadores de futebol americano e soldados, já existem relatos de jogadores de futebol, boxeadores e lutadores de artes marciais diagnosticados com a doença.
Artigo publicado no Medscape em 30 de abril de 2019
Esketamina: é preciso ter cautela!
Na semana passada foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, o uso da esketamina, uma medicação intranasal que promete ação rápida para o tratamento de pacientes com depressão refratária. A esketamina (cujo comercial é Spravato) nada mais é que S(+) enantiomero da ketamina, um antagonista da NMDA. A ketamina é muito conhecida por sua utilização como anestésico em animais de grande porte como cavalos, assim como, em menor escala, como anestésico humano.
O medicamento foi recebido por muitos com grande entusiasmo, sendo até considerado por alguns médicos como o maior lançamento desde a fluoxetina, lançada no mercado há cerca de 33 anos. Entretanto, drogas que são lançadas no mercado e que prometem uma resposta quase que milagrosa aos pacientes devem ser sempre analisadas com cautela, sob o prisma científico.
A primeira questão que deve ser abordada é: qual seria a indicação do uso desta droga? A indicação desta medicação é para pacientes que têm o diagnóstico de depressão resistente ao tratamento, também conhecida como depressão refratária. O conceito de depressão refratária se baseia na falta de resposta ao tratamento com dois ou mais antidepressivos, em doses adequadas por 6 a 8 semanas.
Sabe-se que, na maioria das vezes, o problema com relação à depressão refratária não está no tratamento, mas sim no erro diagnóstico, que pode chegar a 50% dos casos. E a grande maioria destes pacientes diagnosticados erroneamente com depressão refratária tem, na verdade, diagnóstico de transtorno afetivo bipolar (TAB), e por isso não responde adequadamente aos antidepressivos.
Estudos comprovam que apenas um terço dos pacientes com depressão maior respondem aos antidepressivos em longo prazo, e apenas 20% seriam realmente resistentes aos tratamentos. Nestes casos, há uma grande chance de alguns pacientes apresentarem piora no quadro clínico, ou até mesmo um quadro de mania. Nos casos de erros de diagnóstico, a saída não seria associar mais um antidepressivo como a ketamina, mas sim a suspensão do uso dos antidepressivos e a prescrição de estabilizadores do humor, como lítio e ácido valproico – e, em alguns casos, o uso de um antipsicótico de segunda geração.
Como qualquer outra medicação a esketamina apresenta efeitos colaterais, que ainda estão sendo pouco discutidos pelo meio médico. A medicação ketamina é uma droga de abuso e isso deve ser informado aos pacientes antes do uso. Por este motivo, a substância não será comercializada para aplicação doméstica. Apenas clínicas credenciadas poderão aplicar a medicação nos pacientes. O tratamento requer algumas condições, como o paciente permanecer em observação na clínica após a aplicação, entre outras. Sendo assim, administração da medicação só será realizada por um médico.
A indicação é que a droga intranasal seja aplicada no máximo duas vezes na semana. Entretanto, não se sabe ainda como será o controle destas aplicações. Hoje já existem em torno de 100 clínicas que oferecem tratamento com uso de ketamina intravenosa, e a grade maioria não segue as recomendações da American Psychiatric Association (APA). Outro fator importante a ser questionado é o custo da medicação. O valor para o tratamento inicial gira em torno de cinco mil dólares por paciente, variando de acordo com a dosagem. Outra questão relevante que deve ser discutida é a neurotoxicidade da ketamina. Diversos estudos em animais demonstram que a ketamina causa morte celular em áreas cerebrais importantes por meio de apoptose.
É preciso ter cuidado com as conclusões rápidas, principalmente em psiquiatria. Devemos sempre lembrar que um bom tratamento depende do diagnóstico correto, e para isso precisamos voltar a estudar os antigos nosologistas como Kraepelin e sua doença maníaco-depressiva, em vez dos diagnósticos que temos hoje. Acredito que a ketamina precisa ser mais estudada antes de ser comemorada. Sinto não compartilhar a mesma euforia que a maioria.
Artigo publicado no Medscape em 21 de março de 2019
Suicídio: fatores de risco são extremamente importantes para a prevenção
Fatores de risco para suicídio em depressão: pacientes hospitalizados pela primeira vez acompanhados por 24 anos na Finlândia
Cerca de 50% das pessoas que cometem suicídio sofrem de transtornos do humor, e cerca de 50% têm algum histórico de internação psiquiátrica.
Os pacientes hospitalizados com transtornos afetivos têm alto risco de suicídio, no entanto, evidências prospectivas sobre os fatores de risco de suicídio em transtornos do humor são limitadas. A grande maioria dos estudos foca em dados de pessoas próximas ou de familiares para avaliar ideação e tentativas de suicídio, acarretando incerteza na generalização dos resultados.
De acordo com algumas revisões sistemáticas, existem alguns importantes fatores de risco de suicídio em pacientes com transtornos do humor, como: ser do sexo masculino, ter história familiar de doença psiquiátrica, tentativas prévias e gravidade do episódio, desesperança, comorbidade com ansiedade, transtornos de personalidade e abuso de substâncias.
No entanto, as evidências são, na maioria das vezes, provenientes de estudos de caso-controle e de coortes com amostras pequenas. Assim, estudos longitudinais de grande escala na avaliação, planejamento terapêutico e esforços preventivos clínicos são necessários.
A disparidade entre os gêneros como fator de risco de suicídio ainda deve ser melhor compreendida, sendo necessária a realização de mais estudos. O excesso de mortalidade em homens pode ser explicado pela diferença de comorbidades de doenças mentais, pelas tentativas de suicídio, pelos traços impulsivos agressivos ou pela escolha de métodos mais letais.
Este estudo foi baseado na coorte finlandesa de todos os pacientes internados pela primeira vez (N = 56.826) por depressão, entre 1991 e 2011, e que foram acompanhados depois da alta até o final do ano de 2014 ou até a morte. Destes, 25.188 eram homens e 31.638 eram mulheres.
As características clinicas encontradas foram: gravidade do quadro depressivo (razão de risco ou hazard ratio, HR, de 1 ,19; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1 ,08 a 1 ,30), depressão psicótica (HR = 1,45; IC 95%, de 1 ,30 a 1 ,62), comorbidade com abuso de bebidas alcoólicas (HR = 1 ,26 ; IC 95%, de 1 ,13 a 1 ,41) e ser do sexo masculino (HR = 2 ,07; IC 95% de 1 ,91 a 2 ,24).
Para lembrar:
Fatores de risco são extremamente importantes para a prevenção do suicídio na prática clínica. Homens com tentativas prévias são pacientes com alto potencial de virem a cometer uma nova tentativa de suicídio. Estes pacientes precisam ser acompanhados com proximidade, e de preferência ser tratados com lítio, mesmo que em doses baixas.
Análise populacional da relação entre o uso de substâncias e o desenvolvimento cognitivo no adolescente
Além dos efeitos agudos, o uso de álcool e de Cannabis tem sido associado a dificuldades em relação a aprendizado, tomadas de decisão , funções cognitivas e baixo desempenho escolar.
Met an álises têm associado o uso de Cannabis a piora cognitiva em domínios como aprendizado, memória e atenção. O consumo pesado e regular de bebidas alcoólicas estaria relacionado a uma baixa velocidade de processamento, fluência verbal, funções executivas, atenção e habilidade visoespacial.
Alguns estudos mostram que estes efeitos persistem até a idade adulta e outros mostram que alguns domínios se recuperam com o cessar do consumo. Estudos de imagem mostram volumes menores de regiões cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas, como o córtex pré-frontal e hipocampo esquerdo.
O que ainda precisa ser estabelecido na literatura é se este prejuízo está relacionado a uma vulnerabilidade do uso d as substâncias ou uma consequência direta do uso das substâncias.
Poucos estudos investigaram a relação entre as funções cognitivas e o uso repetitivo de substâncias. A maioria dos estudos simplesmente testou a diferença na cognição em um dado momento e após o acompanhamento. Na falta de desenhos experimentais, desenhos longitudinais de larga escala com múltiplas e repeti das avaliações oferecem uma oportunidade de explorar inferências sobre caus alidade entre duas variáveis, examinando como as mudanças em um domínio estão relacionadas a outro.
Usando uma estrutura multivariável e multinível, a associação entre uso de substâncias e cognição pode ser investigada com respeito a quatro hipóteses teóricas. A primeira seria que a memória de trabalho e a resposta inibitória estariam associadas ao risco de início precoce e pesado de uso de substâncias. A segunda hipótese seria que aumento do consumo de bebidas alcoólicas irá predizer um prejuízo na memória de trabalho espacial, na memória de recordação e na inibição, além da vulnerabilidade comum. A terceira hipótese seria que o consumo de bebidas alcoólicas e alterações nas funções de memória poderiam ser causadas por hipóteses de vulnerabilidade e neuroplasticidade. A quarta hipótese seria que a deficiência da memória visuoespacial seria consequência do uso de Cannabis na adolescência.
Uma amostra de 3.826 sujeitos da sétima série de 31 escolas diferentes, equivalendo a 5% de todos os estudantes que entraram no ensino médio entre 2012 e 2013 na grande Montreal (Canadá), foi avaliada anualmente por quatro anos sobre o uso de álcool, Cannabis, memória de recordação, inibição e memória de trabalho, usando uma avaliação escolar computadorizada. Uma regressão com modelo multinível foi usada para cada substância para testar vulnerabilidade e efeitos concomitantes para cada domínio cognitivo.
Um efeito de vulnerabilidade foi detectado para Cannabis e álcool em todos os domínios. Consumo de Cannabis e não de álcool mostrou efeitos neurotóxicos em relação ao controle inibitório da memória de trabalho. Além dis so, mostrou um atraso na memória de recordação.
Para lembrar:
O uso de Cannabis por adolescentes tem efeitos importantes nas funções cognitivas e parece ser mais pronunciado que o efeito do álcool. Estudos como este são importantes para se pensar políticas de saúde pública.
Associação entre uso de antidepressivos e fratura de quadril em idosos
A depressão é uma doença comum entre indivíduos de todas as idades, com uma prevalência de até 20%, atingindo mais de 300 milhões de pessoas no mundo todo. Depressão está associada a muitas comorbidades.
Antidepressivos são drogas importantes para o tratamento da depressão, mas seu uso está associado a efeitos adversos, principalmente no idoso. Um destes efeitos adversos seria o aumento da incidência de quedas. Estas quedas podem muitas vezes levar a fratura de quadril nos idosos. Existem algumas evidências que os antidepressivos afetam o metabolismo ósseo, aumentando ainda mais o risco de fraturas de quadril. A grande maioria das evidências é proveniente de estudos observacionais resultando em um grande debate sobre caus alidade, confundidores e viés.
Em particular, indivíduos com doenças graves e depressão podem ter um risco maior de fratura antes do início do tratamento com antidepressivos. Neste estudo, os autores investigaram a associação entre uso de antidepressivos e fratura de quadril um ano antes e um ano após o início do tratamento com antidepressivo em indivíduos com 65 anos ou mais.
Foram incluídos 408.144 sujeitos, entre eles, 61,3% mulheres com média de idade de 80 ,1 anos. Usuários de antidepressivos tiveram duas vezes mais fraturas de quadril quando comparados aos não usuários. Na análise ajustada, a odds ratio foi maior na associação entre uso de antidepressivos e fratura de quadril, entre 16 e 30 dias antes da prescrição do antidepressivo (odds ratio, OR, de 5 ,76; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 4 ,73 a 7 ,01).
Para lembrar:
O estudo demonstra uma associação entre antidepressivos e fratura de quadril antes e depois da prescrição do medicamento. É importante que, quando necessário, o uso se inicie com doses menores e se faça um aumento gradual. Além disso, seria importante dar preferência para drogas com menor efeito anticolinérgico e histaminérgico.
Artigo publicado no Medscape em 04 de março de 2019
Eletroconvulsoterapia, não eletrochoque!
A decisão do Ministério da Saúde de financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (ECT) abriu uma grande discussão na sociedade sobre os benefícios ou não desta técnica, utilizada há muito tempo.
Este procedimento já foi utilizado como método de tortura no passado, porém hoje para sua realização é necessário um centro cirúrgico e anestesia geral. Até mesmo o termo eletrochoque se tornou pejorativo. Não apenas a grande maioria do público leigo desconhece o procedimento, mas a classe médica também padece de muita falta de informação sobre o assunto.
A ECT é um tratamento bastante seguro e com muitas evidências científicas sobre o seu uso, tanto em transtornos psicóticos como em transtornos do humor. Duas revisões recentes trazem informações importantes. A primeira aborda o uso na esquizofrenia. Esta revisão de 2018 incluiu apenas estudos feitos em 2017 e concluiu, por meio de múltiplos estudos de diferentes países e de metanálises, que existem fortes evidências da potencialização dos antipsicóticos pela ECT. Os estudos analisados nesta revisão mostraram que os efeitos cognitivos da ECT são moderados e passageiros. Alguns estudos demonstraram melhora da cognição após o procedimento. A ECT bilateral foi o mais utilizado nesta revisão e a diferença do local do eletrodo parece ser algo menor.
A outra revisão mencionada apresenta evidências importantes sobre o uso de ECT em transtornos do humor. Para pacientes com transtornos do humor, a ECT tem sido utilizada desde 1938, sendo um tratamento efetivo, com respostas girando entre 70% e 80%, ou seja, mais altas do que as respostas com antidepressivos. A ECT é um tratamento agudo, e não de manutenção. As indicações da ECT em pacientes com transtornos do humor estão normalmente relacionadas a questões de urgência, como pacientes com necessidade de resposta rápida ao tratamento, com risco de suicídio e com catatonia.
A ECT é considerada hoje um tratamento seguro e eficiente, utilizado em muitos países, como Estados Unidos, França e Alemanha. O procedimento precisa transpor o preconceito da população leiga e médica para ser colocado em prática. Campanhas informativas sobre este tratamento devem ser realizadas para que a população entenda como ele é realizado e quais são os seus benefícios, assim como os seus efeitos colaterais. O que sabemos é que tanto a ECT quanto a psiquiatria em geral hoje não são mais bichos de sete cabeças.
Artigo publicado no Medscape em 27 de fevereiro de 2019
Desafio dos 10 anos: o que mudou na psiquiatria?
Tratamento: a redenção do lítio
Há 10 anos o uso do carbonato de lítio tinha evidências praticamente restritas ao uso como estabilizador do humor, e principalmente à prevenção dos quadros maníacos.
Neste período as pesquisas se desenvolveram muito. Passada uma década, as evidências de outras utilidades deste medicamento são cada vez mais robustas:
- O lítio, mesmo em doses mínimas, diminui a incidência de casos de suicídio, mesmo em pacientes que não sofrem de transtorno bipolar. Em uma das revisões mais recentes houve uma diminuição de quase 60% do risco de suicídio em pacientes usuários de lítio (odds ratio, OR = 0,36; intervalo de confiança, IC, de 95% de 0,13 a 0,98).
- Os usuários de lítio têm uma incidência menor de casos de automutilação. Uma revisão de 32 estudos mostra uma diminuição de quase 80% do risco de automutilação em pacientes em uso de lítio em relação aos que não usam (OR = 0,21; IC 95% de 0,08 a 0,50).
- Também vêm se acumulando evidências de que usuários de lítio têm um risco menor de desenvolver quadros demenciais. Os efeitos neuroprotores do lítio têm aparecido em pesquisas, mesmo em doses pequenas, como 150 mg/dia. Transtornos do humor são fator de risco para demência. Pacientes que usam lítio têm um risco de demência igual ao da população em geral.
Hoje se sabe que o lítio não só previne novos episódios de mania, mas também episódios de depressão recorrentes. O que nos faz, cada vez mais, pensar que depressão e transtorno bipolar fariam parte da mesma doença, como se entendia antes de 1980 e da chegada da 3ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III, sigla do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da American Psychiatric Association (APA).
Diagnóstico
Novos conceitos...
Uma década atrás a síndrome de Asperger era entendida como uma doença relacionada, porém distinta do autismo. O DSM-5, incluiu em 2013 a síndrome de Asperger como parte do transtorno do espectro autista. [5]
Novas abordagens...
A associação psiquiátrica norte-americana deu um passo muito importante ao reconhecer a existência das características de quadros mistos em pacientes com diagnóstico de depressão. Incluindo os especificadores de características mistas. O que nada mais é do que a aceitação dos sintomas maníacos misturados a episódios depressivos. Isto muda totalmente a abordagem terapêutica deste tipo de paciente. [5]
E mais questionamentos...
A última década viveu um aumento no diagnóstico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em adultos. Uma doença que há anos era mais restrita às crianças passou a ser diagnosticada com muita frequência em adultos, trazendo muita discussão para o meio psiquiátrico em relação à validade deste diagnóstico.
Artigo publicado no Medscape em 14 de fevereiro de 2019