Suscetibilidade ao alcoolismo em filhos de pais alcoólatras

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Transtorno decorrente do uso de álcool em pais com ou sem outras doenças mentais e a associação entre transtorno decorrente do uso de álcool nos filhos

O transtorno decorrente do uso de álcool (TDUA) é uma das doenças mentais mais prevalentes no mundo. Na Europa, a prevalência chega a 7,5% na população geral. Há fortes evidências de que o TDUA tem laços genéticos, principalmente em estudos com gêmeos, crianças adotadas ou com famílias inteiras. Estes estudos demostraram que a presença do transtorno nos pais é um fator de risco para seus filhos desenvolverem a doença.

Algumas questões importantes devem ser levadas em consideração quando o TDUA dos pais é associado ao risco de transtorno por parte dos seus filhos, como a influência de outras doenças mentais dos progenitores.

Sabe-se que o TDUA tem alta prevalência de comorbidade com doenças mentais comuns, e graves, incluindo transtornos psicóticos, do humor e outros transtornos de uso de substância; mais da metade dos pacientes diagnosticados com TDUA também têm outra doença mental. Pesquisas confirmam que indivíduos com TDUA e outra doença mental têm mais risco de recaída, mais problemas físicos e mais resistência ao tratamento.

Poucos estudos investigam o papel e a repercussão das doenças mentais concomitantes ao TDUA nos filhos dos portadores dessas doenças. Estudos transversais mostraram que filhos de pais com TDUA e outras doenças mentais tiveram mais risco de apresentar o transtorno quando comparados a filhos de pais que tinham apenas o TDUA. Estudos prospectivos mostraram que a presença de outras doenças mentais junto com o TDUA não aumenta o risco de os filhos terem o transtorno.

Este estudo se propôs a investigar a associação entre o TDUA em pais (com ou sem outras doenças mentais) e seus filhos. Outras doenças mentais foram avaliadas, no geral e separadamente, como transtornos psicóticos, do humor, de ansiedade, de personalidade e de abuso de substância. Para isto, foi usado o banco de dados nacional dinamarquês, onde foram identificados 15.477 filhos de pais com TDUA, além de 154.392 indivíduos da população geral. Pais com TDUA foram definidos quando se apresentaram para o tratamento. As outras doenças mentais dos pais foram identificadas através dos prontuários. Foi usado o modelo de regressão de Cox para calcular a razão de risco (HR, sigla do inglês hazard ratio).

A presença de TDUA em um ou em ambos os pais foi associada a aumento do risco da doença nos filhos, em comparação com a população geral.

Nos casos em que o pai tinha TDUA associado a outra doença mental, o risco de os filhos terem o transtorno aumentou mais de duas vezes (HR = 2,27; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 2,10 a 2,46); quando o pai tinha apenas TDUA, o risco também foi significativo (HR = 2,21; IC 95%, de 2,07 a 2,36).

Nos casos em que a mãe apresentava TDUA associado a outras doenças mentais, o risco foi três vezes maior de seu filho apresentar a mesma doença, em comparação com a população geral (HR = 3,02; IC 95%, de 2,66 a 3,43); quando a mãe tinha apenas TDUA, o risco foi um pouco menor (HR = 2,57; IC 95%, de 2,20 a 3,01).\

Para lembrar:

Os dados apresentados neste estudo são muito importantes para a criação de possíveis estratégias de prevenção ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes. Filhos de pais que apresentam problemas com bebidas alcoólicas são mais suscetíveis a ter problemas relacionados com o consumo da substância. Os pediatras deveriam pesquisar a história familiar dos pais e, em casos positivos de abuso de álcool, encaminhar estes pacientes para programas de prevenção do consumo de bebidas alcoólicas e de drogas.

Morte de pacientes com doença mental grave por doenças cardiovasculares não diagnosticadas

Pacientes com diagnóstico de doença mental grave, como esquizofrenia ou transtorno afetivo bipolar (TAB), costumam ter a saúde cardiovascular prejudicada. O aumento da incidência de doenças cardiovasculares em indivíduos com doenças mentais graves tem sido documentado, assim como o aumento da mortalidade, em comparação com a população geral.

A mortalidade por doenças cardiovasculares diminuiu 50% na população geral, mas permanece alta entre indivíduos com doença mental grave. Um estudo feito na Noruega entre 2009 e 2015 com pacientes com esquizofrenia, demonstrou que houve aumento de quatro a cinco vezes no risco de morte por doença cardiovascular, em comparação com a população geral.

O aumento na mortalidade por doença cardiovascular em indivíduos com doença mental grave é normalmente atribuído a questões socioeconômicas, dietas alimentares não saudáveis, falta de atividade física, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e efeitos colaterais metabólicos dos antipsicóticos.

Existe também uma sobreposição entre risco genético de doença mental grave e risco genético de diabetes tipo 1, hipertensão e doença cardíaca não reumática. Existe um aumento da preocupação de que o subdiagnóstico e o atraso no tratamento das doenças cardiovasculares também contribuam para o aumento da mortalidade entre estes pacientes.

Estudos metanalíticos apresentam um cuidado preventivo menor em pacientes com doença mental grave. Também têm sido reportadas menores taxas de prescrição de medicamentos para doenças cardiovasculares nestes pacientes. Em uma pesquisa entre usuários de serviços de saúde mental, 39% dos pacientes relataram não ter discutido os fatores de risco para doença cardiovascular com os profissionais de saúde.

Apesar de o assunto ser pouco discutido, um estudo nacional teve destaque quando relatou a proporção de indivíduos que morreram de doença isquêmica cardíaca não diagnosticada, demonstrando que a incidência foi maior em indivíduos com esquizofrenia, em comparação com a população geral, mas não foi significativamente maior que entre pacientes com TAB. Quando a análise foi restrita a pacientes previamente diagnosticados com doença isquêmica, pacientes com esquizofrenia apresentaram uma associação modesta com mortalidade por doença isquêmica. Isso indica que mortes prematuras por doença cardiovascular em pacientes com doença mental grave podem ser prevenidas.

O objetivo deste estudo foi analisar se indivíduos com ou sem esquizofrenia ou TAB, têm igual propensão de serem diagnosticados com doença cardiovascular, anteriormente à morte por doença cardiovascular. O objetivo secundário foi descrever se existe alguma diferença relacionada com o sexo entre indivíduos com esquizofrenia e TAB, e descrever características demográficas, comorbidades e utilização de assistência médica em indivíduos com esquizofrenia ou TAB com doença cardiovascular não diagnosticada anteriormente à morte.

Para isto, foram utilizadas informações contidas no banco de dados nacional norueguês, entre 2011 a 2016. Foram incluídos 72.451 pacientes que morreram devido a eventos cardiovasculares. Entre eles, 814 tinham diagnóstico de esquizofrenia e 673 de transtorno afetivo bipolar.

Indivíduos com esquizofrenia apresentaram 66% mais chance de não serem diagnosticados com doença cardiovascular. Já mulheres com TAB apresentaram um risco aumentado de não serem diagnosticadas com doença cardiovascular, em comparação com indivíduos sem doença mental grave (razão de chances ou odds ratio, OR, de 1,38; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 1,04 a 1,82). Praticamente todos os indivíduos com doença mental grave fizeram ao menos uma visita ao seu clínico geral ou especialista antes de morrer.

Para lembrar:

Indivíduos com esquizofrenia e mulheres com TAB têm mais chance de não serem diagnosticados com doença cardiovascular. É importante que psiquiatras, clínicos e cardiologistas peçam avaliações cardiovasculares frequentes para pacientes com estes diagnósticos, entendendo que estas doenças podem ser consideradas como fator de risco de eventos cardiovasculares.

Efeito da exposição da violência por armas de fogo em vídeo games nas crianças e sua relação com comportamentos perigosos com armas de fogo reais

Diariamente, cerca de 50 crianças e adolescentes, apenas nos Estados Unidos, são vítimas de armas de fogo – frequentemente como resultado da negligência dos pais, que mantêm armas de fogo carregadas em lugares pouco seguros. Entre as pessoas que têm crianças e armas em casa, aproximadamente 20% têm ao menos uma arma carregada guardada em algum lugar pouco seguro.

As crianças norte-americanas têm risco 10 vezes maior de morrer por disparos não intencionais, em comparação com as crianças de outros países desenvolvidos.

Caso uma criança ache uma arma de fogo em casa, muitos fatores podem influenciar a sua decisão de brincar ou não com ela.

Este estudo focou na exposição de crianças a cenas de violência por armas de fogo em video games, e foi controlado por vários outros potenciais fatores. Baseado na teoria de aprendizado social, o estudo levanta a hipótese de que crianças expostas a cenas de violência por armas de fogo em video games irão mimetizar este comportamento.

De acordo com a teoria de aprendizado social, as pessoas aprendem estratégias comportamentais por experiência direta e por observação de outros. Segundo esta teoria, as pessoas observam e copiam ou imitam o comportamento do outro, o que é chamado de modelagem. O modelo pode ser uma pessoa real ou um personagem fictício.

Para este estudo, a modelagem pode ocorrer especialmente quando os potenciais desfechos para um comportamento são perigosos. A identificação com o modelo é um fator importante, quanto mais a pessoa se identifica com o modelo, mas ela irá internalizar o comportamento, especialmente se houver recompensa na sua execução.

Em 2017, em um estudo randomizado 104 crianças entre 8 e 12 anos foram testadas em pares e randomicamente distribuídas para assistir 20 minutos de videoclipe, com ou sem armas. Após assistirem ao videoclipe, as crianças foram colocadas em diferentes salas, com uma câmera escondida, com brinquedos e jogos para se distraírem por 20 minutos. Em cada sala havia um armário, no qual estava guardada uma arma de fogo verdadeira, descarregada. As crianças que assistiram ao videoclipe que mostrou cenas com armas de fogo manusearam a arma por mais tempo e apertaram o gatilho mais vezes do que as crianças que assistiram ao filme sem cenas com armas de fogo.

O estudo em questão pretendia replicar os achados do estudo feito com videoclipes, mas dessa vez os pesquisadores usaram video games violentos, incluindo um participante ativo (o jogador) e um passivo (o expectador).

Com o video game os participantes poderiam aprender por experiência direta (jogando o jogo) e pela observação de outros (modelagem).

Baseado em um estudo de 2008, os autores presumiram que os jogadores teriam efeitos mais intensos do que os expectadores. Para distinguir violência por arma de fogo e violência em geral os autores colocaram duas condições: com armas e espadas e não violência como controle.

Os participantes foram randomizados em três grupos que jogaram três versões do jogo Minecraft por 20 minutos – com armas de fogo, com espadas ou sem violência. Após isto, as crianças foram colocadas em diferentes salas e orientadas a brincar com brinquedos e jogos por 20 minutos. Em cada sala havia um armário com duas armas escondidas, descarregadas, com contador de apertos de gatilhos. A sessão foi gravada.

Do total de 242 participantes, 220 encontraram as armas e foram incluídos na análise. Dos participantes incluídos na análise, 58,6% eram meninos, com média de idade de 9,9 anos. Entre as 76 crianças que jogaram a versão com arma de fogo, 61,8% tocaram na arma de fogo real. Entre as 74 crianças que jogaram versão com espada, 56,8% tocaram na arma de fogo real. Entre as 70 crianças que jogaram a versão sem violência, 44,3% tocaram na arma de fogo real.

Os participantes que jogaram as versões que incluíam violência, atiraram mais em si mesmos e em seus colegas do que os que jogaram a versão sem violência.

Outros fatores de risco de comportamento perigoso com arma de fogo incluem exposição a mídias violentas e comportamentos agressivos. A exposição à mídias violentas foi positivamente associada a um número maior de apertos de gatilhos (IRR = 1,40; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,00 a 1,98) assim como comportamento agressivo (IRR = 13,52; IC 95% de 3,14 a 58,29). O número de apertos de gatilho representa tanto contra si como contra seus colegas (IRR = 25,69; IC 95% de 5,92 a 111,39). O tempo que o participante ficou segurando a arma também foi relacionado com o tempo de exposição à mídias violentas (IRR = 4,22; IC 95%, de 1,62 a 11,02).

Para lembrar:

A exposição de crianças à mídias violentas é um gatilho para comportamentos violentos e agressivos. É extremamente importante evitar o contato das crianças com video games e filmes violentos, principalmente com armas de fogo. Sob o olhar da saúde pública, políticas de flexibilização ao acesso às armas de fogo devem ser repensadas, tendo em vista que como comprova o estudo, a combinação com a violência dos games pode levar a sérias consequências.

Artigo publicado no Medscape em 05 de julho de 2019