O caso dos testes farmacogenéticos em psiquiatria
Nos últimos meses diversas reportagens em jornais e revistas destinadas ao públicoem geral têm abordado os testes farmacogenéticos para o auxílio do tratamento de algumas doenças psiquiátricas, como a depressão maior. Além disto, diversas empresas têm propagandeado a venda destes testes. Quando se trata de tratamento de doenças psiquiátricas não apenas os médicos especialistas procuram algo concreto em que se basear, mas os pacientes também. Tais testes prometem auxiliar o clínico, apresentando uma lista de antidepressivos com os quais o paciente supostamente teria uma chance de melhor resposta. A psiquiatria, no entanto, está ainda um pouco distante desta realidade.
Atualmente, são poucas as evidências científicas em relação à utilidade destas ferramentas. Uma recente revisão sistemática identificou cinco estudos sobre testes genéticos em depressão maior. A revisão apresenta algumas questões que precisam ser apontadas. Por exemplo: alguns estudos foram financiados pelas empresas que desenvolvem testes farmacogenéticos. Outro fator importante é que os estudos eram relativamente pequenos – o maior deles contava com 685 participantes. Entende-se que amostras para estudos genéticos devem girar em torno de milhares de participantes, para que se tenha alguma relevância estatística. Três estudos eram abertos e não controlados, entendendo-se que alguns pacientes poderiam apresentar efeito placebo. Apenas dois estudos eram randomizados, duplo-cego e prospectivos.
Um deles não demonstrou significância. Um estudo de 2017 usou um escore de risco poligênico (SRP) para estimar a contribuição multialélica em eficácia de antidepressivos, e na sobreposição de depressão maior e esquizofrenia. Este SRP foi construído e testado como preditor para resposta de melhora de sintomas em estudos que testavam a resposta de antidepressivos (STAR*D e GENDEP). Para isto foram incluídos 736 indivíduos do estudo GENDEP e 1409 do estudo STAR*D. Além destes, outros 3.756 indivíduos de outros estudos foram incluídos. Este trabalho novamente não conseguiu predizer resposta de antidepressivos usando SRP. Novamente é preciso entender que a amostra era pequena para um estudo como este. Em 2016 uma sessão “Personal View” do jornal The Lancet Psychiatry concluiu que existem incertezas sobre a validade e utilidade destas ferramentas.
Outro problema dos testes é que os resultados não diferem o tempo de resposta do antidepressivo. A grande maioria deles não reconhece que os benefícios são apenas em relação ao curto prazo. Estas ferramentas não traduzem a eficácia em longo prazo, e esta informação muitas vezes não está clara para pacientes ou médicos. Ademais, a grande maioria dos médicos que indicam o uso destas ferramentas o faz porque já não consegue mais dar respostas aos pacientes que têm pouca ou nenhuma resposta aos antidepressivos.
Muitos pacientes acabam fazendo uso de quase todos os antidepressivos disponíveis no mercado sem resposta adequada, sendo considerados pacientes com depressão resistente ao tratamento. É como se o paciente não respondesse a nenhum antibiótico e fosse indicado um antibiograma, mas infelizmente não é este o caso. A questão mais relevante quando se fala em depressão resistente é o problema do erro no diagnóstico.
Estudos demonstram que um terço das chamadas depressões resistentes são casos de erro no diagnóstico, principalmente de depressão bipolar. Ou seja, a grande maioria destes pacientes não teria um problema de ineficácia da medicação, mas sim do diagnóstico.
Muitas vezes, quando se avalia o exame do estado mental não se leva em consideração sintomas leves ou subclínicos de mania, como agitação psicomotora. Um exemplo seria os pacientes com transtorno bipolar do tipo II. Na grande maioria das vezes, estudos demonstram que os antidepressivos são ineficazes nestes pacientes. Pacientes que realmente têm o diagnóstico de depressão maior apresentaram uma resposta aguda a antidepressivos, ao redor de 60%-70%. Entretanto, apenas em torno de um terço apresentará resposta em logo prazo, quando se considera manutenção (profilaxia de novos episódios). O estudo STAR*D mostra que depois de múltiplas falhas em responder a antidepressivos a chance de resposta a um outro antidepressivo agudamente chega a apenas 15%.
Devemos ter cautela em relação a novas tecnologias que nos são apresentadas, principalmente em uma especialidade como a psiquiatria, onde não temos sintomas patognomônicos, e muito menos marcadores biológicos. Por enquanto os testes farmacogenéticos são apenas apostas que podem sair muito caro para os pacientes.
Artigo publicado no Medscape em 26 de junho de 2018