Doenças psiquiátricas e risco de suicídio

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Risco de suicídio em 12 doenças psiquiátricas descritas no DSM-5

No que se refere ao comportamento suicida, as doenças psiquiátricas apresentam uma variação em relação ao risco associado. Entretanto, os transtornos do humor apresentam as maiores de taxas de suicídio. Poucos estudos recentes consideraram taxas de comportamento suicida em uma ampla amostra de sujeitos diagnosticados com doenças psiquiátricas através de conceitos modernos. A maioria dos estudos reporta apenas suicídio, considerando alguns diagnósticos ou grupos como transtornos do humor. Alguns estudos consideram diagnósticos entre suicídios cometidos em vez de risco de suicídio entre sujeitos com particular diagnóstico psiquiátrico. Pacientes com transtorno bipolar ou depressão maior apresentam as maiores taxas de tentativa e suicídio em comparação com as demais doenças psiquiátricas. Entre os transtornos do humor, a taxa de mortalidade padronizada para suicídio pode ser 20 vezes maior do que na população em geral. Alguns estudos relacionam o risco de transtornos do humor com a gravidade da doença. As tentativas de suicídio nos pacientes diagnosticados com transtorno bipolar ocorrem em sujeitos mais jovens, em comparação com pacientes com depressão maior. O risco de suicídio entre pacientes com transtornos do humor é maior em pacientes não tratados.

As mortes por suicídio, inclusive as por métodos violentos, são mais prevalentes entre homens, na maioria das culturas, e associadas a sintomas psicóticos. O estado mórbido é um importante fator de risco de suicídio e tentativa, mais comumente depressão, especialmente com características mistas (agitação), tanto no transtorno bipolar como na depressão maior.

O estudo em questão buscou comparar as taxas de suicídio, ideação suicida, tentativa de suicídio, tentativa de suicídio violenta e letalidade das tentativas em uma coorte europeia de homens e mulheres com diagnóstico de 12 doenças psiquiátricas descritas na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, sigla do inglês, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Participaram deste estudo 6.050 pacientes adultos.

A incidência de ideação suicida variou de 53,9% em pacientes com transtorno bipolar com características mistas a 8,7% em pacientes com transtorno de ansiedade. Entre pacientes que cometeram ao menos uma tentativa de suicídio, foram mais prevalentes os sujeitos com transtorno bipolar com sintomas mistos ou psicóticos. As maiores taxas de suicídio foram respectivamente em pacientes que abusavam de substância, seguidos de pacientes bipolares com sintomas psicóticos, transtornos psicóticos, pacientes bipolares do tipo 1 e depressão maior. A letalidade das tentativas foi respectivamente maior em pacientes com abuso de substância, transtornos psicóticos e pacientes bipolares com sintomas psicóticos. As mulheres apresentaram mais risco de ideação suicida e tentativas de suicídio, porém, os homens apresentaram mais tentativas de suicídio mais violentas e mais suicídios.

Para lembrar:

Pacientes com diagnóstico de transtorno do humor apresentam mais risco de tentativa de suicídio e suicídio. Este quadro pode ser ainda mais grave com o abuso de substância, que é muito frequente entre pacientes com transtornos do humor. É determinante que se averigue o abuso de substância entre os pacientes com transtorno bipolar e depressão maior. Além disso, a indagação sobre a ideação suicida e a ocorrência de tentativas prévias é fundamental a redução do risco destes pacientes.

Relação entre lítio sérico e danos renais em um modelo pré-clínico

O lítio permanece sendo o padrão-ouro no tratamento profilático do transtorno bipolar. Um efeito colateral relacionado com o uso prolongado do lítio é o desenvolvimento de doença renal crônica, que é menos frequente do que se pensava anteriormente. O estágio 3 da doença renal crônica pôde ser observado entre 20% a 40% dos pacientes em tratamento de longo prazo com lítio. Esta porcentagem pode ser ainda maior entre idosos. Apenas entre 1% e 2% dos pacientes progridem para insuficiência renal, necessitando de diálise ou transplante. Neste contexto, saber quais são os fatores de risco de doença renal crônica pode contribuir para um uso mais racional deste medicamento. Existem algumas evidências de aumento do risco de doença renal crônica em pacientes com uso de lítio em longa data, idosos, pessoas com história de toxicidade por lítio, comorbidades clínicas e uso concomitante de outros medicamentos nefrotóxicos. A relação com o lítio sérico sanguíneo é controversa. Alguns estudos demonstram que não há diminuição da filtração glomerular relacionada com o lítio sérico. No entanto, análises retrospectivas mostram que níveis séricos de lítio > 0,6 mmol/L estão associados a diminuição da filtração glomerular. Alguns estudos pré-clínicos demostram que dano renal é dose-dependente.

O objetivo deste estudo foi avaliar se existe relação entre o lítio sérico e a magnitude do dano renal em modelo pré-clínico. Para isto, foram randomizados 30 ratos machos Wistar em três grupos: baixas doses de lítio, altas doses de lítio e sem lítio (controle). Os parâmetros laboratoriais foram avaliados depois de um e três meses, e as alterações histopatológicas foram avaliadas após três meses. Os ratos que apresentaram níveis mais baixos de lítio demonstraram dilatação dos túbulos corticais com igual clearence de creatinina. Já os ratos com níveis mais elevados de lítio apresentaram mais danos histopatológicos, além de um menor clearence de creatinina, quando comparados com os outros dois grupos.

Para lembrar:

O entendimento de se usar níveis séricos altos próximos de 1 mmol/L para obter uma resposta adequada pelos pacientes que utilizam lítio é uma ideia obsoleta. A melhor maneira de administrar o uso de lítio em pacientes é iniciar com doses mais baixas e observar a resposta clínica. O uso do lítio sérico é importante para prevenir intoxicações, principalmente em idosos, nos quais os níveis séricos utilizados como referência devem ser menores (em torno de 0,4 mmol/L a 0,7 mmol/L).

Posse de arma e suicídio na Califórnia

Suicídios normalmente são atos impulsivos, ocasionados por crises transitórias da vida. A maioria das tentativas não é fatal e a maioria das pessoas que tentam suicídio não irá morrer em tentativas futuras. A gravidade de um suicídio depende da letalidade do método e as armas de fogo são extremamente letais.

Estes fatos focam no acesso a armas de fogo como fator de risco de suicídio, especialmente nos Estados Unidos, que apresentam uma alta prevalência de porte de armas e uma alta taxa de suicídio por armas de fogo. Em 2018 ocorreram 24.432 suicídios por armas de fogo nos Estados Unidos. Estudos ecológicos e caso-controle demonstraram uma associação positiva entre disponibilidade de armas de fogo e suicídio. O risco seria três vezes maior quando existe acesso a armas de fogo.

No entanto existem as evidências têm limitações, como, por exemplo, os estudos caso-controle foram relativamente pequenos. Neste estudo os autores acompanharam proprietários de armas de fogo durante 12,2 anos, por meio de uma coorte de 26,3 milhões de adultos residentes na Califórnia que previamente não haviam adquirido armas de fogo. Destes, 676.425 membros da coorte adquiriram sua primeira arma durante o período do estudo. O objetivo do estudo foi estimar o risco da posse de arma no suicídio. No total, 1.457,981 pessoas morreram ─ por diversas causas. Destas, 17.894 morreram por suicídio, das quais, 6.691 por arma de fogo. A taxa de suicídio por qualquer método foi maior entre aqueles que tinham posse de arma (homens HR = 3,34; IC 95%, de 3,13 a 3,56 e mulheres HR = 7,16; IC 95%, de 6,22 a 8,24).

Entre os suicídios por arma de fogo, os homens apresentaram HR = 7,82 (IC 95%, de 7,26 a 8,43). Já as mulheres apresentaram HR = 35,15 (IC 95%, de 26,56 a 41,79). O aumento do risco de suicídio entre portadores de arma de fogo ocorreu logo após a aquisição da primeira arma.

Para lembrar:

Este estudo demonstra que a legalização do porte de armas é uma combinação muito temerária do ponto de vista de saúde pública. O estudo apresenta também uma grave constatação: mulheres apresentam maior risco de suicídio quando têm a posse de uma arma de fogo. A maioria dos estudos já havia demonstrado que mulheres fazem mais tentativas, muito possivelmente por usarem métodos menos letais; no entanto, armas de fogo são mais letais, e podem acabar tornando tentativas em suicídios.

Artigo publicado no Medscape em 07 de julho de 2020