Volta à escola em plena pandemia: uma decisão difícil

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Mandar ou não mandar as crianças à escola segue sendo um tema polêmico entre pais, professores, profissionais de saúde e governantes em todo o mundo, e no Brasil não é diferente. Neste episódio do Conversa de Médico, o Medscape aborda o tema, apresentando as evidências mais recentes acompanhadas da opinião de parte de seu time de advisors, mais especificamente o Dr. Sivan Mauer, psiquiatra, a Dra. Aline Serfaty, radiologista, e o Dr. Fernando Lyra, pediatra.

Recentes dados epidemiológicos brasileiros mostram que 25% dos óbitos no país foram de pessoas entre 70 e 79 anos de idade. Os menores de 19 anos constituem um quarto da população no Brasil, mas representam apenas 0,7% do total de óbitos por covid-19 desde o início da pandemia.

Apesar das notícias sobre a ocorrência de casos graves e fatais, na maioria das crianças (60%) a infecção pelo novo coronavírus é assintomática. Nas que apresentam sintomas, eles geralmente são muito parecidos com os sintomas de infecções das vias aéreas comuns da infância.

“Essa relativa benignidade, no entanto, não deve embasar as tomadas de decisões gerenciais, pois os casos graves também existem na pediatria e não é possível distinguir rápida e facilmente quais irão evoluir com piores quadros, como síndrome inflamatória multissisêmica pediátrica (SIMP) Kawasaki-símile”, aponta o Dr. Fernando.

Essa dificuldade no diagnóstico também se impõe diante dos exames de imagem, afirma a Dra. Aline, salientando que 50% dos pacientes com covid-19 podem apresentar tomografia normal nos primeiros dias após o surgimento dos sintomas. Ela cita um estudo feito na China com 30 pacientes pediátricos onde se viu que os achados tomográficos foram negativos em metade dos casos.

“Outro trabalho que comparou estudos de imagem de adultos e crianças também mostrou que os achados são menos frequentes em crianças e que, naquelas que apresentavam achados observáveis, o envolvimento do pulmão foi menor do que o visto nos adultos pesquisados.”

Superspreaders ?

Um estudo da Fiocruz destacou que 9,2 milhões de idosos e adultos com diabetes, enfermidades cardiovasculares ou doença pulmonar residem com ao menos uma pessoa da faixa etária entre três e 17 anos, portanto, em idade escolar.

Segundo o Dr. Fernando Lyra, novos dados já mostraram que crianças podem ter cargas virais – aferidas por PCR-RT quantitativo – até 100 vezes superior às registradas em adultos com formas graves de covid-19. Entretanto, é importante destacar que uma maior carga viral não significa necessariamente maior capacidade de contágio, e estudos têm mostrado que as crianças não são “superspreaders” do SARS-CoV-2, como se acreditava no início da pandemia.

Além disso, acrescentou o Dr. Fernando, um estudo comparando a experiência de dois países com características bem parecidas – a Suécia, que nunca suspendeu as aulas, e a Finlândia, que suspendeu aulas presenciais no início da pandemia – mostrou que a volta às salas de aula não representou diferença entre os dois países nas taxas de contaminação de professores.

Quando voltar

A decisão não é simples e não deve ser transferida em 100% para os pais. Segundo o Dr. Fernando, as ações devem ser tomadas pelos governantes, em parceria com pais, professores e profissionais de saúde, e com base em dados científicos.

“Também é preciso garantir condições mínimas, como infraestrutura e transporte seguros para essa volta à escola. Em um país com tamanha desigualdade, como o Brasil, a retomada das aulas presenciais pode ser factível em alguns lugares e em outros não”, disse o pediatra, acrescentando que, diante da decisão de voltar ao estudo presencial, devem ser priorizados os estudantes com sintomas de sofrimento devido ao isolamento social, os que não têm acesso a internet, e os que apresentam claras dificuldades para aprender com o sistema on-line.

As crianças menores de sete anos, e as que estão em maior risco em termos de saúde, devem aguardar. Entre as crianças com alto risco estão aquelas com obesidade mórbida, diabetes tipo 1, insuficiência cardíaca grave ou descompensada, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal crônica, imunodeprimidas ou em uso de imunomoduladores, em tratamento de câncer, e adolescentes gestantes.

Assista o vídeo em Medscape.

Artigo publicado no Medscape em 15 de outubo de 2020